São Paulo, segunda-feira, 08 de janeiro de 2001

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QUESTÃO AGRÁRIA
Ministro crê na existência de "rede criminosa" que estaria favorecendo grileiros na região amazônica
Jungmann suspeita de cartórios no AM

MALU GASPAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Uma "rede criminosa de cartórios" estaria atuando de má-fe na Amazônia para favorecer grileiros na apropriação indevida de terras públicas usando documentos falsos. A constatação é do próprio ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann.
Segundo ele, "só isso justifica que os cartórios possam estar fornecendo a grileiros documentos que são comprovadamente falsos". Jungmann afirma que o Incra já identificou cerca de 50 cartórios envolvidos com grilagem de terras públicas em todo o país, boa parte deles naquela região.
Só no Estado do Amazonas, considerado pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) "o ambiente ideal para a grilagem", quase um terço do território, ou 55 milhões de hectares, está nas mãos de grileiros.
O dado consta do "Livro Branco da Grilagem", levantamento divulgado pelo Incra em outubro, e dá apenas uma idéia da extensão do problema na região que tem o maior latifundiário do país, o acreano Falb Saraiva de Farias.
Na semana passada, a Folha revelou que Farias é citado como detentor de 10 milhões de hectares na Amazônia. O empresário Cecílio do Rego Almeida, com 7 milhões de hectares, era até então o maior latifundiário brasileiro.
Segundo Jungmann, as investigações da procuradoria do Incra no Amazonas indicam que Farias é apenas um testa-de-ferro de organizações ou pessoas que usam a especulação ilegal de terras para lavar dinheiro do narcotráfico no país, justificando com as transações as injeções de recursos em contas bancárias no Brasil.
As investigações mostram que Farias trabalha em colaboração com os cartórios, que, segundo Jungmann, ignoram as recomendações do Incra e adulteram certidões de posse para caraterizar a propriedade dos grileiros.
A principal suspeita do Incra é que a ONG Fundação Amazonas Forever Green seja a fachada das operações ilegais de Farias. O megalatifundiário diz ser um dos fundadores da ONG e que doou 100 mil hectares a ela para contribuir na preservação da selva.
Jungmann diz não acreditar que os 10 milhões de hectares registrados em cartório em nome de Farias realmente existam. Segundo ele, as investigações do Incra já comprovaram que há pessoas cuja extensão das terras num determinado Estado é maior que o seu território inteiro, o que prova que as terras só existem no papel.
Para tentar resolver o problema, Jungmann irá ao Amazonas nesta semana junto com o ministro da Segurança Institucional, general Alberto Cardoso, e o diretor-geral adjunto da Polícia Federal, Wilson Damásio. Jungmann irá reunir-se com representantes da Receita Federal, do Ministério Público e do Judiciário, a quem ele atribui "uma certa leniência e, em alguns casos, até mais do que isso, no tratamento da questão". Segundo ele, muitos títulos de grileiros teriam sido reconhecidos pela Justiça mesmo após o governo ter dito que as terras pertenciam à União. Parte dessas terras já teve seus títulos cancelados por uma portaria que anulou os cadastros rurais de todas as propriedades com mais de 10 mil hectares. Muitos proprietários não apareceram para recadastrar as terras.
Outro problema, diz Jungmann, é o fato de alguns dos compradores serem ONGs internacionais. Para o ministro, "é um absurdo" considerar a possibilidade de entrar em disputa com entidades por áreas públicas muitas vezes localizadas nas fronteiras.


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