São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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JANIO DE FREITAS

A calma ameaçada

Mesmo que tenha aplacado os boatos sobre saída de Henrique Meirelles da presidência do Banco Central, reafirmando a permanência de toda a equipe econômica, nem por isso Lula resolveu o problema principal. Antes agravou-o: a reafirmação da política e da equipe econômica já aumentariam a insatisfação geradora dos boatos, mas o tom suficiência debochada com que Lula se dirigiu aos inquietos e o corte de R$ 6 bi do Orçamento deram início imediato a reações que vão acelerar o processo de insatisfação e a um desfecho que, se pode tardar um pouco, não pode ser favorável ao governo. Porque, em casos semelhantes, nunca o foi.
A incapacidade do governo de convencer dos seus motivos para manter intocados os juros altos, em sua última decisão a respeito, está mobilizando parte expressiva do empresariado, que, impossibilitado de buscar lucros de produção por insuficiência de atividade econômica, agora percebe sinais, internos e externos, de que os lucros com aplicação financeira (a generosa compensação que mantém acomodado o empresariado) ameaçam com incertezas.
Na frente política, já amanhã a bancada parlamentar do PT vai reunir-se e discutir, entre outras definições de posição, o corte orçamentário que provocou sua desaprovação automática. Os deputados tiveram o cuidado, na formulação final do Orçamento, de preservar todos os balizamentos indicados pela equipe econômica e, em exagero impróprio, submeteram à Fazenda cada passo importante do seu trabalho. O relator foi um petista, Jorge Bittar, que abriu mão até de deveres seus, como ficou registrado aqui. Logo, os deputados têm mais do que razões para achar absurdo e desprestigioso com o Congresso que, já ao entrar o segundo mês, o governo desautorize o longo trabalho, os tantos cuidados e os critérios que endossou na aprovação do Orçamento pelo Congresso.
Se os juros já negavam as reiteradas afirmações de Lula e Antonio Palocci - "este será o ano do crescimento" -, o corte do Orçamento as sepulta. Lula ainda pode dizer, com ares sarcásticos: "Está nervoso o mercado? Eu não estou, estou calmo". Não é provável que possa dizê-lo por longo tempo, se não forem mudadas certas premissas do governo.

Muitos zeros
Em sua visita propagandística a cidades inundadas do Nordeste, Lula responsabilizou o descaso de todos os governos anteriores. Tem razão.
Mas, a propósito, quanto o governo Lula liberou, em um ano inteiro de domínio sobre as contas públicas, para a prevenção de calamidades, no Nordeste ou em qualquer parte?
Não há indicação de que algum, um que seja, dos governos justamente condenados por Lula tenha sido tão castigado pela política econômica quanto o do próprio Lula, no que respeita a ações de prevenção em geral.

A nata
A pasmaceira do governo diante do caso Parmalat é espantosa. A cada dia foi possível pressentir o agravamento do problema no dia seguinte, para milhares de produtores de leite e dezenas de milhares de trabalhadores, até chegar a paralisação geral das atividades, acompanhada do previsível pedido de concordata da empresa. E o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, nada - ou melhor, posou para algumas fotos. O da indústria, Luiz Fernando Furlan, nem isso.
Da Presidência não se tem notícia nem de que já saiba do ocorrido.

Impunidade
A Light é mais do que um problema de respeito impune às obrigações que lhe são impostas por lei, sem falar nos seus deveres de sentido social. Venta um pouco? Já sei que logo faltará energia - como nesta ocasião em que escrevo, como ontem, como costumeiramente - por horas incalculáveis. E se não ventar é a mesma coisa.
Depois, às reclamações a Light afirma que o corte foi provocado por bandidos de favela. Como há favelas em todos os bairros do Rio, a mentira se aplica ao Rio todo.
A Light não é uma empresa de energia privatizada. É um descaso criminoso, pelo respeito às obrigações legais e pelos efeitos que causa, protegido por aumentos incessantes do seu preço imoral.

E mais zero
O melhor da "reforma" ministerial é que deu pretexto, na sexta-feira, para (mais) um grande churrasco sob patrocínio presidencial. E dará pretexto para (mais) um grande jantar, na terça.
Isso é que é fome zero.


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