São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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BRASIL PROFUNDO

Até órgãos admitem o sucateamento; trabalho de prevenção a conflitos praticamente não existe

Tensão no campo fica à mercê da falta de estrutura de órgãos

EDUARDO SCOLESE
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Sucateados, os órgãos do governo federal responsáveis pelos trabalhos de prevenção e controle das tensões que envolvem sem-terra, índios, milícias de fazendeiros e trabalho escravo não têm estrutura para atender à atual demanda no campo. O trabalho de prevenção praticamente inexiste.
A situação é admitida na Polícia Federal, no Ministério do Trabalho, na Ouvidoria Agrária Nacional (subordinada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário) e na Funai (Fundação Nacional do Índio). Faltam recursos até para viagens de fiscalização. O número de funcionários é insuficiente.
O quadro verificado na Polícia Federal é relatado pelo próprio coordenador-geral de defesa institucional, delegado José Milton Rodrigues. Segundo ele, a corporação mantém operações engavetadas por falta de verbas, enquanto policiais são obrigados a "financiar" viagens a serviço.
"O nosso pessoal, não é segredo, tem praticamente financiado as viagens de serviço do próprio bolso. Chega ao ponto de funcionários, sem dinheiro, se recusarem a viajar", afirma Rodrigues.
A PF é responsável pelo serviço de inteligência em torno da formação de milícias armadas e da movimentação de índios e sem-terra, um trabalho chamado internamente de "monitoramento".
A instituição também atua na repressão a conflitos já instalados. No ano passado, a Operação Paz no Campo conseguiu, em duas ocasiões, apreender armas ilegais em fazendas na região central do Paraná e no Pontal do Paranapanema (extremo oeste de SP).
A Polícia Federal também atua dando apoio às equipes de auditores do Ministério do Trabalho na fiscalização de fazendas sob suspeita de abrigar funcionários em condições análogas à escravidão. Nesses casos, porém, os custos de hospedagem e alimentação dos policiais são suportados, há cerca de oito anos, pelo Trabalho.

Três em um
Segundo a secretária de Inspeção do Trabalho, Ruth Vilela, a experiência da fiscalização demonstra que, onde se encontra ocorrência de trabalho escravo, haverá conflitos fundiários e problemas de exploração do meio ambiente. Daí a necessidade de ação conjunta.
Na avaliação de Vilela, o número de auditores fiscais hoje "não é suficiente". No caso específico do combate ao trabalho escravo, a situação é mais precária. Há cerca de cem fiscais. Todos voluntários. Para melhorar o trabalho, seria necessário aprovar a lei que determina a expropriação de terras em que for constatado trabalho escravo, diz a secretária.
"Em algumas regiões, para ganhar agilidade e eficácia, não podemos ir por terra e não temos helicóptero", diz Vilela.
Criada em 1999 para prevenir e diminuir os conflitos entre fazendeiros e sem-terra, a Ouvidoria Agrária Nacional, ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, conta hoje com uma equipe de quatro pessoas em todo o país. Apenas duas são consideradas "mediadoras" de conflitos, ou seja, que atuam, por exemplo, nas negociações após uma invasão de terra. Em 2003 foram 222 invasões no Brasil.
A ouvidoria diz contar hoje com o apoio de 13 ouvidores agrários subordinados aos Estados. "Precisamos estruturar a ouvidoria com mão-de-obra qualificada",
Para a Polícia Federal, a tensão relacionada aos índios é atualmente a principal preocupação, acima dos sem-terra. Para controlar tais focos, como em Roraima e em Mato Grosso do Sul, a Fundação Nacional do Índio conta com cerca de 20 antropólogos sediados em Brasília. Deslocam-se apenas quando em caso de conflitos.



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