São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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HISTÓRIA OCULTA

Historiadores reclamam de decreto de FHC que amplia por tempo indeterminado acesso a documentos sigilosos

"Sigilo eterno" inviabiliza pesquisa no Rio

MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Decreto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que ampliou por tempo indeterminado o acesso a documentos sigilosos, está prejudicando a pesquisa histórica sobre o regime militar no Rio de Janeiro.
Alunos de mestrado em História Social da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), orientados pelo historiador Carlos Fico, foram impedidos pela direção do Arquivo Nacional, órgão vinculado à Casa Civil, de acessar a documentação da extinta DSI (Divisão de Segurança e Informações) do Ministério da Justiça.
A proibição se baseia no decreto 4.553, de 2002, sancionado por FHC na última semana do seu governo e que entrou em vigor sob a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, há quase um ano -no dia 13 de fevereiro de 2003.
O decreto amplia os prazos de sigilo dos documentos públicos (reservado, confidencial, secreto e ultra-secreto). No caso dos ultra-secretos, eleva a classificação de 30 para 50 anos, com renovação por tempo indeterminado.
A ampliação é inconstitucional, porque fere a Lei de Arquivos (número 8.159/91), que fixa o limite de inacessibilidade à documentação sigilosa por até 30 anos, renováveis por mais 30.
"Este decreto bloqueia o trabalho do historiador, e é uma aberração que Lula ainda não o tenha revogado, tendo em vista a sua indiscutível trajetória democrática", disse Fico, que é autor de "Como Eles Agiam - Os Subterrâneos da Ditadura Militar: Espionagem e Polícia Política", livro que revela técnicas e funcionamento dos sistemas de segurança e informação do regime militar.
O livro de Fico foi escrito com base em relatórios, processos e documentos da DSI do Ministério da Justiça, que funcionou entre 1968 e 1985. Segundo o historiador, em todos os ministérios, autarquias e fundações públicas havia uma DSI que tinha a função de identificar possíveis subversivos em seu quadro funcional.
As DSI trocavam informações com os mais diversos órgãos de segurança do regime militar, como o SNI (Serviço Nacional de Informações), CIE, Cisa e Cenimar -os centros de informação do Exército, Aeronáutica e Marinha.
"O acervo da DSI do Ministério da Justiça foi o único transferido para o Arquivo Nacional até hoje. Há uma imensa quantidade de documentos que eu não consegui pesquisar e que agora estão novamente inacessíveis por conta do decreto", disse Fico.
O historiador Sérgio Henrique da Costa Rodrigues, orientando de Fico, foi um dos prejudicados. "No acervo da DSI do Ministério da Justiça, há relatos de bispos perseguidos e torturados, cujos processos interferiram nas relações entre o Estado brasileiro e o Vaticano durante o regime militar. Infelizmente, não pude olhar esses documentos", disse Rodrigues, que faz mestrado sobre as relações do Brasil com o Vaticano entre 1964 e 1985.
Rodrigues também teve dificuldades de acesso a informações no centro de documentação do Itamaraty, em Brasília. "Só tive acesso à documentação [do Itamaraty], porque outro historiador já a havia manuseado."
Fico soube da existência da transferência do acervo da DSI do Ministério da Justiça para o Arquivo Nacional em 1993. Com base na Lei de Arquivos, ele requereu ao ministério acesso à documentação. A concessão só saiu em 1998, após tratamento técnico feito pela direção do Arquivo Nacional e a publicação do decreto 2.134, de 1997, que regulamentou a Lei de Arquivos.
O decreto, revogado pelo 4.553 de FHC, respeitava o limite máximo de até 30 anos de sigilo.


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