São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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ARTIGO

Emergentes se tornam porto seguro

JEROME BOOTH
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

A reunião do Grupo dos 7 (G7) neste fim de semana inevitavelmente terá discutido os desequilíbrios cambiais e o estado das economias dos países que o integram. Um tema que dificilmente chegaria à agenda, porém, é o risco que as economias do G7 oferecem, hoje em dia, como principais fontes de instabilidade para os mercados emergentes.
Em qualquer prazo, excetuados os mais curtos, os títulos da dívida de países emergentes são uma classe robusta de ativos. Até no mercado de prazo muito curto, os administradores de fundos da dívida emergente precisam alterar a composição de suas carteiras com freqüência mais devido aos riscos relacionados aos movimentos da curva dos títulos do Tesouro norte-americano do que por mudanças nos fundamentos dos países de mercado emergente.
Em um mundo como esse, os velhos preconceitos no sentido de que os papéis de dívida emergente envolvem riscos e os mercados do G7 são relativamente seguros precisam ser reavaliados.
O primeiro preconceito que precisa ser desafiado é a preocupação recentemente expressa pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), entre outros, quanto a uma possível e até iminente reversão na dívida emergente depois de seu forte desempenho em 2003. Isso ajudou a reavivar clichês esgotados quanto a uma suposta alta margem de risco da dívida de emergentes e aos colapsos que se seguem inevitavelmente a qualquer corrida de preços. Mas a realidade mudou desde as ondas de pânico em relação ao contágio financeiro nos anos 90.
A dívida dos mercados emergentes é uma classe de ativo que está amadurecendo e passou por três grandes mudanças em sua base de investidores e dinâmica de mercado nos últimos 20 anos.
A primeira foi a crise mexicana de 1983, depois da qual o mercado secundário de títulos da dívida e o mercado moderno desses papéis nasceram. A segunda foi o Plano Brady, sob o qual, a partir do final dos anos 80, a crise da dívida latino-americana foi resolvida, sob os auspícios de Nicholas Brady, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, por meio de planos de reestruturação lastreados pelos chamados bônus Brady. Depois desse período, a liquidez do mercado aumentou consideravelmente e verbas especulativas começaram a ser despejadas no mercado. A era registrou numerosos casos de contágio financeiro entre mercados emergentes.
No entanto esse padrão não se baseava em ligações econômicas intrínsecas dessas economias, mas no comportamento dos investidores em Nova York e em Londres; a maior parte dos vínculos de investimento entre os países em desenvolvimento ocorria no sentido norte-sul, e não no sentido sul-sul. Ainda que irracionais, em termos coletivos, a ironia da situação é que os investidores tinham forte incentivo para se comportar de acordo com essa mentalidade de rebanho, antes que todo mundo o fizesse.
A desvalorização russa de 1998, o terceiro grande evento nessa breve história, fez tudo isso mudar. O choque, que veio se somar à crise causada pelo colapso do fundo de investimentos Long Term Capital Management, foi suficiente para excluir os investidores especulativos e dar nova forma à dinâmica geral do mercado. O volume negociado caiu dois terços, e a fatia de um terço da base de investidores composta por especuladores caiu para cerca de 5% (e se manteve baixa). A volatilidade do mercado se reduziu à casa do dígito único. O legado muito apreciado da irracionalidade coletiva do passado próximo é que, agora que ela se foi, ninguém tem incentivos para recriá-la.
Desde então, houve duas crises sérias, a da desvalorização brasileira em 1999 e a da moratória argentina em 2001. Nos dois casos, o resto do mercado se recuperou. Não houve contágio, e os principais riscos agora emanam do G7.
Embora isso tudo seja importante, a razão para que os papéis da dívida emergente tenham entrado em alta no ano passado tem pouco a ver com os encantos recentemente descobertos de uma baixa volatilidade e de um contágio improvável.
As recentes quedas nos mercados de ações dos países desenvolvidos geraram passivos sem cobertura para os fundos de pensão. Os rendimentos dos dividendos das ações e os rendimentos dos títulos da dívida dos países desenvolvidos não parecem fortes o bastante para atingir as metas de retorno de 8% necessário para cobrir esses passivos. Além disso, as ações podem se ajustar por baixo, passando por uma nova queda.
As percepções de risco também mudaram. A maior parte dos investidores institucionais enfrenta maior risco nos EUA e na Europa com as grandes empresas das regiões e os riscos correlacionados nos mercados de ações e de bônus. A dívida dos países emergentes (títulos soberanos de nações que não pertencem ao G7) substitui os títulos do Tesouro norte-americano como fonte de segurança e não deve ser mais encarada como investimento de risco.
As alocações dos fundos ocidentais de pensões começaram a crescer, experimentalmente, cerca de dois anos atrás. A tendência agora vem se acelerando e pode durar alguns anos. O contexto histórico, porém, é crucial para compreender que os riscos da dívida emergente não derivam do ágio entre os índices, mas das alocações conservadoras das instituições. Seriam necessários dividendos atraentes das ações norte-americanas ou um rendimento anual de 8% para os títulos do Tesouro dos Estados Unidos caso se deseje reverter essa tendência. Isso é improvável por ao menos mais dois anos.


Jerome Booth é diretor de pesquisa da Ashmore Investment Management, do Reino Unido, que administra cerca de US$ 5 bilhões em títulos da dívida de países emergentes.

Tradução de Paulo Migliacci


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