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HISTÓRIA
Relatório do Arquivo Público do Estado do Rio mostra que esquerdistas buscaram ajuda militar na ilha antes no golpe de 64
Cuba apoiou guerrilha já no governo Jânio
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
No dia 19 de agosto de 1961, o
então presidente da República, Jânio Quadros, condecorou com a
Ordem Nacional do Cruzeiro do
Sul o ministro da Economia de
Cuba, Ernesto Guevara, o Che.
Provavelmente sem saber, Jânio, que renunciaria seis dias depois, homenageou um dos três
principais dirigentes (os outros
eram os irmãos Fidel e Raúl Castro) do regime comunista que,
meses antes, já incentivava e
apoiava a preparação da luta armada contra o próprio governo
Jânio Quadros.
O ""abraço de tamanduá" de
Guevara (1928-67) em Jânio
(1917-92) pode ser presumido pela leitura de um relatório descoberto pela Folha no acervo de memória da política do Arquivo Público do Estado do Rio.
Até agora, os historiadores acreditaram que o suporte do regime
nascido com a Revolução Cubana
de 1959 a esquerdistas brasileiros
começou durante o governo João
Goulart (61-64), intensificando-se
após o movimento militar de 64.
Na verdade, o apoio veio de antes.
Em maio de 1961, o dirigente do
PCB (Partido Comunista Brasileiro) Jover Telles escreveu quatro
páginas intituladas ""Relatório à
Comissão Executiva sobre minhas atividades em Cuba".
No documento, endereçado ao
núcleo supremo do CC (Comitê
Central) do partido, ele detalhou
o dia-a-dia da sua missão. Telles
chegou a Havana em 30 de abril
de 1961. Deixou a cidade em 23 de
maio. No item 12 do relatório, Telles escreveu: ""Curso político-militar: levantei a questão. Estão dispostos a fazer. Mandar nomes,
biografia e aguardar a ordem de
embarque".
Pedido de armas
Na mesma época, o líder das Ligas Camponesas, Francisco Julião
(1915-99), estava em Havana tratando do apoio cubano à luta armada. No item 13, Telles contou
que ""Julião começou a falar em
pedido de armas etc. (...) Dei opinião contrária, por dois motivos:
a) poderia ser o pretexto para
uma grande provocação e para o
rompimento de Jânio com Cuba;
b) o assunto não estava em boas
mãos. Que discutissem o assunto
com Prestes (Luís Carlos Prestes,
secretário-geral do PCB), quando
lá fosse".
Em maio de 1961, também estava em Cuba, conforme o relato de
Jover Telles, um dos precursores
da guerrilha socialista no Brasil,
Clodomir dos Santos Morais, advogado que comandava um grupo de líderes das Ligas Camponesas e pregava -sem sucesso- a
adesão do PCB à luta armada.
Acabou expulso do partido.
O fundamental da narrativa de
Jover Telles é a concordância dos
cubanos em promover cursos militares. Embora inédita, essa não é
uma informação de todo surpreendente.
""Desde o início (1959) os cubanos estavam convictos de que a
luta armada era o caminho da revolução", diz o historiador Jacob
Gorender, 78, que em 1961 era
membro do CC do PCB. ""Para
mim, porém, o relatório é novidade. Deve ter circulado por poucas
pessoas."
Adesão
É estranho que a indagação sobre treinamento militar tenha se
originado de um dirigente do
PCB, agremiação que em 60 realizara o seu Quinto Congresso e rejeitara qualquer tese pró-guerrilha. Nos anos seguintes, mantendo a posição, perderia dirigentes
como Carlos Mariguella, Mário
Alves, Joaquim Câmara Ferreira,
Apolônio de Carvalho e os próprios Jover Telles e Jacob Gorender. Em grupos diferentes, todos
eles aderiram -alguns morreram- à luta armada contra o regime militar (1964-85).
Na política de ""exportação da
revolução" implementada por
Cuba, o Brasil, maior país latino-americano, tinha um lugar importante. Jover Telles foi recebido
por Fidel Castro (até o hoje o dirigente máximo cubano), Che Guevara e outros quadros.
O brasileiro teve um encontro
reservado com o embaixador da
atualmente extinta União Soviética, potência comunista que se
opunha à política guerrilheira.
Enquanto conspirava com militantes brasileiros oferecendo cursos militares -e talvez já fornecendo o apoio material que, com
certeza, chegaria ao país a partir
de 1962-, Cuba tinha em Jânio
Quadros um aliado contra a campanha dos EUA para derrubar o
governo de Fidel Castro.
Ao receber a condecoração de
Jânio, Guevara discursou, no Palácio do Planalto: ""Como revolucionário, estou profundamente
honrado com esta distinção do
governo e do povo brasileiros".
Disse haver ""todo o desejo de estreitar relações".
Gesto
O gesto de Jânio irritou setores
das Forças Armadas e serviu de
motivo para o recrudescimento
da oposição ao seu governo. Em
25 de agosto, sete meses após assumir, o presidente renunciou.
O autor do relatório sobre a
missão comunista a Cuba, Jover
Telles, não foi encontrado pela
Folha. Em 1976, já como integrante da direção do PC do B, ele
foi apontado como o delator que
levou o Exército a reprimir uma
reunião do partido e a matar três
militantes.
No começo dos anos 90, Telles
estava morando no Rio Grande
do Sul. Usava identidade falsa,
com medo de que os ex-correligionários o assassinassem. Se estiver vivo, já passou dos 70 anos.
A cópia do seu relatório consta
de microfilme com cadernetas de
Luís Carlos Prestes (1898-1990)
apreendidas pela polícia em 1964.
É possível que o relatório estivesse
em poder do chefe do PCB.
Sob o comando de Prestes, o
PCB permaneceu distante da opção guerrilheira. Até o início dos
anos 70, Cuba treinou pelo menos
202 militantes brasileiros em
guerrilhas urbana e rural. O regime militar venceu a guerra contra
a luta armada.
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