São Paulo, domingo, 08 de abril de 2007

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Elio Gaspari

Lula já lidou com tratantes, mas prevaleceu

"Os sacanas dos diretores da Scania tomaram uma prensa do Sindicato da Indústria Automobilística"

POR DIVERSOS motivos e até por razões de Estado, Nosso Guia aplicou nos sargentos amotinados da FAB o mesmo golpe que tomou do patronato paulista há 29 anos. A recordação pode não servir para nada, mas permite que ele reencontre os adjetivos que carimbou nos outros.
Na manhã de 12 de maio de 1978, o Brasil se deu conta de que havia um novo sindicalismo no ABC paulista. Num lance inesperado, os metalúrgicos da Scania haviam parado a fábrica. Lula presidia o sindicato de São Bernardo, mas não participou da organização do movimento.
Ninguém sabia de nada. Na noite anterior, falando num telefone grampeado, o professor Fernando Henrique Cardoso, tramava o lançamento, pela oposição, de uma candidatura presidencial. O indicado era o "sujeito" (general Euler Bentes Monteiro), apoiado pelo "tribuno" (senador Paulo Brossard), precisando de uma conversa com "nosso amigo" (Ulysses Guimarães).
Às sete da manhã, o operário Gilson Meneses parou 3.200 trabalhadores da Scania. Lula foi chamado para negociar. Três dias depois, a Scania ofereceu, por escrito, um aumento de 20% acima do índice de reajuste imposto pelo governo. A proposta foi aplaudida pelos trabalhadores ,e a greve, encerrada.
O resto da história, nas palavras de Lula:
"Nós fomos enganados porque fizemos um acordo com a Scania. Nós fomos para uma assembléia dentro da Scania. Colocamos o acordo em votação, todos os trabalhadores aceitaram a proposta e nós fomos homologar na Delegacia Regional do Trabalho em São Paulo. Quando nós chegamos na delegacia, estavam a Ford, a Mercedes e a Volkswagen mais o Mario Garnero, que era o presidente do Sindicato da Indústria Automobilística, mais o cara da Fiesp, que disseram para o tal Lunerdal da Scania: "Não tem acordo. Você não pode manter esse acordo porque nossas empresas não querem". Aí, o desgraçado pegou e voltou atrás.
(...) Quando o pessoal da Scania ficou sabendo que eles voltaram atrás, o pessoal achou que nós tínhamos traído eles. (...) E aí, ficou o sindicato como traidor."
Noutra versão: "Os sacanas dos diretores da Scania tomaram uma prensa do Sindicato da Indústria Automobilística". A greve alastrou-se. Cerca de 150 mil trabalhadores pararam 50 fábricas, os empresários cederam, e surgiu um novo bissílabo na política brasileira.

O PARÁ DÁ UMA LIÇÃO AO RIO E A MINAS
Os governadores gostam de acusar a União pela bagunça tributária nacional. Tudo bem, mas, na cobrança do ICMS sobre a energia elétrica dos consumidores de baixa renda, são eles quem anarquizam a vida do andar de baixo.
Minas Gerais e Rio de Janeiro são Estados poderosos, mas não há nexo na maneira como aliviam as contas de luz da população mais pobre.
Aécio Neves zera o ICMS para quem consome até cem quilowatts-hora por mês. Esse é o consumo de uma casa com quatro lâmpadas, uma geladeira e uma hora mensal de ferro elétrico e/ou chuveiro. Acima daí, a alíquota mineira é de 30%.
Sérgio Cabral não cobra de quem consome menos de 50 quilowatts. (Esse nível de consumo não existe.) Até 300 quilowatts, sua alíquota de ICMS é de 19%.
Os dois poderiam fazer a lição de casa com a governadora paraense Ana Julia Carepa. Ela zerou o ICMS para quem gasta menos de cem quilowatts e reduziu de 25% para 15% a alíquota do consumo de até 150 quilowatts.
Carepa estima que com isso deixa de arrecadar R$ 28 milhões por ano, mas beneficia 3 milhões de pessoas.
Olhando o número de outro jeito, libera R$ 28 milhões para os orçamentos do andar de baixo.

MAÇÃ AZUL
Lula mandou discretos emissários à caciquia tucana, sugerindo conversas reservadas para tratar da sucessão presidencial de 2010. Nesses acenos fica sugerida a hipótese de que venha a ter dois candidatos. Um do PT, outro de fora.
Acompanhando a temporada das marchinhas, esses encontros podiam ter fundo musical:
A história da maçã
É pura fantasia
Maçã igual àquela
O papai também comia

LUPI 1º E ÚNICO
Com sua capacidade de discursar em sala cheia como se estivesse em um comício em Bangu, o novo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, é o toque pitoresco da equipe de Lula.

TEM MAIS
Na noite do dia 31, ao saber da extensão do estrago provocado pelo motim dos sargentos, o ministro Waldir Pires tentou regressar do Rio para Brasília. Pediu um avião à FAB e foi informado de que não havia como transportá-lo.
Não se pode atribuir esse episódio do apagão hierárquico a sargentos amotinados.

VIVANDEIRAS
Os Estados Unidos vivem o maior dos problemas militares, a guerra. Não passa pela cabeça de ninguém que a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, vá ao escritório do Secretário da Força Aérea, Michael Wayne, para discutir problemas políticos ou administrativos.
Na segunda-feira, o deputado federal Arlindo Chinaglia foi ao gabinete do comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito. Lá encontrou o tucano Júlio Redecker, líder da minoria no Congresso. Vivandaram bonito.

RECONHECIMENTO
De um crítico impiedoso da diretoria do Banco Central, momentaneamente arrependido: "Depois do que os sargentos do Planalto fizeram, junto com os sargentos da FAB, eu durmo melhor quando lembro que o Henrique Meirelles está no Banco Central".

CONTA VELHA
Discretamente, o tucanato tenta descobrir uma maneira de usufruir o espetáculo da CPI do Apagão, sem molhar os pés na lama da Infraero. O dispositivo incestuoso da estatal com as empreiteiras foi montado antes que Nosso Guia chegasse ao Planalto. Sua base política fica em São Paulo.
Com a chegada dos companheiros, piorou. No ano passado, quando o deputado Carlos Wilson deixou a presidência da empresa, um cidadão foi sondado para substituí-lo, desde que se comprometesse a não mexer na área de engenharia. Não topou, não foi convidado.

CANA E ETANOL
A discussão sobre o uso da cana e do milho para produzir combustível veio para ficar. O Apocalipse prometido por Fidel Castro pode ser apenas uma confusão entre a proximidade do fim de seus dias e a iminência do fim do mundo. Apesar disso, uma informação dada pelos professores C. Ford Runge e Benjamin Senauer num artigo para a revista "Foreign Affairs" dá o que pensar: Quando um SUV abastecido com etanol de milho esvazia seu tanque de combustível, queimou a mesma quantidade de calorias que um bípede ao longo de um ano.
No século 19, os havaianos pararam de plantar comida, pois ganhavam muito dinheiro exportando sândalo. Bateu a fome, e uma das ilhas do arquipélago perdeu 30% da população.


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