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São Paulo expulsou seu santo para o Rio
Governador da capitania em 1780 mandou embora frei Galvão depois de religioso ter defendido soldado condenado à forca
Pressão de fazendeiros e seus escravos, que armados cercaram a casa de Martim Lobo de Saldanha, fez com que ele revogasse a ordem
LEANDRO BEGUOCI
DA REPORTAGEM LOCAL
O santo da casa paulista por
pouco não fez seus milagres na
praça fluminense. Em 1780, o
capitão-general Martim Lopes
Lobo de Saldanha, governador
da capitania, expulsou frei Galvão (1739-1822) de São Paulo.
O primeiro santo nascido no
Brasil não era uma sumidade
entre as autoridades da época,
assim como qualquer outro líder religioso. O Marquês de
Pombal expulsou os jesuítas do
Brasil em 1759, por exemplo.
Apenas cinco anos antes da
expulsão de frei Galvão, Saldanha determinara o fechamento
do Mosteiro da Luz, construção
erguida em 1774. O santo, que
será canonizado pelo papa Bento 16 em maio, durante missa
em São Paulo, foi arquiteto e
mestre-de-obras do local. Por
este motivo, é considerado pela
Igreja Católica como o padroeiro da construção civil.
Um mês depois, o mosteiro
(que existe até hoje) foi reaberto por ordem do Marquês de
Lavradio, então vice-rei do Brasil. O país era colônia de Portugal e a Igreja Católica se submetia às ordens do governo por
causa da instituição do padroado. Por este mecanismo, o rei
aprovava a nomeação de bispos, mantinha financeiramente a Igreja Católica e ao Vaticano só restava um controle muito pequeno sobre o clero.
A expulsão
A expulsão de frei Galvão foi
provocada por uma ofensa ao
governador (Saldanha, pelo
menos, entendeu o ato desta
maneira). O religioso franciscano defendeu publicamente um
soldado que havia sido condenado à morte, pela forca.
O crime cometido pelo militar Caetano José da Costa fora
brigar com o filho do governador, o capitão Antonio Lopes
Lobo de Saldanha. Os dois estavam bêbados.
A primeira sentença que o
soldado recebera fora a prisão
perpétua. Mas o capitão-general revogou a ordem do então
Conselho de Guerra, condenou
Costa à forca e despertou uma
comoção na cidade.
Frei Galvão foi uma das pessoas que se opuseram à condenação. A Câmara Municipal de
São Paulo e o bispo d. Manuel
da Ressurreição também se
opuseram à medida. Os apelos
foram em vão. O soldado foi
executado e o futuro primeiro
santo nascido no Brasil, condenado ao desterro no Rio de Janeiro. A ordem era abandonar
São Paulo no prazo de 24 horas.
O religioso deixou a cidade a pé.
Um dos motivos especulados
pelos jornais da época para a
condenação era a ligação de frei
Galvão com o antecessor de
Saldanha em São Paulo, Luiz
Antonio de Souza. O franciscano contou com a ajuda do então
governador para a construção
do mosteiro e lhe dedicou, inclusive, uma poesia. Saldanha
não gostava de Souza.
O problema (para Saldanha)
era que o frade era bem relacionado com a comunidade. Algumas das freiras que moravam
no mosteiro eram filhas da elite
local, que ajudou na construção
e manutenção da entidade. Logo depois que a sentença se tornou pública, fazendeiros e seus
escravos, todos armados, cercaram a casa do governador -que
teve de revogar a ordem.
Advogada do santo
Esta e outras histórias estão
relatadas na biografia enviada
pela irmã Célia Cadorin ao Vaticano. Ela foi "advogada" do
santo no processo de canonização e reuniu todos os documentos que encontrou para provar
à Santa Sé que o frade, em primeiro lugar, nasceu e morreu
(há santos medievais cuja existência nunca foi provada). Depois, que merecia ganhar o título de santo da Igreja Católica
Apostólica Romana.
Parte destes documentos estão na USP (Universidade de
São Paulo), outra parte se espalha entre o arquivo do Mosteiro
da Luz e o da Ordem Franciscana, da qual o frade foi membro.
No livro, que pode ser encontrado no Mosteiro da Luz, irmã
Célia conta como frei Galvão
assinou um documento com o
próprio sangue se consagrando
à Virgem Maria, transcreve
poesias escritas pelo religioso e
conselhos que deixou às freiras.
Estes textos mostram um
santo preocupado com detalhes. Num dos trechos, pede
que as freiras não falem "alto na
cozinha" e que não andassem
fazendo "bula pela casa".
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