São Paulo, domingo, 08 de abril de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

São Paulo expulsou seu santo para o Rio

Governador da capitania em 1780 mandou embora frei Galvão depois de religioso ter defendido soldado condenado à forca

Pressão de fazendeiros e seus escravos, que armados cercaram a casa de Martim Lobo de Saldanha, fez com que ele revogasse a ordem


LEANDRO BEGUOCI
DA REPORTAGEM LOCAL

O santo da casa paulista por pouco não fez seus milagres na praça fluminense. Em 1780, o capitão-general Martim Lopes Lobo de Saldanha, governador da capitania, expulsou frei Galvão (1739-1822) de São Paulo.
O primeiro santo nascido no Brasil não era uma sumidade entre as autoridades da época, assim como qualquer outro líder religioso. O Marquês de Pombal expulsou os jesuítas do Brasil em 1759, por exemplo.
Apenas cinco anos antes da expulsão de frei Galvão, Saldanha determinara o fechamento do Mosteiro da Luz, construção erguida em 1774. O santo, que será canonizado pelo papa Bento 16 em maio, durante missa em São Paulo, foi arquiteto e mestre-de-obras do local. Por este motivo, é considerado pela Igreja Católica como o padroeiro da construção civil.
Um mês depois, o mosteiro (que existe até hoje) foi reaberto por ordem do Marquês de Lavradio, então vice-rei do Brasil. O país era colônia de Portugal e a Igreja Católica se submetia às ordens do governo por causa da instituição do padroado. Por este mecanismo, o rei aprovava a nomeação de bispos, mantinha financeiramente a Igreja Católica e ao Vaticano só restava um controle muito pequeno sobre o clero.

A expulsão
A expulsão de frei Galvão foi provocada por uma ofensa ao governador (Saldanha, pelo menos, entendeu o ato desta maneira). O religioso franciscano defendeu publicamente um soldado que havia sido condenado à morte, pela forca.
O crime cometido pelo militar Caetano José da Costa fora brigar com o filho do governador, o capitão Antonio Lopes Lobo de Saldanha. Os dois estavam bêbados.
A primeira sentença que o soldado recebera fora a prisão perpétua. Mas o capitão-general revogou a ordem do então Conselho de Guerra, condenou Costa à forca e despertou uma comoção na cidade.
Frei Galvão foi uma das pessoas que se opuseram à condenação. A Câmara Municipal de São Paulo e o bispo d. Manuel da Ressurreição também se opuseram à medida. Os apelos foram em vão. O soldado foi executado e o futuro primeiro santo nascido no Brasil, condenado ao desterro no Rio de Janeiro. A ordem era abandonar São Paulo no prazo de 24 horas. O religioso deixou a cidade a pé.
Um dos motivos especulados pelos jornais da época para a condenação era a ligação de frei Galvão com o antecessor de Saldanha em São Paulo, Luiz Antonio de Souza. O franciscano contou com a ajuda do então governador para a construção do mosteiro e lhe dedicou, inclusive, uma poesia. Saldanha não gostava de Souza.
O problema (para Saldanha) era que o frade era bem relacionado com a comunidade. Algumas das freiras que moravam no mosteiro eram filhas da elite local, que ajudou na construção e manutenção da entidade. Logo depois que a sentença se tornou pública, fazendeiros e seus escravos, todos armados, cercaram a casa do governador -que teve de revogar a ordem.

Advogada do santo
Esta e outras histórias estão relatadas na biografia enviada pela irmã Célia Cadorin ao Vaticano. Ela foi "advogada" do santo no processo de canonização e reuniu todos os documentos que encontrou para provar à Santa Sé que o frade, em primeiro lugar, nasceu e morreu (há santos medievais cuja existência nunca foi provada). Depois, que merecia ganhar o título de santo da Igreja Católica Apostólica Romana.
Parte destes documentos estão na USP (Universidade de São Paulo), outra parte se espalha entre o arquivo do Mosteiro da Luz e o da Ordem Franciscana, da qual o frade foi membro.
No livro, que pode ser encontrado no Mosteiro da Luz, irmã Célia conta como frei Galvão assinou um documento com o próprio sangue se consagrando à Virgem Maria, transcreve poesias escritas pelo religioso e conselhos que deixou às freiras.
Estes textos mostram um santo preocupado com detalhes. Num dos trechos, pede que as freiras não falem "alto na cozinha" e que não andassem fazendo "bula pela casa".


Texto Anterior: Elio Gaspari: Lula já lidou com tratantes, mas prevaleceu
Próximo Texto: Debate sobre como abrandar aquecimento global será acirrado
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.