São Paulo, domingo, 08 de maio de 2005

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Candomblé é alvo dos neopentecostais

Folha - Quase no final de "Segredos Guardados", o sr. diz: "Silenciosamente, assistimos hoje a um verdadeiro massacre das religiões afro-brasileiras". Pelo que veio antes, fica claro que esse massacre estaria sendo liderado pelas religiões neopentecostais, e não pelos católicos. O sr. acredita mesmo que as religiões afro-brasileiras correm o risco de extinção? A que o sr. atribui essa demonização dos afro-brasileiros pelos evangélicos?
Reginaldo Prandi -
Todas as religiões estão em disputa de mercado. Hoje o trânsito de uma religião para outra é muito intenso. Adere-se por um certo tempo a uma delas, se não tiver gostado, muda. O lema agora é "Deus é fiel", não é mais o fiel que é fiel.
Soma-se a isso o fato decisivo de que, para os neopentecostais, a fonte de todo mal é o Diabo. Quando alguém age erradamente, é o Diabo o responsável, e não a pessoa. As neopentecostais não são religiões de culpa. O que se tem de fazer nessas religiões, portanto, é evitar a presença do Diabo -e esse Diabo, para os neopentecostais, está presente nas religiões afro-brasileiras. Entidades do candomblé e da umbanda são vistas como manifestações demoníacas. É preciso enfrentá-las.

Folha - As religiões neopentecostais e as afro-brasileiras têm uma base social muito parecida?
Prandi
- Sim. A população de classe média que segue o candomblé e a umbanda não chega a ser atingida pela disputa inter-religiosa. Os mais pobres, sim. Os que permanecem com mais facilidade na religião afro-brasileira são os seguidores de classe média, os brancos, os escolarizados.

Folha - A que o sr. atribui a mudança da base social dessas religiões afro-brasileiras. Em particular o seu embranquecimento?
Prandi
- Nos anos 60, na época da contracultura, houve uma volta, uma busca das raízes, das tradições. Enquanto a juventude americana e a inglesa se voltavam para os monges do Tibet, os jovens brasileiros iam para a Bahia. Naquela época, o cinema, o teatro, a literatura e a música estavam repletos de orixás, mães-de-santo. Isso contribuiu para melhorar a imagem que se fazia das religiões afro-brasileiras na classe média, branca, católica. Hoje o candomblé é a religião com a maior média de escolaridade de todas as religiões. Por que? Por causa dessa classe média que veio da contracultura.

Folha - Os seguidores do espiritismo são mais escolarizados. Segundo o Censo de 2000, a média de anos de estudo na religião espírita é 9,6, e nas afro-brasileiras é 7,5.
Prandi -
O kardecismo sempre foi uma religião intelectualizada. A própria idéia de evolução espiritual no kardecismo é um pouco confundida com a evolução intelectual. É muito diferente do candomblé, em que há ainda grande número de pessoas que se declaram católicas -são os mais pobres, mais apegados à tradição. A classe média se declara do candomblé. Por isso, estatisticamente, o elevado nível de escolaridade.

Folha - Nesse aspecto o censo é insuficiente para medir a adesão religiosa?
Prandi
- É. Mas ele é importante porque permite observar bem, por exemplo, o declínio das religiões afro-brasileiras.

Folha - Mas houve paradoxalmente um aumento de seguidores do candomblé, não é?
Prandi
- O candomblé se expandiu um pouco, mas ele é minoritário dentro do conjunto de religiões afro-brasileiras. O aumento de seguidores no candomblé não consegue compensar a perda de adeptos da umbanda. Acreditava-se que a umbanda seria a grande religião afro-brasileira, até mesmo a grande religião brasileira, em razão de ter nascido no Brasil, de ser sincrética como o Brasil. Mas, por alguma razão, a umbanda vem refluindo.

Folha - Esse desenraizamento não tende a transformar as religiões afro-brasileiras em um exotismo, em algo meio folclórico?
Prandi
- Não, a classe média que vai ao candomblé gosta de religião. Nas crenças afro-brasileiras há a possibilidade de acesso aos serviços mágicos sem comprometimento com a religião. É uma relação marcada pelo pagamento do serviço. Cada terreiro tem um número muito maior de clientes que de devotos. Isso faz com que a religião, mesmo sendo pequena, tenha uma capilaridade maior, que se dá através da clientela. Isso é importante porque é desse mercado mágico que vêm os recursos financeiros do terreiro. A clientela dos terreiros sempre existiu, mas se acentuou com a idéia de que a religião presta um serviço.


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