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Candomblé é alvo dos neopentecostais
Folha - Quase no final de "Segredos Guardados", o sr. diz: "Silenciosamente, assistimos hoje a um
verdadeiro massacre das religiões
afro-brasileiras". Pelo que veio antes, fica claro que esse massacre estaria sendo liderado pelas religiões
neopentecostais, e não pelos católicos. O sr. acredita mesmo que as
religiões afro-brasileiras correm o
risco de extinção? A que o sr. atribui essa demonização dos afro-brasileiros pelos evangélicos?
Reginaldo Prandi - Todas as religiões estão em disputa de mercado. Hoje o trânsito de uma religião para outra é muito intenso.
Adere-se por um certo tempo a
uma delas, se não tiver gostado,
muda. O lema agora é "Deus é fiel",
não é mais o fiel que é fiel.
Soma-se a isso o fato decisivo de
que, para os neopentecostais, a
fonte de todo mal é o Diabo.
Quando alguém age erradamente, é o Diabo o responsável, e não a
pessoa. As neopentecostais não
são religiões de culpa. O que se
tem de fazer nessas religiões, portanto, é evitar a presença do Diabo -e esse Diabo, para os neopentecostais, está presente nas religiões afro-brasileiras. Entidades
do candomblé e da umbanda são
vistas como manifestações demoníacas. É preciso enfrentá-las.
Folha - As religiões neopentecostais e as afro-brasileiras têm uma
base social muito parecida?
Prandi - Sim. A população de
classe média que segue o candomblé e a umbanda não chega a
ser atingida pela disputa inter-religiosa. Os mais pobres, sim. Os
que permanecem com mais facilidade na religião afro-brasileira
são os seguidores de classe média,
os brancos, os escolarizados.
Folha - A que o sr. atribui a mudança da base social dessas religiões afro-brasileiras. Em particular o seu embranquecimento?
Prandi - Nos anos 60, na época
da contracultura, houve uma volta, uma busca das raízes, das tradições. Enquanto a juventude
americana e a inglesa se voltavam
para os monges do Tibet, os jovens brasileiros iam para a Bahia.
Naquela época, o cinema, o teatro, a literatura e a música estavam repletos de orixás, mães-de-santo. Isso contribuiu para melhorar a imagem que se fazia das
religiões afro-brasileiras na classe
média, branca, católica. Hoje o
candomblé é a religião com a
maior média de escolaridade de
todas as religiões. Por que? Por
causa dessa classe média que veio
da contracultura.
Folha - Os seguidores do espiritismo são mais escolarizados. Segundo o Censo de 2000, a média de
anos de estudo na religião espírita
é 9,6, e nas afro-brasileiras é 7,5.
Prandi - O kardecismo sempre
foi uma religião intelectualizada.
A própria idéia de evolução espiritual no kardecismo é um pouco
confundida com a evolução intelectual. É muito diferente do candomblé, em que há ainda grande
número de pessoas que se declaram católicas -são os mais pobres, mais apegados à tradição. A
classe média se declara do candomblé. Por isso, estatisticamente, o elevado nível de escolaridade.
Folha - Nesse aspecto o censo é
insuficiente para medir a adesão
religiosa?
Prandi - É. Mas ele é importante
porque permite observar bem,
por exemplo, o declínio das religiões afro-brasileiras.
Folha - Mas houve paradoxalmente um aumento de seguidores
do candomblé, não é?
Prandi - O candomblé se expandiu um pouco, mas ele é minoritário dentro do conjunto de religiões afro-brasileiras. O aumento
de seguidores no candomblé não
consegue compensar a perda de
adeptos da umbanda. Acreditava-se que a umbanda seria a grande
religião afro-brasileira, até mesmo a grande religião brasileira,
em razão de ter nascido no Brasil,
de ser sincrética como o Brasil.
Mas, por alguma razão, a umbanda vem refluindo.
Folha - Esse desenraizamento
não tende a transformar as religiões afro-brasileiras em um exotismo, em algo meio folclórico?
Prandi - Não, a classe média que
vai ao candomblé gosta de religião. Nas crenças afro-brasileiras
há a possibilidade de acesso aos
serviços mágicos sem comprometimento com a religião. É uma
relação marcada pelo pagamento
do serviço. Cada terreiro tem um
número muito maior de clientes
que de devotos. Isso faz com que a
religião, mesmo sendo pequena,
tenha uma capilaridade maior,
que se dá através da clientela. Isso
é importante porque é desse mercado mágico que vêm os recursos
financeiros do terreiro. A clientela
dos terreiros sempre existiu, mas
se acentuou com a idéia de que a
religião presta um serviço.
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