São Paulo, segunda-feira, 08 de maio de 2006

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ENTREVISTA DA 2ª/BROOKE SHIELDS

Atriz, que demorou para diagnosticar a doença, diz que se sentia envergonhada por não conseguir dar afeto à filha

"Achava que depressão pós-parto não afetava pessoas como eu"

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Mãe pela segunda vez há 18 dias, a atriz Brooke Shields, 40, autora de "Depois do Parto, a Dor" (editora Prestígio), livro em que relata a depressão pós-parto sofrida há três anos, afirma que foi reprovada e chegou a ser tratada com desdém por mulheres conhecidas que não acreditavam como ela, bonita, rica e famosa, pudesse ter sentimentos tão negativos em relação à maternidade.
Estrela de "A Lagoa Azul" (1980), Brooke conta que, no início, não aceitou o diagnóstico de depressão pós-parto, embora tivesse consciência de que não estava no seu estado normal. Ela não se sentia vinculada afetivamente à filha e teve idéias suicidas.
A atriz iniciou o tratamento com antidepressivos três semanas após o parto, mas, logo depois, interrompeu a terapia sem avisar o médico. Depois de uma recaída, retomou o uso dos antidepressivos associado à terapia.
"Eu associava a depressão somente àquelas pessoas que machucavam os filhos. Não tinha a mínima intenção de jamais machucar minha filha, apesar de também não ter nenhuma intenção de me afeiçoar a ela."
Casada com o roteirista e produtor Christopher Henchy, 42, Brooke lutou durante dois anos contra a infertilidade e só engravidou de Rowan após várias inseminações e duas fertilizações in vitro. Em 2005, ela engravidou naturalmente de Grier, nascida no último dia 19. A seguir trechos da entrevista concedida por e-mail à Folha.

Folha - Por que você resolveu contar ao mundo sua depressão?
Brooke Shields -
Há um verdadeiro estigma cercando a depressão pós-parto e, deixada sem diagnóstico, ela pode ser crônica e devastadora. A mãe pode ficar atormentada pela culpa e devastada pela desesperança, e o resto da família também é afetado.
Quando percebi que tudo o que sentia era real e quanto eu mesma desconhecia sobre o assunto, pensei em escrever. Mesmo em meus sonhos mais loucos, nunca achei que poderia cair tanto. Cheguei a conversar [sobre a depressão] com pessoas que eu conhecia melhor. Algumas mulheres me olharam com uma expressão de desdém; outras tentaram não levar a sério ou mudaram de assunto. Muitas disseram: "Ah, é só uma fase pela qual você passa. É apenas a tristeza materna!".
Eu ficava envergonhada por não sentir uma ligação com minha filha, mas achei que, se pudesse ir além da vergonha e ser franca quanto a isso, poderia encontrar consolo.

Folha - Não teve receio de ser julgada, considerando que, em geral, as pessoas esperam da mãe uma felicidade plena?
Brooke -
Não percebi que seria julgada tão abertamente. Pensei que, se conversasse a respeito, não me sentiria tão sozinha. Eu queria encontrar uma comunidade de pessoas que também tivessem passado por isso. Na verdade, o contrário ocorria. As pessoas, acostumadas com minha fortaleza, mas sabendo da luta que foi para engravidar, minimizavam meus sentimentos. Isso era uma forma de desaprovação e me fazia sentir ainda pior e sem saída.

Folha - Antes da sua experiência, você sabia o que era depressão pós-parto?
Brooke -
Eu nunca soube o que era depressão. E levei muito tempo para entender que minha tristeza, minha falta de vontade era depressão. Sou uma pessoa forte, que sempre teve de ter o controle das coisas. Estou acostumada com isso e as pessoas em minha volta até esperam por isso, então fui pega de surpresa.
Não imaginava que o ajuste à maternidade pudesse ser tão complicado. Tanto que nem contratei uma babá. Não queria alguém estranho em minha casa. Nossa luta por um filho fora tão longa que queríamos curtir isso sozinhos. Eu e meu marido pensamos em cuidar de tudo, mesmo com o trabalho dele, mas ambos ficamos realmente surpresos com os rumos que as coisas tomaram.

Folha - Quando foi que percebeu que havia um sentimento diferente entre você e sua filha?
Brooke -
No primeiro dia em nosso apartamento, ao voltar para casa depois de cinco dias no hospital, deixei Rowan no moisés e tanto eu quanto Chris acreditávamos que ela iria dormir por um tempo. Rowan começou a chorar. A fralda dela precisava ser trocada. Eu ainda tinha uma grave síndrome de túnel do carpo, e minhas mãos estavam entorpecidas. Chris teve que me socorrer, e me arrastei de volta para a cama, frustrada e com dor. Enquanto Chris lutava contra a fralda, ela berrava. Fiquei na cama, olhando a parede vazia à minha frente. No começo, achei que o que sentia era apenas exaustão, mas, com ela, veio um sentimento de pânico esmagador que eu jamais sentira. Comecei a me sentir enjoada. Fui tomada por um sentimento de desolação. Mal conseguia me mexer. Não me sentia só emotiva ou chorosa, como disseram que talvez me sentisse. Era algo bastante diferente.

Folha - Como foi o sentimento de amamentar ao mesmo tempo em que estava deprimida?
Brooke -
A rotina de amamentar e chorar era interminável, e parecia não haver alívio à vista. Cinco dias após o nascimento, nós levamos Rowan ao médico e fui eu quem ocupou mais tempo da consulta. Ele percebeu que eu poderia estar num quadro de depressão pós-parto.

Folha - Como você reagiu ao diagnóstico de depressão?
Brooke -
Eu fiquei confusa. Pensava só que poderia não estar sendo uma boa mãe, e isso me trazia uma dor muito maior. E não conseguia enxergar que uma doença poderia estar provocando tudo aquilo. E eu fiquei confusa. Para mim, depressão pós-parto era aflição de gente louca. Eu a associava somente àquelas pessoas que machucavam os filhos. Eu, com certeza, não fazia parte dessa categoria. Não tinha a mínima intenção de jamais machucar minha filha, apesar de também não ter nenhuma intenção de me afeiçoar a ela. Depressão pós-parto era claramente uma coisa que não afetava pessoas como eu. Atacava apenas aquelas pessoas sobre as quais líamos nos jornais.

Folha - Por que você acha que foi tão difícil admitir a depressão?
Brooke -
A alta expectativa que eu tenho sobre mim mesma me impediu de enxergar a doença. Eu trabalho com auto-estima o tempo inteiro. Tenho muitas facilidades em muitos campos pela profissão e carreira que construí, e não achava que poderia ser frágil para enfrentar uma maternidade. Eu não conseguia pensar que poderia ser tão frágil.

Folha - Você acha que a depressão perturbou seu relacionamento com sua filha?
Brooke -
Não. É reconfortante saber que as pessoas que vivenciaram a depressão pós-parto, e tinham buscado ajuda, não apenas superaram essa dor como também o fizeram com relacionamentos saudáveis e com laços com os filhos. Um enorme peso foi tirado de cima de mim com essa revelação.

Folha - O casamento foi abalado?
Brooke -
Eu sempre estive certa de que meu casamento não ia sofrer, mas sabia que ia ter de prestar bastante atenção a quaisquer dores que causara a Chris e tentar atenuá-las.
O Chris passou maus momentos, pois teve de segurar a barra de duas pessoas, cuidar de Rowan e de mim. Certa vez, ele foi até uma loja comprar um trocador. Voltou antes do esperado e sem o trocador. Entrou no quarto e sentou-se na cama em silêncio. Olhou para mim, com os olhos cheios de lágrimas, e desmoronou. Ele começou a dizer: "Havia mulheres na loja que estavam contentes, Brooke! Elas sorriam e estavam felizes com seus bebês! O que há de errado com você? Por que você não está contente? Você não olha para Rowan nem canta para ela, nem fala com ela. Por quê? O que está acontecendo?". Eu mal conseguia respirar. Sentia como se tivessem me dado um soco no estômago.
Quando descobrimos que se tratava de uma doença, ele ficou mais tranqüilo, pois era algo concreto que se precisava tratar. No centro do furacão a gente pode pensar tudo, até que não é uma boa mãe ou esposa. Quando se descobre que o motivo é externo, fica mais fácil.

Folha - Na sua opinião, os médicos estão informados o suficiente sobre depressão pós-parto?
Brooke -
Creio que ainda há pouca informação sobre o assunto. Tive contato com muitas mulheres com o mesmo problema e em muitos casos o médico também demorou para identificar a depressão. Uma parte da responsabilidade é a falta de informação, pois a paciente não sabe que é tão comum e, assim como eu, demora a procurar ajuda, rejeitando a idéia de estar doente num momento em que deveria estar feliz. Isso é agravado ainda mais pelo fato de ser ela, geralmente, quem tem de tomar a iniciativa de buscar ajuda médica num momento em que tudo o que busca é ficar reclusa.

Folha - O parto e pós-parto da segunda filha foram mais tranqüilos? Você teve medo de voltar a viver a depressão?
Brooke -
Sim, estão sendo mais tranqüilos. Não tive medo de viver a depressão e nunca tive medo dela. Meu medo era por não saber que se tratava de uma doença e me culpava por me sentir uma mãe ruim. Hoje sei que cuidados tomar.

Folha - Qual o conselho que você daria às mães?
Brooke -
Eu diria para os maridos também. Prestem bem atenção e não minimizem os problemas. Um caso simples pode provocar uma tragédia. É normal uma mãe ficar num estado de torpor emocional nos primeiros dias, mas não é normal ter sentimentos ruins, sentir ciúmes da criança, chorar demais. Em qualquer sinal que você perceba uma grande mudança de atitude em relação a si, como insegurança profunda, vá a um médico. Ouvi gente que disse ser possível tratar de depressão com religião. Respeito as opiniões, mas isso é um problema clínico, não espiritual.

Folha - Por que a mulher tem dificuldade de reconhecer as emoções ruins em relação à maternidade?
Brooke -
Nós, mulheres, pensamos na maternidade como uma coisa sacralizada, incapaz de produzir sentimentos ruins, doenças. É uma barreira cultural difícil de transpor.


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