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São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003

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NO PLANALTO

O cavalo-de-pau ético do governo petista

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Frase lida na traseira de um caminhão no Eixo Monumental, via central de Brasília: "O PT é o socialismo que caiu na vida". Curioso não é o fato de o partido de Lula ter virado piada. Brasileiro é assim mesmo. Faz troça até da própria desventura. O que espanta é a naturalidade com que o Planalto fornece a matéria-prima.
No íntimo, o pára-choque do caminhão brasiliense ri do excesso de liberalismo de Lula. Liberou o primeiro e o segundo escalões da administração pública ao PTB, PL, PMDB e afins. Agora, sob emanações da impudência dos neo-aliados, libera um sopão para sonegadores. Foi servido no meio de uma lei sancionada pelo presidente há oito dias.
A nova lei (número 10.684) é impertinente no conteúdo e inútil na forma. Impertinente porque, ao facultar novo parcelamento de dívidas de sonegadores em até 15 anos, ofende aos que suam para pagar os impostos em dia. Inútil porque quem devia ao Fisco e quis redimir-se da falta já havia aderido ao Refis, mamata inaugurada em 99, sob FHC.
A sopa de Lula traz no seu artigo nono uma pitada de mel. O texto acena com a suspensão da "pretensão punitiva do Estado" em relação aos sonegadores que aderirem ao parcelamento. Em português claro, quer dizer o seguinte: foi ao lixo a legislação dos crimes contra a ordem tributária.
Qualquer pseudo-empresário, ainda que seja réu em inquérito por fraudes fiscais, limpa o prontuário abrindo um crediário na Receita. Estando em cana -coisa rara, mas existente- o sonegador ganha a rua se o juiz levar ao pé da letra a disposição do Estado de pendurar a "pretensão punitiva".
Embora generoso, o Refis de FHC não chegara a tanto. Admitiu a remissão de sonegadores. Mas só nos casos em que o arrependimento chegou na frente da denúncia. Confessando o pecado antes de ser pilhado em flagrante, o penitente tirou proveito de um princípio que os técnicos chamam de "benefício da espontaneidade". Deu-se de barato que sonegara sem intenção de dolo.
Em 99, serviram-se das facilidades do Refis de FHC 128 mil sonegadores. Um ano depois, 40 mil já haviam sido expulsos do programa. Não haviam recolhido um mísero centavo ao Fisco. Em 2001, a faca da Receita contabilizava outros 50 mil escalpos. Gente que, tendo atrasado parcelas da dívida velha, tampouco pagou os débitos correntes.
Os sonegadores levados à faca dividiam-se em duas categorias: as empresas muito mortas e as muito vivas. As muito mortas não pagam imposto porque uma das delícias da morte é a possibilidade de transferir para o credor a dor de cabeça causada pelo acúmulo de dívidas. As muito vivas não pagam porque não vieram ao mundo para isso.
Entre os muito vivos excluídos do Refis estava, por exemplo, o complexo empresarial de José Osmar Borges. Nasceu para beliscar incentivos fiscais da Sudam, não para recolher tributos. Desviou mais de R$ 100 milhões em verbas públicas. Queria da Receita apenas uma certidão negativa. Por isso simulou interesse pelo parcelamento.
Os 38 mil sobreviventes do Refis acumulam hoje uma dívida de R$ 124,9 bilhões. É mais da metade de toda a arrecadação tributária estimada pela Receita para 2003 -R$ 247 bilhões.
Espécie de Fome Zero do sonegador, o sopão de Lula é uma lei com dono. Pertence aos muito vivos. Escondem-se atrás de integrantes das legendas que compõem a base congressual do governo. Pessoas que Lula decidiu agradar. Em nome da aprovação das reformas.
Quem desperdiçou parte do domingo lendo esse texto até aqui decerto tem estômago para outra informação indigesta: encontra-se em avançado estágio de negociação no Congresso uma outra mamata. Trata-se do parcelamento de débitos de ruralistas. Mais um.



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