|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VERSÃO OFICIAL
Primeira atitude do presidente foi "não mentir'; discurso oficial é incongruente
Defesa deixa Lula vulnerável
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Ao ler, na madrugada de segunda-feira, a entrevista que Roberto Jefferson (PTB-RJ) concedera na véspera à Folha, o presidente Lula tomou uma decisão.
Comunicou-a, por telefone, a
um auxiliar: "Não vou mentir".
Ao longo do dia, depois de trocar impressões com as pessoas
que lhe são mais próximas no
governo e no PT, o presidente
atenuaria o ímpeto matinal. À
tarde, embora continuasse decidido a "não mentir", parecia
convencido de que também não
precisasse contar toda a verdade.
De fato, o ponto de partida da
reação do Planalto ao escândalo
do "mensalão" é o reconhecimento de uma verdade. A versão
oficial está, porém, rodeada de
meias-verdades que, por incongruentes, deixam vulneráveis o
governo e o próprio presidente.
Lula autorizou Aldo Rebelo
(Coordenação Política) a dizer
aos jornalistas que Jefferson o
avisara sobre o "mensalão".
Deu-se, disse Rebelo, em 23 de
março de 2005, e não em janeiro,
como Jefferson contara à Folha.
Eis o primeiro contra-senso: a
julgar pelo relato de Rebelo, Lula
ouviu a acusação calado. Jefferson lhe disse que o governo estava comprando deputados e Lula
não esboçou reação alguma. As
suspeitas ficaram boiando na atmosfera do gabinete de Lula.
Um detalhe torna a cena mais
implausível: além de Lula e Jefferson, estavam na sala o próprio
Rebelo, Walfrido Mares Guia
(Turismo) e os deputados José
Múcio Monteiro (PTB-PE) e Arlindo Chinaglia (PT-SP). "Não
foi feito comentário por nenhum
dos presentes", jura Rebelo.
Perillo
Reza a explicação oficial que
Lula, até então, desconhecia o
"mensalão". Porém dez meses e
18 dias antes de ter calado diante
de Jefferson, Lula ouvira do governador de Goiás, Marconi Perillo, um relato sobre a mesada.
Aconteceu em 5 de maio de 2004.
Lula e Perillo encontraram-se
no município goiano de Rio Verde. O diálogo que tiveram sobrevive na memória do governador.
"Contei ao presidente sobre a
mesada", diz Perillo. "Foi oferecida a deputados do meu partido
(PSDB), desde que se mudassem
para legendas governistas."
O que disse Lula? "Ele disse que
isso era coisa do Sérgio Motta
(ministro das Comunicações de
FHC, morto em 1998). Eu respondi que estava acontecendo
no governo dele".
De volta à versão oficial: ignorando a conversa com Perillo,
Rebelo diz que, terminada a reunião com Jefferson, no fatídico
dia 23 de março de 2005, o presidente o chamou a seu gabinete.
Convocou também Arlindo Chinaglia. Pediu a ambos que buscassem informações a respeito
da mesada mencionada minutos
antes por Jefferson. Rebelo e
Chinaglia foram a campo. De
volta, tranqüilizaram o chefe.
Boato
O "boato" do mensalão nascera de uma reportagem publicada
pelo "Jornal do Brasil" em 24 de
setembro de 2004. A Procuradoria da Câmara abrira um procedimento para apurar a denúncia.
Nada, porém, fora comprovado.
O deputado Miro Teixeira (PT-RJ), ex-ministro de Lula e fonte
do "JB", desautorizara o jornal.
Embora seja amigo de Miro, o
presidente Lula não cogitou chamá-lo para uma conversa nem
mesmo por telefone. Quando
ainda era ministro das Comunicações de Lula -até janeiro de
2004-, Miro recebeu Roberto
Jefferson em seu gabinete.
Ouviu dele, em primeira mão,
um relato sobre a suposta mesada com que Delúbio Soares, tesoureiro do PT, comprava a lealdade de parlamentares do PP e
do PL. Ouviu mais do que isso:
Jefferson relatou-lhe uma cena
de corrupção explícita que testemunhara num ministério.
E Miro Teixeira não se dignou
contar a Lula o que ouvira. Miro
confirma o próprio silêncio, agora tão conveniente ao amigo Lula. Mas o comportamento não
condiz com a sua fama. É visto
pelos petistas como um companheiro fiel.
Texto Anterior: Escândalo do "mensalão": Planalto admite "sinal amarelo" para reeleição Próximo Texto: Escândalo do "mensalão": PT recua e decide apoiar CPI dos Correios Índice
|