São Paulo, quarta-feira, 08 de junho de 2005

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VERSÃO OFICIAL

Primeira atitude do presidente foi "não mentir'; discurso oficial é incongruente

Defesa deixa Lula vulnerável

JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA

Ao ler, na madrugada de segunda-feira, a entrevista que Roberto Jefferson (PTB-RJ) concedera na véspera à Folha, o presidente Lula tomou uma decisão. Comunicou-a, por telefone, a um auxiliar: "Não vou mentir".
Ao longo do dia, depois de trocar impressões com as pessoas que lhe são mais próximas no governo e no PT, o presidente atenuaria o ímpeto matinal. À tarde, embora continuasse decidido a "não mentir", parecia convencido de que também não precisasse contar toda a verdade.
De fato, o ponto de partida da reação do Planalto ao escândalo do "mensalão" é o reconhecimento de uma verdade. A versão oficial está, porém, rodeada de meias-verdades que, por incongruentes, deixam vulneráveis o governo e o próprio presidente.
Lula autorizou Aldo Rebelo (Coordenação Política) a dizer aos jornalistas que Jefferson o avisara sobre o "mensalão". Deu-se, disse Rebelo, em 23 de março de 2005, e não em janeiro, como Jefferson contara à Folha.
Eis o primeiro contra-senso: a julgar pelo relato de Rebelo, Lula ouviu a acusação calado. Jefferson lhe disse que o governo estava comprando deputados e Lula não esboçou reação alguma. As suspeitas ficaram boiando na atmosfera do gabinete de Lula.
Um detalhe torna a cena mais implausível: além de Lula e Jefferson, estavam na sala o próprio Rebelo, Walfrido Mares Guia (Turismo) e os deputados José Múcio Monteiro (PTB-PE) e Arlindo Chinaglia (PT-SP). "Não foi feito comentário por nenhum dos presentes", jura Rebelo.

Perillo
Reza a explicação oficial que Lula, até então, desconhecia o "mensalão". Porém dez meses e 18 dias antes de ter calado diante de Jefferson, Lula ouvira do governador de Goiás, Marconi Perillo, um relato sobre a mesada. Aconteceu em 5 de maio de 2004.
Lula e Perillo encontraram-se no município goiano de Rio Verde. O diálogo que tiveram sobrevive na memória do governador. "Contei ao presidente sobre a mesada", diz Perillo. "Foi oferecida a deputados do meu partido (PSDB), desde que se mudassem para legendas governistas."
O que disse Lula? "Ele disse que isso era coisa do Sérgio Motta (ministro das Comunicações de FHC, morto em 1998). Eu respondi que estava acontecendo no governo dele".
De volta à versão oficial: ignorando a conversa com Perillo, Rebelo diz que, terminada a reunião com Jefferson, no fatídico dia 23 de março de 2005, o presidente o chamou a seu gabinete. Convocou também Arlindo Chinaglia. Pediu a ambos que buscassem informações a respeito da mesada mencionada minutos antes por Jefferson. Rebelo e Chinaglia foram a campo. De volta, tranqüilizaram o chefe.

Boato
O "boato" do mensalão nascera de uma reportagem publicada pelo "Jornal do Brasil" em 24 de setembro de 2004. A Procuradoria da Câmara abrira um procedimento para apurar a denúncia. Nada, porém, fora comprovado. O deputado Miro Teixeira (PT-RJ), ex-ministro de Lula e fonte do "JB", desautorizara o jornal.
Embora seja amigo de Miro, o presidente Lula não cogitou chamá-lo para uma conversa nem mesmo por telefone. Quando ainda era ministro das Comunicações de Lula -até janeiro de 2004-, Miro recebeu Roberto Jefferson em seu gabinete.
Ouviu dele, em primeira mão, um relato sobre a suposta mesada com que Delúbio Soares, tesoureiro do PT, comprava a lealdade de parlamentares do PP e do PL. Ouviu mais do que isso: Jefferson relatou-lhe uma cena de corrupção explícita que testemunhara num ministério.
E Miro Teixeira não se dignou contar a Lula o que ouvira. Miro confirma o próprio silêncio, agora tão conveniente ao amigo Lula. Mas o comportamento não condiz com a sua fama. É visto pelos petistas como um companheiro fiel.


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