São Paulo, quarta-feira, 08 de junho de 2005

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ELIO GASPARI

De: Celsodaniel@pt.org
Para: Lula@mundo.gov
CC: José Dirceu, Delúbio Soares e Silvio Pereira

Companheiros,
Estou quieto. Não chateio pedindo que investiguem o que já sabem. Desde minha captura e assassinato, em 2002, tenho procurado ajudar, mas por aqui onde estou a torcida emagreceu. O Chico Mendes foi-se embora quando ouviu o que Lula disse sobre a floresta. D. Helder aborreceu-se com aquele negócio de ter candidato a papa.
Quem quer se juntar a nós é o Roberto Campos. O Bob Fields, como o chamávamos, diz que o Palocci se parece mais com ele do que com o Celso Furtado. O Celso concorda, mas pede para ficar de fora dessa controvérsia.
Desde que apareceu a história do "mensalão", o PC Farias anda me cumprimentando com um sorriso esquisito. Não gosto desse sujeito, mas, como ele mesmo diz, tivemos caminhos diferentes, mas acabamos de maneira parecida.
Vocês sabem que haverá o pós-"mensalão". Mandem comprar o livro "Maquiavelo no Conoció a los Argentinos" (Maquiavel não conheceu os argentinos). Custa 19 pesos em qualquer livraria de Buenos Aires.
Outro dia o Carlos Gardel lia alguns trechos e cantava "a vergonha de ter sido e a dor de já não ser". Acho que esse tango tem muito a ver com as coisas do mundo de vocês.
O autor do "Maquiavelo" chama-se Enrique N'Haux. Ele pertenceu à ekipekonômica do ministro Domingo Cavallo, o queridinho da banca, mago do governo do presidente Carlos Menem, pai da paridade cambial, mãe da ruína nacional argentina. N'Haux era assessor da diretoria do Banco Nación.
Ele conta que na primeira semana de cada mês um cidadão atravessava a plaza de Mayo com uma mochila. Era o trem pagador e carregava centenas de milhares de pesos para distribuir no governo e na burocracia. Os envelopes (com dinheiro vivo, como o do Delúbio ao comprar uma fazendinha em Goiás) eram chamados de "sobresueldo".
O expediente foi revelado em fevereiro passado pela ex-ministra María Julia Alsogaray. Cada ministério tinha a sua lista de hierarcas beneficiados pela mesada. Esse "gibi" (para usar uma expressão da malandragem) é um braço executivo, como o "mensalão" é uma carteira legislativa.
Havia ministros recebendo US$ 100 mil mensais, e santos menores com US$ 30 mil. N'Haux fala com autoridade: ele embolsou alguns envelopes.
A idéia da suplementação salarial é velha e universal: o sujeito vai para a capital ganhando US$ 2.000 (R$ 5.000, para facilitar). Tem de sustentar duas moradias. Fica no prejuízo. Para evitar que esse compañero desista, anaboliza-se sua renda com um dinheirinho por fora. Noutro exemplo, custeia-se a qualidade de vida dos poderosos dirigentes partidários.
Eu acho que vocês precisam ler esse livro, muito mais para conhecer o desfecho do caso das mochilas argentinas do que para saber como funcionam as malfeitorias.
Um personagem do "Maquiavel" ensina que "não existem governos de anjos". Se não me engano, alguém disse coisa parecida por aí. Trata-se de uma banalidade. Todo mundo sabe disso. O problema de um governo não é a falta de anjos. É o excesso de diabos. O "Maquiavelo" mostra que os demônios do "Gibi" estão soltos, sempre prontos para escrever o próximo capítulo.
Saudações petistas
Celso Daniel

P.S.: Passou por aqui o doutor Octavio Gouvea de Bulhões, aquele que foi ministro da Fazenda da ditadura, entre 1964 e 1967. Eu o detestava, mas afeiçoei-me à sua figura serena, despojada. Doutor Bulhões pediu-me para deixar expresso que jamais houve qualquer semelhança entre os hábitos patrimoniais da ekipekonômkica de Cavallo na Argentina e a de Pedro Malan no Brasil.


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