São Paulo, domingo, 08 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

O método do espantalho

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

OS MILITARES e sua doutrina da segurança nacional, afinal, venceram. A recém-reconquistada popularidade do espantalho da "internacionalização da Amazônia" dá o melhor testemunho dessa vitória atrasada. Em pleno século 21, debate-se até impedir estrangeiros de adquirir propriedades no Brasil.
Antes se caçavam, debaixo de cada cama, vermelhos e padres a serviço do Kremlin ou de Castro. Agora, atrás de cada árvore, verdes e padres a soldo da Casa Branca ou do príncipe Charles.
Trata-se da conspiração mais eficiente da história, pois dela não existem evidências concretas. A lenda sobrevive lastreada em velhos fatos, como o furto das sementes de seringueira pelo inglês Henry Wickham há mais de 130 anos, e fraudes novas, como o fictício mapa de livro didático norte-americano.
Os falcões de George W. Bush inventaram armas de destruição em massa para subjugar o Iraque. Nossos arapongas criam ficção em massa para arranhar movimentos sociais, povos indígenas e ONGs ambientais. Produzem mais ridículo do que informação.
Recomenda-se reler as reportagens de Josias de Souza, em 2001, sobre as operações Poseidon e Pescado, de serviços de "inteligência" do Exército, em Marabá (PA). Diante do fracasso da política de ocupação da Amazônia durante a ditadura militar (1964-1985), seus órfãos fazem o que podem para fustigar quem se insurge contra a grileirocracia que instalaram na periferia do poder regional.
Estava certo o senador amazonense Jefferson Péres quando disse, num de seus últimos discursos da tribuna, que temia não tanto a cobiça internacional sobre a Amazônia, mas a cobiça nacional, de madeireiros e pecuaristas. A xenofobia da internacionalização da Amazônia, de fato, só prejudica o país.
Em primeiro lugar, atrapalha a colaboração científica internacional. Por exemplo, o projeto LBA (Experimento de Grande Escala Biosfera-Atmosfera da Amazônia), que penou para conseguir usar aviões da Nasa.
Ainda hoje, criminaliza a coleta de material biológico até por cientistas brasileiros. Durante anos, impediu que se formulasse uma proposta nacional para remunerar o serviço ambiental prestado ao planeta.
Seria ingênuo negar que, com a crescente explicitação dos limites físicos para explorar o capital natural (como no caso do aquecimento global), se avoluma o valor estratégico da floresta. Além dos ativos minerais, água e biodiversidade, a Amazônia estoca muito carbono -a anti-riqueza do futuro, que cria valor de troca quando se congela o valor de uso.
Sim, a Amazônia é nossa. Mas seria sandice reivindicá-la só para destruí-la. Há método, contudo, nessa loucura.


Texto Anterior: Terrenos da Amazônia são negociados por corretores em páginas da internet
Próximo Texto: Janio de Freitas: Muito acima das leis
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.