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ARTIGO
O método do espantalho
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
OS MILITARES e sua
doutrina da segurança
nacional, afinal, venceram. A recém-reconquistada
popularidade do espantalho da
"internacionalização da Amazônia" dá o melhor testemunho
dessa vitória atrasada. Em pleno século 21, debate-se até impedir estrangeiros de adquirir
propriedades no Brasil.
Antes se caçavam, debaixo de
cada cama, vermelhos e padres
a serviço do Kremlin ou de Castro. Agora, atrás de cada árvore,
verdes e padres a soldo da Casa
Branca ou do príncipe Charles.
Trata-se da conspiração mais
eficiente da história, pois dela
não existem evidências concretas. A lenda sobrevive lastreada
em velhos fatos, como o furto
das sementes de seringueira
pelo inglês Henry Wickham há
mais de 130 anos, e fraudes novas, como o fictício mapa de livro didático norte-americano.
Os falcões de George W. Bush
inventaram armas de destruição em massa para subjugar o
Iraque. Nossos arapongas
criam ficção em massa para arranhar movimentos sociais,
povos indígenas e ONGs ambientais. Produzem mais ridículo do que informação.
Recomenda-se reler as reportagens de Josias de Souza,
em 2001, sobre as operações
Poseidon e Pescado, de serviços
de "inteligência" do Exército,
em Marabá (PA). Diante do fracasso da política de ocupação
da Amazônia durante a ditadura militar (1964-1985), seus órfãos fazem o que podem para
fustigar quem se insurge contra
a grileirocracia que instalaram
na periferia do poder regional.
Estava certo o senador amazonense Jefferson Péres quando disse, num de seus últimos
discursos da tribuna, que temia
não tanto a cobiça internacional sobre a Amazônia, mas a cobiça nacional, de madeireiros e
pecuaristas. A xenofobia da internacionalização da Amazônia, de fato, só prejudica o país.
Em primeiro lugar, atrapalha
a colaboração científica internacional. Por exemplo, o projeto LBA (Experimento de Grande Escala Biosfera-Atmosfera
da Amazônia), que penou para
conseguir usar aviões da Nasa.
Ainda hoje, criminaliza a coleta de material biológico até
por cientistas brasileiros. Durante anos, impediu que se formulasse uma proposta nacional para remunerar o serviço ambiental prestado ao planeta.
Seria ingênuo negar que, com
a crescente explicitação dos limites físicos para explorar o capital natural (como no caso do
aquecimento global), se avoluma o valor estratégico da floresta. Além dos ativos minerais, água e biodiversidade, a Amazônia estoca muito carbono -a anti-riqueza do futuro,
que cria valor de troca quando
se congela o valor de uso.
Sim, a Amazônia é nossa.
Mas seria sandice reivindicá-la
só para destruí-la. Há método,
contudo, nessa loucura.
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