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O ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ RUMO A 2006
Idéia, que é discutida por Palocci e Thomaz Bastos, inclui pacto de cassações para que Lula chegue ileso ao fim do mandato
Governo e PSDB negociam fim da reeleição
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Diante do agravamento da crise
política e do cenário de incertezas,
setores da oposição e do governo
conversam sobre a possibilidade
de acelerar a tramitação de emendas constitucionais acabando
com a reeleição em todos os níveis
-para presidente, governadores
e prefeitos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria, assim, fora da disputa em 2006.
Em troca, setores do PSDB e do
PFL buscariam assegurar a discussão em torno de projetos com
o carimbo de "interesse nacional"
e a conclusão do mandato de Lula
em caso de agravamento ainda
maior da crise, cenário que o próprio governo não descarta. O
grande temor do empresariado e
dos caciques oposicionistas é a ascensão do vice José Alencar.
A oposição se dispõe até a discutir uma lista de parlamentares
que possam ser cassados num
grande acordo político com o governo. E pede uma cabeça importante, a do ex-ministro da Casa
Civil José Dirceu, petista que reassumiu o mandato de deputado federal por São Paulo.
Obstáculos: Lula reage mal à
idéia, e Dirceu dá sinais de que lutará até o fim pelo mandato.
Nesse contexto, há dificuldade
para prosperar um acerto tão ambicioso, mas, no mínimo, foi
aberto um canal de conversações
para a hipótese de a crise chegar a
um patamar de gravidade que leve Lula e o PT a tratar objetivamente da idéia oposicionista.
As iniciativas mais concretas
para acabar com a reeleição partiram do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, criador da
idéia em 1997, e dos senadores
Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Do lado do governo e do PT, participaram de algumas conversas o
ministro Márcio Thomaz Bastos
(Justiça) e o deputado Sigmaringa
Seixas (PT-DF), um ex-tucano.
A intenção é manter as investigações de corrupção, mas distender o ambiente político e garantir
condições de governabilidade a
Lula durante o ano e meio que
resta a seu mandato.
Importantes governistas simpatizam com a idéia, mas o Lula reage com irritação. Considera que o
fim da reeleição seria um atestado
de óbito de seu governo.
Apesar das crescentes denúncias de um esquema liderado pelo
PT para usar verbas públicas para
pagar o suposto "mensalão" para
deputados, setores do PSDB e do
PFL concordam nos bastidores
com a necessidade de um "cordão
de isolamento" para que elas não
atinjam a figura do presidente.
Ao ser lançado publicamente
por FHC, o fim da reeleição não se
resumia a uma visão pessoal, a
um impulso ou a uma provocação
oposicionista, como se pensou.
Ao contrário, ela vem sendo abordada, por exemplo, com Thomaz
Bastos, que já se encontrou com
FHC (PSDB), jantou com ACM e
almoçou com Dirceu.
Numa outra ponta, o ministro
Antonio Palocci Filho (Fazenda)
capitaliza politicamente a estabilidade da economia e tenta discutir
uma agenda comum com empresários e parlamentares do governo e da oposição. Na terça-feira, já
se reuniu longamente com eles
em torno da proposta do "déficit
zero" feita pelo deputado e ex-ministro Delfim Netto (PP-SP).
O risco Alencar
Há uma consciência generalizada do tamanho da crise, agravada
pela linha sucessória de Lula. Há
um temor claro no empresariado
e na classe política de que o vice-presidente Alencar, do PL, possa
assumir e pôr em risco a única
área que se mantém estável em
meio à turbulência: a economia.
Alencar, empresário bem-sucedido e neófito em política, é considerado voluntarista e tem uma espécie de bandeira única contra os
juros. Teme-se que possa tentar
ajustes com canetadas. E o segundo na sucessão é o presidente da
Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), hipótese nem considerada.
Nem na oposição e muito menos no governo se vislumbra no
horizonte a queda de Lula, mas
todos esses dados da realidade e a
constitucionalidade estão sendo
olhados atentamente por todos os
lados que têm capacidade de decisão e responsabilidade política.
"Guizo no gato"
O fim da reeleição tiraria o componente eleitoral da crise, já que a
sucessão está marcada para outubro do próximo ano. Um problema ainda não acertado, porém, é
quem "poria o guizo no gato". Ou
seja: quem teria proximidade e ascendência suficiente sobre Lula
para lhe falar das conversas. Para
a oposição, o homem talhado para isso é Thomaz Bastos.
Conforme a Folha apurou, o
presidente está deprimido e irritado, tem noção de que a situação é
grave, mas ressalta os acertos na
economia e tenta uma reforma
ministerial para agregar votos no
Congresso, convencido de que a
onda de denúncias vai durar no
máximo até o próximo recesso do
Congresso, em quatro meses .
Quanto à outra contrapartida: o
próprio José Dirceu sabe que está
entregue à própria sorte. De volta
à Câmara, ele é um dos alvos da
CPI dos Correios e da CPI dos
Bingos, que já decidiu ouvir seu
ex-braço direito na Casa Civil,
Waldomiro Diniz. Estão previstas
de 10 a 15 cassações.
O governo não quer "entregar a
cabeça de Dirceu na bandeja",
mas sabe que, se os acontecimentos e as denúncias se precipitarem, ele poderá ficar cada vez
mais vulnerável. Seria o último
biombo entre os escândalos e o
próprio presidente.
Em diferentes conversas, Dirceu disse que está preparado para
"o que der e vier". Lembrou sua
vida de líder estudantil, de asilado
político, de clandestino durante a
ditadura militar (1964-1985) e de
deputado e ministro, para concluir que já recomeçou sua vida
inúmeras vezes. Teria condições,
psicológicas, de recomeçá-la mais
uma vez. Sobreviveria, enfim.
Bornhausen fora
Do lado da oposição, a maior resistência a uma negociação política para acabar com a reeleição e
garantir governabilidade de Lula
parte da cúpula formal do PFL, à
frente o seu presidente, senador
Jorge Bornhausen (SC).
"Não quero acordo. Não tenho
nenhuma barganha para fazer
com esse governo e já mandei dizer que não vou conversar. Seria
uma conversa inútil", disse.
Ainda segundo Bornhausen,
que é seguido pelos senadores José Agripino Maia (RN) e José Jorge (PE), ao PFL só interessa um
caminho: "Que Lula cumpra o seu
mandato até o fim, preste contas
na campanha presidencial de
2006 e seja julgado nas urnas. Para
nós, isso é suficiente".
Com a retirada de Lula da eleição, o PT teria que promover uma
série de debates internos, uma espécie de catarse, para chegar a
uma candidatura.
O nome mais provável é o de
Palocci, único pé do tripé lulista
que tem passado imune e ao largo
da atual onda de denúncias. Dirceu caiu, e o ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo)
está sob intenso tiroteio por conta
de sua antiga empresa de assessoria na área de previdência privada
e de fundos de pensão.
O risco, porém, é que Palocci
entre automaticamente na linha
de tiro, caso se vislumbre sua candidatura. Ele foi prefeito de Ribeirão Preto e, vira e mexe, oposicionistas perguntam em tom de provocação: "E o Buratti?"
Rogério Buratti foi o homem
forte de Palocci na prefeitura e
acabou demitido ao ser flagrado
em suposta negociação escusa
com uma empreiteira. Buratti,
porém, continuou trabalhando
com petistas em outras cidades.
O tabuleiro tucano para 2006
também pode ser mexido. Com
Lula considerado praticamente
imbatível, havia um acordo tácito
de que o candidato seria o governador Geraldo Alckmin (SP).
Com Lula fora, os tucanos crêem
em FHC forte no páreo e relatam
que o prefeito de São Paulo, José
Serra, "só pensa nisso".
Alckmin é tido como o que reúne melhores condições políticas,
pois tem mais apoios no partido.
Serra, o que tem maior trunfo
eleitoral, pois é o tucano mais forte nas pesquisas.
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