São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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PROFISSIONAIS DO VOTO

Cabos eleitorais remunerados de Marta reclamam da jornada, mas trabalham até 16 horas

Disciplina e revolta num comitê do PT

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

"É desumano exigir que trabalhemos das 8h à 1h30 do dia seguinte", reclamou um. "Pelo menos, na volta, levem a gente até em casa", pediu outro. "E se o domingo, dia dos pais, for de folga?", tentou mais um.
Teve clima reivindicatório a reunião iniciada às 17h30 da quarta-feira no comitê eleitoral de Marta Suplicy, na região de Capela do Socorro (zona sul de SP). Convocado com o objetivo de preparar o dia do debate entre os prefeituráveis, pela TV Bandeirantes, o encontro contou com 220 participantes.
Alguns aproveitaram para reclamar da longa jornada de trabalho a que seriam forçados no dia seguinte. Houve quem ficasse mais de 16 horas à disposição da campanha petista.
"Vou chegar em casa depois das duas da manhã", protestou um cabo eleitoral.
A revolta foi sufocada: "Vocês estão aqui para fazer a campanha da Marta. Trata-se de ganhar essa guerra", rebateu a coordenadora de mobilização. "E a gente folga no domingo, dia dos pais?" Resposta: "Não. Todo ano tem dia dos pais. Essa candidatura, é agora ou nunca."
O episódio sindicalista na sede do comitê de Marta seria impensável em campanhas passadas do Partido dos Trabalhadores. Fazer campanha era ato voluntário. Quem não quisesse, não ia. Agora é diferente.
Os cabos eleitorais do comitê da Capela do Socorro, um dos 35 espalhados pela cidade e o que abrange o maior colégio eleitoral da cidade, são remunerados.
No quinto dia útil do mês, cada um recebe R$ 500 livres. Além disso, todos embolsam 26 tíquetes-refeição de R$ 7 e vale-transporte. Total: R$ 784.
Guardião do segredo de polichinelo que é a remuneração dos cabos eleitorais, Lino Bocchini, assessor do comitê central de Marta, minimiza. Chama-a de "ajuda de custo" e diz que apenas poucos a recebem. No comitê de Socorro, todos os entrevistados admitiram o pagamento.
Para custear o almoço no "Recanto da Dutra", sacam-se vales-refeição do comitê de Marta.
Por que o comitê não conta como está levando a campanha? "Numa guerra, o soldado que entrega a estratégia de seu exército para o inimigo é traidor." Assim, Glauco Piai, 33, coordenador do comitê de Socorro, recusou-se a falar à Folha.
Com o mesmo argumento, proibiu qualquer dos cabos eleitorais de conversar com a reportagem. O argumento mais forte veio como ameaça: "Quem der entrevista será demitido."
É uma ameaça e tanto, em uma região castigada pelo desemprego (uma em quatro famílias está excluída do mercado formal). Foi nesse reservatório de mão-de-obra que o PT recrutou seus cabos eleitorais.
Mas não é qualquer um que serve. O cabo eleitoral remunerado deve ser indicado por um vereador local ligado a Marta ou pelo diretório zonal do PT.
Na folha de pagamentos do comitê, constam ainda os motoristas das kombis, 22 no Socorro. O comitê paga a cada um RS 1.200 livres. E mais a gasolina.
Esqueça a imagem do cabo eleitoral sonolento. Estes são simpatizantes ou militantes do PT. De outro lado, a remuneração institui a hierarquia do "manda quem pode, obedece quem tem juízo".
Foi assim que equipes de dez cabos eleitorais lotaram cada kombi, rumo a áreas previamente definidas.
A casa de Ana de Lima, 69, quatro filhos, moradora da rua Francisco Figueira, foi a primeira a ser abordada pela militante M. (ela não deu entrevista).
Uniformizada (casaco com o logotipo da campanha, sacola e camiseta, tudo em vermelho), M. perguntou em quem Ana votará. "Marta." E as outras pessoas da casa? "Não sei." Tem candidato a vereador? "Não." Quer receber material de campanha em casa? "Pode ser."
Mais um domicílio acaba de se incorporar ao imenso "mailing list" que o PT está montando. Em toda a cidade, dois milhões de casas devem ser visitadas até o final da campanha.
Os questionários são enviados ao comando de campanha e processados. Ana receberá em sua casa o material de propaganda mais adequado ao seu caso, segundo os fins eleitorais.
Um dirigente do PT chama os cabos eleitorais de "força terrestre", por oposição à "força aérea", que é o programa de rádio e TV. "Precisamos desse exército de ocupação. No nosso caso, a guerra será ganha casa a casa."
Na quinta-feira, o cabo eleitoral X (ele pediu para não ser identificado) acordou às 6h. Chegou em casa às 2h da manhã. Trabalhou duro e não reclamou. Na sexta, estava apreensivo. "Era para a gente ter recebido hoje o salário. Ninguém recebeu. Se não depositarem, a gente pára tudo", ameaça. Uma velha chama ainda arde no coração de X.


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