São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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JANIO DE FREITAS

Embaraços sem conta

M ais do que inconvincente por insuficiência da explicação, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, capitulou com afirmações contraditórias, umas, e inverdadeiras, outras, diante da acusação de que fez uma transferência ilegal de mais de US$ 50 mil de uma das suas contas, nos Estados Unidos, para um trio de doleiros de São Paulo investigados pela CPI do Banestado. A explicação falha está muito bem aceita por jornais e TVs.
A conta em questão foi definida por Henrique Meirelles como "uma conta de compra e venda de ações, ou seja, uma conta de investimento, o que se chama de "brokers account'". A conta, de fato, existe ou existiu em um banco de investimentos, o Goldman Sachs, segundo a narrativa da operação na revista "Veja".
Em outra ocasião explicativa, no entanto, Henrique Meirelles quis dar normalidade ao seu silêncio sobre o destino dos US$ 50.677,12, e disse o seguinte: "É costume, nos Estados Unidos, fazer o pagamento com depósito no número de uma conta indicado pelo recebedor, e ele pode dar o número de outro [não o do credor]. Eu fiz muitos pagamento altos de despesas (como a reforma em apartamento recém-comprado) e, se o recebedor me deu uma conta de doleiro, como minha secretária poderia saber?" O costume do depósito para pagamento não é como Henrique Meirelles o descreveu, mais de uma vez na quinta e na sexta-feira. O depósito aleatório, sem mais informação do que um número qualquer de conta, deixaria o depositante sem a possibilidade posterior de comprovar a quitação do débito, se necessário. O sistema de pagamentos por depósito ou transferência tornou-se "um costume" porque é seguro, com as informações que garantem a transação devida. Não há risco de que o devedor dê seu dinheiro a um doleiro na suposição de estar pagando o eletricista, que depois lhe cobraria outra vez o serviço.
Por que o banqueiro Henrique Meirelles precisou fazer a distorção?
Era uma "conta de corretagem, para compra e venda de ações na bolsa", ou conta comum "para pagar muitos fornecedores"?
Henrique Meirelles não sabe o destino de uma transferência de mais US$ 50 mil porque "tem muitas despesas". Não é fácil memorizar todos os pagamentos. Mas um pagamento de US$ 50 mil não é, mesmo para alguém que se declara muito rico, o mesmo que um pagamento de US$ 100 ou US$ 200. Ainda mais se o pagamento se deu em ocasião peculiar: 18 de outubro de 2002, exatos 15 dias depois da eleição em que Henrique Meirelles se elegeu deputado federal do PSDB por Goiás -sem precisar esfalfar-se em campanha, apesar de alheio à vida goiana.
Bem, Henrique Meirelles esqueceu o que está constatado como sua remessa pós-eleitoral ao Brasil. Se for por redução de memória, é deficiência preocupante em se tratando do presidente do Banco Central. Se não for, não é preocupante: é escandaloso. Ou normal, já que é um caso no âmbito do "mercado financeiro". Tanto que o ministro Antonio Palocci, em resposta à sucessão de suspeitas e acusações contra o presidente do BC, assegura que "Henrique Meirelles é o homem certo no lugar certo". Não foi muito original, mas suspeitas, acusações e escândalos não sugerem mais originalidade no atual governo.


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