São Paulo, quinta-feira, 08 de setembro de 2005

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INVESTIGAÇÃO

Ex-prefeito informou Justiça sobre suposta extorsão 20 dias depois de depoimento de testemunha que o comprometeu

Maluf só denunciou doleiro após ser acusado

LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao contrário do que Paulo Maluf (PP) tem afirmado para se defender da prisão preventiva pedida pela Polícia Federal, o ex-prefeito só denunciou ser vítima de uma suposta chantagem 20 dias após ser acusado formalmente pelo doleiro Vivaldo Alves, o Birigüi, de remeter dinheiro para o exterior de forma ilegal.
No dia 27 de julho, advogados do ex-prefeito comunicaram à Justiça Federal uma suposta tentativa de extorsão por parte do doleiro, que teria exigido US$ 5 milhões para não citar Maluf no depoimento dele à PF. Como o valor não foi pago, a defesa queria fazer um alerta sobre eventuais acusações de Birigüi.
O primeiro depoimento do doleiro à PF, no entanto, foi em 7 de julho. Neste dia, Birigüi relatou às autoridades que Maluf e o filho Flávio movimentaram milhões de dólares por meio da conta Chanani no Safra National Bank de Nova York (EUA). Disse ainda que pagou contas no exterior por determinação de Flávio.
O doleiro voltou a ser ouvido no dia 2 de agosto, quando detalhou as operações de envio de dinheiro para o exterior.
Nas interceptações das ligações dos celulares de Maluf e do filho Flávio, entre junho e agosto, o Ministério Público vê indícios de que os dois já sabiam do primeiro depoimento e tentaram impedi-lo.
Em junho, antes do primeiro depoimento de Birigüi à polícia, Flávio telefonou pelo menos três vezes para o doleiro, a quem convidou para uma conversa.
Num dos diálogos gravados, Flávio, após referir-se ao doleiro como "amigo", pediu a ele que não se esquecesse da conversa que tiveram. "Garanto o que nós conversamos, e a forma, entendeu? É o melhor para você. Te garanto. Te garanto. Você entendeu? Confia em mim, tenho certeza do que eu tô falando."
Num outro diálogo, desta vez com Maluf, Flávio disse qual deveria ser a orientação para o doleiro. "Entra mudo e sai calado".
Ao advogado criminalista José Roberto Leal, o ex-prefeito perguntou: "O cara já depôs?". Diante da negativa, Maluf continuou: "Então, como é que vai controlar isso?". "Olha, a forma é outra, eu não sei ainda", disse Leal.
Em outro momento, Flávio perguntou ao pai se "ele foi lá". Maluf respondeu: "Acho que foi. Não temos a informação correta, mas é bom você não se mexer. Eu acredito que todos os telefones dele devem estar "assessorados", viu? Se você falar com ele, esse canalha é capaz de gravar de prova que é teu amigo".
Foi por conta das conversas gravadas que a polícia pediu a prisão preventiva de Maluf, do filho e do ex-prefeito Celso Pitta (sem partido). Para a polícia, a medida é necessária porque é "inegável o tráfico de influência" e o "poder de intimidação" dos acusados.
O Ministério Público e a PF acreditam que o dinheiro remetido ao exterior foi desviado de obras públicas na gestão de Maluf na Prefeitura de São Paulo (1993-1996) e na de Pitta (1997-2000).
Maluf não negou o teor das conversas, mas disse que estão fora do contexto. Afirmou que não conversou com o filho sobre o doleiro, mas sobre assuntos pessoais ou da empresa Eucatex.

Testemunha ou réu
Advogados do ex-prefeito entregaram à Justiça uma defesa prévia contra o pedido de prisão preventiva de Maluf e de Flávio. O documento só será analisado após o Ministério Público formalizar o pedido de prisão -o que pode ocorrer nos próximos dias.
Na defesa, os advogados criminalistas José Roberto Batochio e José Roberto Leal dizem que Maluf e Flávio não podem ser acusados de cooptação de testemunhas, pois Birigüi é réu confesso -assumiu a movimentação ilegal de dinheiro no exterior.
Batochio afirmou que, em tese, os réus de uma mesma ação penal podem conversar para acertar uma defesa conjunta. "Não é esse o caso, mas é uma tese válida."
O Ministério Público, no entanto, concedeu delação premiada a Birigüi, que foi classificado como testemunha contra Maluf. O benefício prevê a redução de pena somente se as informações prestadas forem corretas, mas sua aplicação dependerá da Justiça.
Documentos bancários do Safra National Bank de Nova York confirmaram os depósitos denunciados por Birigüi. Os papéis foram obtidos em março deste ano pelo promotor Sílvio Marques e pelo procurador Pedro Barbosa, que viajaram aos EUA e receberam cerca de 8.000 documentos do promotor distrital Adam Kaufmann por ordem da Suprema Corte do Estado de Nova York.


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