São Paulo, terça-feira, 08 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

INTEGRAÇÃO

Bloco forte poderá ajudar a solucionar crises

Novo governo terá de valorizar o Mercosul, afirmam especialistas

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A controvérsia provocada por declarações -pouco amistosas ou "mal interpretadas"- dos candidatos José Serra (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o Mercosul e a Argentina, feitas durante a campanha eleitoral, relançaram a discussão sobre a importância (ou não) do bloco para a política externa brasileira e serviram para explicitar algumas falhas da integração sul-americana, iniciada há quase oito anos.
Especialistas ouvidos pela Folha concordam que a construção do Mercosul, que hoje aspira ser uma zona de união aduaneira (ou seja, bem mais que um bloco de livre comércio, pois implica a existência de tarifas alfandegárias comuns entre seus membros -Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), foi apressada demais.
"Um balanço objetivo do Mercosul tem de levar em conta que o comércio entre seus países-membros cresceu muito logo após a criação do bloco. Porém uma de suas grandes falhas é que houve uma passagem rápida demais da zona de livre comércio para a união aduaneira, que é algo mais ambicioso", explicou Rubens Ricupero, secretário-geral da Unctad (Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento).
"Com isso, foi necessário o estabelecimento de exceções demais, e muitos produtos ficaram dispensados da união aduaneira, o que minou o processo e transformou a tarifa externa comum em algo irrelevante", acrescentou o ex-ministro da Fazenda do Brasil (governo Itamar Franco).
Para ele, contudo, a médio prazo, o Mercosul poderá ser muito importante para a política externa brasileira -"sobretudo ante a atual organização econômica global". Essa opinião é compartilhada por Alfredo Valladão, brasileiro que chefia a cátedra Mercosul do reputado Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po).
"Se o próximo presidente da República decidir privilegiar negociações bilaterais ou multilaterais com outros países em detrimento do Mercosul, o Brasil correrá o risco de ficar isolado na América Latina", disse Valladão.
Segundo ele, desde que o presidente George W. Bush obteve a TPA (Autoridade para Promoção Comercial, que lhe dá o direito de negociar acordos comerciais que o Congresso depois aprova ou rejeita em bloco -sem emendas), em agosto passado, a estratégia dos EUA é negociar o avanço da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e acordos bilaterais com as regiões da América Latina.
"Por conta dessa política, o Chile, a Comunidade Andina [Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela] e o Mercado Comum Centro-Americano [Guatemala, Honduras, Nicarágua, El Salvador e Costa Rica] já foram contatados por Washington. Isso tende a isolar o Brasil caso o novo presidente não busque estreitar seus laços com os parceiros do Mercosul", explicou Valladão.
"Uma América Latina com acordos preferenciais com os EUA que excluíssem o Brasil seria um cenário terrível para nós, pois cerca de 30% de nossas exportações vão para os EUA e outros 20% são destinados aos países latino-americanos. Perderíamos preferências indispensáveis. Precisamos, portanto, de aliados. E, apesar de tudo, não temos aliado melhor do que o Mercosul. O próximo presidente do Brasil deverá ter isso em mente."
Ricupero também ressaltou que a grave crise que assola tanto o Brasil quanto a Argentina é mais uma razão para que os dois países busquem uma maior aproximação -embora as razões internas não sejam as mesmas. "Se a crise continuar se agravando, é bem provável que o Brasil e a Argentina tenham de procurar soluções alternativas, reduzindo suas importações", apontou Ricupero.
"Nesse quadro, algo menos ambicioso que uma união aduaneira, como uma verdadeira zona de livre comércio, poderá servir para reforçar o comércio dentro do Mercosul. Um esquema regional permitiria que os dois países, além do Uruguai e do Paraguai, ficassem menos expostos às oscilações da economia internacional", completou o ex-ministro.
Assim, para os analistas, apesar de declarações intempestivas ou de acusações infundadas -seja de Lula, seja de Serra-, o futuro presidente do Brasil parece fadado a valorizar o Mercosul.


Texto Anterior: Rombo Amazônico: Eleito com votação recorde, Jader volta a depor no Pará
Próximo Texto: Acre: Morre Cadaxo, vice-governador de Jorge Viana
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.