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ELIO GASPARI
O governo criou o
anarcoliberalismo
Lula inovou. Criou o anarcoliberalismo. Só isso explica que o seu ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, ataque publicamente a posição defendida pelos negociadores brasileiros na reunião de Trinidad
e Tobago, na qual se discutiram
as eventuais bases de criação da
Alca. O doutor Rodrigues estranhou a posição brasileira, chamou-a de "rígida e intransigente" e, pelo que conta, ficou "encabulado".
Mais encabulada fica a patuléia, que paga o salário do doutor, do chanceler Celso Amorim
e de Lula. Para usar uma comparação paleolítica ao gosto dos
tempos, o ministro da Agricultura matou a bola no peito, viu
que o Itamaraty estava mal colocado e chutou em gol. Marcou
para os Estados Unidos.
Como cidadão, o doutor Rodrigues pode dizer qualquer coisa, mas, como ministro, não pode puxar o tapete de uma missão negociadora brasileira. Talvez ele não saiba, mas essa é a
técnica predileta da diplomacia
americana. Seu negócio é fatiar
o governo. Negocia agricultura
com o ministro da Agricultura e
turismo com o ministro do Turismo. Essa esperteza deixa ao
Itamaraty a tarefa de organizar
coquetéis e cuidar de mapas velhos (coisa que já não sabe fazer
direito).
Os americanos trabalham assim desde os anos 60, sempre
com bons resultados. Prevalecem porque são competentes e
porque defendem seus interesses
com ferocidade. Veja-se o caso
do calote da AES, transformado
em perdão dos juros pelo
BNDES. Se um ministro do companheiro Bush fizer o que fez o
doutor brasileiro, está na rua no
dia seguinte.
Houve uma época em que embaixador dos Estados Unidos,
com o propósito de desmoralizar a diplomacia nacional, chamava o núcleo negociador da
chancelaria de "os barbudinhos". Eles ficaram grisalhos e
Lula lhes deu a oportunidade de
articular uma política externa.
O chanceler Celso Amorim pode
ter exagerado na marquetagem,
criando uma sigla de linha de
ônibus (G20) temperada com
linguagem esportiva ("vencemos em Cancún"). Nada de
mais quando o presidente da
República compara a reunião
da Organização Mundial do
Comércio a uma partida de truco. É uma diplomacia mal enfeitada, mas é a política externa
da República. Para usar outra
comparação paleolítica: os ministros podem gritar no vestiário, mas não podem levar o lero-lero à galera.
O anarcoliberalismo é uma
novidade. Habitualmente, a esquerda produz bagunça, e a direita, ordem. Bagunça conservadora é coisa rara. O anarcoliberalismo leva Lula e seus comissários José Dirceu e José Genoino a tratar a esquerda do PT
como um agrupamento de adversários. Na outra ponta, apareceu, dentro do ministério,
uma Heloísa Helena hostilizando publicamente os negociadores do Itamaraty. Há uma diferença entre um deputado que
vota contra a reforma da Previdência e um ministro que ataca
uma posição assumida pelo Itamaraty numa negociação internacional. A discordância do deputado faz parte da competição
política interna e, quando muito, a oposição ganha.
No caso do ministro, quem ganha é o adversário estrangeiro.
Admita-se que esse adversário
esteja certo e o Itamaraty errado, como aconteceu quando os
barbudinhos hostilizavam a política de direitos humanos do
presidente Jimmy Carter. Muda-se a política, mas não se busca esse resultado puxando o tapete dos negociadores.
Resta saber se passa pela cabeça dos comissários suspender o
ministro. Para ficar nas confusões recentes, Roberto Rodrigues
ficaria proibido de falar, e Benedita da Silva, de viajar.
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