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São Paulo, sábado, 08 de novembro de 2003

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TERCEIRO MUNDO

Presidente comete gafe e causa constrangimento na Namíbia

Lula diz que cidade, "limpa e bonita", nem parece da África

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Ao lado do presidente Sam Nujoma, da Namíbia, Lula faz discurso no qual cometeu gafe sobre o país


ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA A WINDHOEK E PRETORIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou constrangida a comitiva brasileira, ontem, ao dizer num discurso de improviso que Windhoek, capital da Namíbia, parece não estar na África, por sua limpeza e arquitetura.
"Estou muito surpreso, porque quem chega a Windhoek não parece que está num país africano. Acho que poucas cidades do mundo são tão limpas e bonitas arquitetonicamente quanto esta cidade. E [poucas cidades têm] um povo tão extraordinário como [Windhoek] tem", disse o presidente, surpreendendo a platéia que o ouvia na State House, sede do governo local.
Em seguida, o presidente disse: "A visão que se faz da América do Sul é que nós somos todos índios pobres". O tradutor do presidente, Sérgio Ferreira, trocou "índios pobres" por "beautiful people" ("pessoas bonitas" em inglês). Pediu desculpas a Lula e disse que não entendera bem.
Lula, então, repetiu: "A visão que se faz sobre a América do Sul, e sobretudo sobre o Brasil, é que nós somos apenas um país de índios muito pobres. E a visão que se faz da África é a de que também é um continente só de pobres".
Só depois, a ressalva: "Na verdade, se não fosse um grande tempo de colonização e se não fossem as décadas de guerra, certamente os países africanos já teriam crescido extraordinariamente".
Windhoek, de fato, é muito limpa e tem uma arquitetura bem diferente da dos países de colonização portuguesa, como Angola e Moçambique. A arquitetura faz a capital lembrar uma cidade dos Alpes da Europa. O problema foi a percepção geral de que Lula considerava a África o contrário: feia e suja.
Ao ouvir essa parte do discurso, o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, que estava muito cansado, empertigou-se na poltrona. Mas não quis comentar nada.

Pavão
Lula havia acabado de almoçar um churrasco de carnes de caça no Country Club de Windhoek com o presidente da Namíbia, Sam Nujoma, que, sentado ao lado do brasileiro, ouviu os nove minutos de improviso.
O discurso de Lula foi interrompido duas vezes por um pavão que circulava pelos jardins do palácio. Lula brincou: "O pavão está com saudade da namorada".
O presidente recorreu a uma imagem para falar da identidade cultural do Brasil e da África. Disse que se perguntava por que, ao criar o mundo, Deus decidiu deixar na África animais de grande porte, como a girafa.
Ele mesmo respondeu, sob aplausos. "Eu não vou deixar nenhum animal de grande porte, como a girafa, do lado do Brasil, mas vou criar as condições para que a mente, o coração e a estética do povo brasileiro e do povo africano sejam os mesmos. E isso aconteceu", afirmou.
Segundo Lula, o Brasil "tem a cara do povo africano, tem o jeito alegre do povo africano, tem até a ginga do povo africano".

Comércio
Na parte mais formal do discurso, Lula agradeceu o apoio da Namíbia à pretensão do Brasil de ter uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU e disse que apóia uma vaga também para a África, sem especificar um país.
Defendeu também maior integração comercial entre o Brasil e o continente: "Esta minha viagem foi muito importante, porque descobri as possibilidades de intercâmbio comercial, que ainda é muito incipiente em função das potencialidades de cada país".
Repetiu a provocação que fizera no domingo, em São Tomé e Príncipe, para a Petrobras: "Desafiei os empresários brasileiros a não terem medo de virarem empresários multinacionais".
O presidente havia encerrado ontem um encontro entre empresários dos dois países, que têm um intercâmbio de apenas US$ 7 milhões por ano e com uma pauta muito reduzida -cerca de 60% das exportações do Brasil para a Namíbia são de móveis, e mais de 20%, de açúcar, doces e confeitos.
No discurso do palácio, ao lado do presidente Nujoma, Lula disse que considerava a Namíbia "um exemplo extraordinário". Citou como vitórias do país a boa infra-estrutura, a democratização da política, os programas sociais e o combate à corrupção.
Lula também pediu "uma chance de competitividade internacional" para os países africanos: "Nós haveremos de provar que não nascemos para ser pobres e que poderemos, em pouco tempo, estar competindo com qualquer país em igualdade de condições", disse, sob aplausos.
Depois do discurso, Lula embarcou para a África do Sul, por volta das 17h15 (13h15 de Brasília). Ao chegar, mandou dizer por assessores que não comentaria os problemas criados pelo governo brasileiro para os idosos beneficiários da Previdência.

As jornalistas Eliane Cantanhêde e Marlene Bergamo fizeram as viagens na África em avião da FAB (Força Aérea Brasileira), por falta de vôos comerciais compatíveis com o roteiro do presidente

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