São Paulo, terça-feira, 08 de novembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ O PRESIDENTE

Em entrevista ao "Roda Viva", presidente elogiou Dirceu e condenou o caixa dois que havia admitido ser prática sistemática no país

Lula admite ter responsabilidade na crise

DA REPORTAGEM LOCAL

Contrariando o discurso governista, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu ontem, pela primeira vez, ter responsabilidade pela crise política que enfrenta. "Pelo bem ou pelo mal, não tem como o presidente da República dizer que não tem responsabilidade. Sabendo ou não sabendo, o presidente da República tem responsabilidade e tem que mandar apurar", disse Lula.
O presidente foi entrevistado, por uma hora e 40 minutos, no programa "Roda Viva". A entrevista foi gravada no início da tarde no Palácio do Planalto e marca os 19 anos e a milésima edição do programa da TV Cultura. Por conta disso, além do atual apresentador, Paulo Markun, a bancada de sabatinadores foi montada apenas com ex-apresentadores do programa -Augusto Nunes (colunista do "Jornal do Brasil"), Rodolfo Konder (diretor da universidade UniFMU), Matinas Suzuki Jr. (diretor da rede de jornais Bom Dia), Roseli Tardeli (diretora da agência de notícias da Aids) e Heródoto Barbeiro (editor-chefe e apresentador do Jornal da Cultura e âncora da CBN).

DIRCEU Embora afirmando que "politicamente, o Congresso está condenado a cassar" o mandato do deputado José Dirceu (PT), Lula fez uma veemente defesa do ex-chefe da Casa Civil, chegando admitir que seria seu "advogado de defesa". "Feliz o país que tem um político da magnitude do Zé Dirceu, que tem coragem e inteligência para fazer o enfrentamento".
Na entrevista, gravada na tarde de ontem no Palácio do Planalto, Lula confirmou a versão de Dirceu de que o ministro pedira demissão ainda em 2004, com a explosão do escândalo Waldomiro Diniz. O presidente contou que, na época, alegara que o ministro não deveria sucumbir a cada crise. E que sugeriu que deixasse o palácio, para cuidar de sua defesa no Congresso, agora, em meio ao escândalo do mensalão, para que deixasse de ser "vidraça".
"Qual é a acusação que existe contra o Zé Dirceu?", perguntou Lula, ao admitir que seria seu advogado de defesa. Para o presidente, "se for por causa das provas, até hoje não existem".

TRAIÇÃO Lula também mudou o discurso ao condenar a prática de caixa dois no país. Em julho, numa viagem à França, o presidente disse: "O PT fez, do ponto de vista eleitoral, o que é feito no Brasil sistematicamente". Ontem, se disse traído pelos petistas que cometeram o que chamou de "loucura", "práticas equivocadas".
"Por que eu me sentia traído? Por que eu sei o que eu passei para criar esse partido. Eu sei o tanto que eu andei por esse país", afirmou o presidente. "O dinheiro fácil nunca fez bem para ninguém na história da humanidade. Você tem meios legais para fazer finanças de campanha. Não posso admitir que companheiros, em nome da facilidade, da presunção, começassem a terceirizar campanha financeira de um partido. Por isso que eu acho que fui traído por todos os que fizeram essa prática condenada pelo PT e pela sociedade brasileira."

MENSALÃO Lula, no entanto, foi categórico ao rechaçar a hipótese de mensalão no Congresso. "Tenho certeza que não teve essa barbaridade", descartou o presidente, admitindo, no entanto, outros ilícitos ou corrupção. "O José Dirceu foi acusado por Roberto Jefferson de montar uma quadrilha para pagar o mensalão. Eu estou esperando que o Congresso Nacional dê o veredicto final, teve ou não teve o mensalão. Eu tenho certeza de que não teve."

LÁGRIMAS Em tom irônico, o presidente negou a versão do ex-deputado Roberto Jefferson de que chorou ao ser informado de um suposto esquema de mensalão no Congresso. Lula lembrou que a conversa aconteceu durante um café-da-manhã, na presença do ministro de Turismo, Walfrido Mares Guia (PTB). "Não chorei, mas fiquei indignado porque essa história de mensalão no Congresso Nacional foi muito forte na época da reeleição e não foi provado."

OPOSIÇÃO Ao longo da entrevista, o presidente fez duras críticas à oposição, afirmando nunca ter sido "tão irritado e tão nervoso". Lula cobrou responsabilidade da oposição, sugerindo que investigasse melhor antes de fazer acusações. "É gente que deveria ter um pouco de mais cuidado ao falar", disse Lula. E ironizou: "Acho hilariante o PFL tentar pedir o impeachment do presidente. Não posso levar a sério um pedido de impeachment. Com base no quê? Qual é a prova, qual é o delito? Possivelmente pelas coisas boas que estamos fazendo."

CUBA O presidente disse que duvida da veracidade da denúncia de que sua campanha foi alimentada por dinheiro de Cuba, informação publicada em reportagem da revista "Veja". "Não posso acreditar, não tem como, porque conheço o miserê que Cuba está vivendo, a pobreza de Cuba", disse. "É o tipo da acusação que acho tão inverossímil... Quem falou? O morto. Ah, não dá, de coração, não posso acreditar que Cuba tenha dinheiro para dar para qualquer partido político."

CELSO DANIEL Lula foi categórico ao negar que sua campanha tenha sido abastecida por caixa dois. Ele alegou que o "crime eleitoral cometido", já reconhecido pelo "nosso Delúbio", aconteceu na eleição de 2004 para as prefeituras. O presidente disse ainda que fica triste ao ouvir a versão de que o prefeito de Santo André Celso Daniel, morto em 2002, tenha sido vítima de um crime político. Segundo Lula, "é transformar vítima em algoz". O presidente disse que conviveu por 25 anos com Celso Daniel e que a família do prefeito, hoje acusando o PT, não era tão ligada a ele.

FILHO O presidente respondeu aos que acusam seu filho Fábio Luiz de ter sido beneficiado, graças aos laços familiares, por um aporte de R$ 5 milhões, feito pela Telemar, na empresa da qual é sócio. "Você não acha que o filho do presidente, ao mesmo tempo em que não deve ter nenhum privilégio, também não deve ser proibido de seguir sua vida? Todos os contratos são regulares, todos. Nenhum é irregular. Não houve nenhum processo para esconder, até porque é um programa de televisão, aliás, são dois [programas de TV], e que estão tendo um sucesso extraordinário, estão tendo muito mais audiência que a MTV. Todo mundo sabe que a Telemar foi privatizada. Somente a investigação é que vai mostrar se é ilegal."

VALDEMAR Lula chamou de "fantasiosa" a versão do presidente do PL, o ex-deputado Valdemar Costa Neto (SP). "Vi o presidente do PL dizer, numa entrevista, num debate, que tinha recebido R$ 10 milhões do Delúbio para financiar minha campanha. Alguém acredita que se o Delúbio tivesse dez milhões para dar para ele, para financiar a campanha do PT, ia dar para o PL financiar, ou próprio Delúbio iria financiar?", perguntou. "Acho improvável. Tenho certeza de que é improvável que o PL tenha dado dinheiro para a campanha presidencial. Acho mais provável que o Delúbio tenha feito a loucura..."
Sem alterar a voz, o presidente reviu outro conceito: disse que não há apenas denúncias vazias em curso, mas que "não dá para que o presidente da República fique fazendo política com o disse-que-disse".


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