São Paulo, sexta-feira, 08 de dezembro de 2006

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ANÁLISE

Decisão deixa siglas sujeitas à fisiologia

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A decisão do Supremo Tribunal Federal foi tomada para supostamente proteger as minorias políticas. Na sua nobre preocupação, os ministros decidiram manter a regra em vigor. Querem evitar discriminação. O raciocínio por trás do julgamento estaria perfeito não tivesse a regra atual vários dispositivos discricionários.
O dispositivo legal derrubado ontem dividia os partidos entre os que obtinham ou não 5% dos votos para deputado federal em todo o país. A normatização atual também classifica as legendas de maneira objetiva em três categorias: 1) os que têm mais de 5% dos votos; 2) os que obtém de 1% a 4,99% nas urnas; e 3) os que ficam abaixo de 1%.
Se a chamada "cláusula de barreira" é inconstitucional, certamente também haverá quem enxergue o mesmo defeito na regra em vigor. Afinal, não há discriminação pela metade. Ou existe ou não existe.
Ao abrirem essa janela liberal, os ministros do STF estenderam um tapete vermelho para oportunistas diversos agirem pelo interior do país. E sempre haverá um juiz em primeira instância disposto a conceder direitos iguais ao partido com 20% ou 0,01% dos votos. As eleições municipais de 2008 poderão ser palco para um espetáculo de ações na Justiça.
Os ministros demonstraram uma especial aversão em relação a um aspecto da regra que derrubaram: o fato de partidos com menos de 5% dos votos ficarem impossibilitados de "funcionamento parlamentar". Na realidade, trata-se de erro semântico. O impedimento só seria para a nomeação de líderes. Os congressistas de siglas nanicas continuariam a tomar posse e a votar normalmente.
Derrubada a cláusula, o clima no plenário do STF era de júbilo, como se todas as legendas agora tivessem assegurado o direito à criação de liderança. É um erro. Dos 29 partidos que disputaram as eleições de outubro, 15 continuarão sem condições de nomear líderes.
A mais nova integrante do STF, ministra Cármen Lúcia, chegou a fazer uma confusão léxica. "Essa cláusula peca pelo nome." Ela se equivocou. O termo "cláusula de barreira" não existe no texto legal. É um jargão criado pelos detratores da norma agora derrubada. A ministra acreditou na campanha e ajudou a cassar o dispositivo.
O saldo maior da decisão é a solidificação de um sistema permissivo para os partidos. Basta conseguir apoio de 0,5% dos eleitores para criar uma legenda. Depois é só passar no guichê do governo e retirar o dinheiro público para sair contratando funcionários e cabos eleitorais. Em época de campanha, não tem negócio melhor: o tempo de TV e de rádio é negociado como se privado fosse.
Com a pretensão de fazer um bem, o STF condenou o Brasil a ter siglas fracionadas e sujeitas à fisiologia. Um passeio turístico dos magistrados pelo Congresso os faria pensar talvez de outra forma. Mas seria desejar muito além do possível -um Poder Judiciário atento ao que se passa ao seu redor.


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