|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Decisão deixa siglas sujeitas à fisiologia
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A decisão do Supremo Tribunal Federal foi tomada para supostamente proteger as minorias políticas. Na sua nobre
preocupação, os ministros decidiram manter a regra em vigor. Querem evitar discriminação. O raciocínio por trás do julgamento estaria perfeito não tivesse a regra atual vários dispositivos discricionários.
O dispositivo legal derrubado
ontem dividia os partidos entre
os que obtinham ou não 5% dos
votos para deputado federal em
todo o país. A normatização
atual também classifica as legendas de maneira objetiva em
três categorias: 1) os que têm
mais de 5% dos votos; 2) os que
obtém de 1% a 4,99% nas urnas;
e 3) os que ficam abaixo de 1%.
Se a chamada "cláusula de
barreira" é inconstitucional,
certamente também haverá
quem enxergue o mesmo defeito na regra em vigor. Afinal, não
há discriminação pela metade.
Ou existe ou não existe.
Ao abrirem essa janela liberal, os ministros do STF estenderam um tapete vermelho para oportunistas diversos agirem pelo interior do país. E
sempre haverá um juiz em primeira instância disposto a conceder direitos iguais ao partido
com 20% ou 0,01% dos votos.
As eleições municipais de 2008
poderão ser palco para um espetáculo de ações na Justiça.
Os ministros demonstraram
uma especial aversão em relação a um aspecto da regra que
derrubaram: o fato de partidos
com menos de 5% dos votos ficarem impossibilitados de
"funcionamento parlamentar".
Na realidade, trata-se de erro
semântico. O impedimento só
seria para a nomeação de líderes. Os congressistas de siglas
nanicas continuariam a tomar
posse e a votar normalmente.
Derrubada a cláusula, o clima
no plenário do STF era de júbilo, como se todas as legendas
agora tivessem assegurado o direito à criação de liderança. É
um erro. Dos 29 partidos que
disputaram as eleições de outubro, 15 continuarão sem condições de nomear líderes.
A mais nova integrante do
STF, ministra Cármen Lúcia,
chegou a fazer uma confusão
léxica. "Essa cláusula peca pelo
nome." Ela se equivocou. O termo "cláusula de barreira" não
existe no texto legal. É um jargão criado pelos detratores da
norma agora derrubada. A ministra acreditou na campanha e
ajudou a cassar o dispositivo.
O saldo maior da decisão é a
solidificação de um sistema
permissivo para os partidos.
Basta conseguir apoio de 0,5%
dos eleitores para criar uma legenda. Depois é só passar no
guichê do governo e retirar o
dinheiro público para sair contratando funcionários e cabos
eleitorais. Em época de campanha, não tem negócio melhor: o
tempo de TV e de rádio é negociado como se privado fosse.
Com a pretensão de fazer um
bem, o STF condenou o Brasil a
ter siglas fracionadas e sujeitas
à fisiologia. Um passeio turístico dos magistrados pelo Congresso os faria pensar talvez de
outra forma. Mas seria desejar
muito além do possível -um
Poder Judiciário atento ao que
se passa ao seu redor.
Texto Anterior: Supremo derruba cláusula de barreira para os partidos Próximo Texto: Nanicos aplaudem e grandes protestam Índice
|