|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Governo criará grupo de "notáveis"
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva decidiu criar o que vem sendo chamado no governo de "Presidência pró-ativa": um núcleo de
notáveis para traçar os rumos e as
políticas estratégicas do Brasil,
identificando as vocações que tornarão o país efetivamente competitivo num mundo cada vez mais
globalizado.
O coordenador-geral será o vice-presidente da República, José
Alencar, que foi convidado na semana passada por Lula e aceitou a
função. O diretor-executivo será o
presidente do IPEA (Instituto de
Pesquisa Econômica e Aplicada),
Glauco Arbix.
Professor de ciências sociais da
USP (Universidade de São Paulo),
Arbix foi líder da tendência Libelu
(trotskista) no movimento estudantil e é velho companheiro de
lutas políticas de alguns dos principais integrantes da cúpula do
atual governo.
A intenção é formar um núcleo
pequeno, recrutando os "melhores quadros" em três segmentos:
da iniciativa privada, como Alencar; do governo, requisitando alguns dos melhores quadros dos
ministérios; da academia, como o
próprio Arbix e outros professores de centros de excelência, como o Inpa (Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia).
A inclusão de assessores do governo atendeu a dois objetivos. O
primeiro foi colocar o grupo em
contato com os projetos já em
execução nos ministérios e, depois, ajudar a canalizar energias e
recursos para os projetos apontados como estratégicos pelos notáveis. O segundo foi político: evitar
que os ministros se sintam menosprezados, em segundo plano.
Além desse núcleo principal, o
grupo poderá solicitar a colaboração de assessores e professores
para discutir temas específicos.
Mas os diagnósticos e propostas
serão assumidas sempre pelo núcleo principal e levados à consideração direta de Lula. Uma das
funções será justamente fornecer
subsídios para as decisões mais
estratégicas de Lula.
"Será um staff de apoio exclusivo do presidente da República,
um laboratório de idéias para o
desenvolvimento do país e para
direcionar a inserção do Brasil no
mundo", disse à Folha o autor da
idéia, o secretário de Comunicação e Gestão Estratégica, Luiz
Gushiken.
Para formatar essa idéia, ele
pesquisou experiências semelhantes nos Estados Unidos, na
Espanha e nos chamados Tigres
Asiáticos, especialmente a Coréia.
Nos EUA, por exemplo, o ex-presidente Bill Clinton destacou seu
vice, Al Gore, para coordenar um
grupo semelhante e foi esse grupo
que sugeriu as ações estratégicas
para os EUA enfrentarem a crescente concorrência tecnológica da
Ásia, especialmente do Japão.
"A reação norte-americana não
foi apenas por geração espontânea do mercado, mas sim por
ação direta e decisiva do Estado",
comparou ele.
Como a ação partiu diretamente do gabinete presidencial, ela se
enraizou por outras instâncias e
níveis de poder e atingiu a iniciativa privada, criando efetivamente
um movimento estratégico com
efeitos práticos importantes na
economia norte-americana.
Um processo semelhante ocorreu na Espanha, quando o governo decidiu focar sua ação estratégica no desenvolvimento do turismo. Hoje, é um dos países mais
poderosos no setor, atraindo milhões de turistas e de dólares todos os anos.
Ou, ainda, como ocorreu em
Taiwan, que em determinado
momento concluiu que sua vocação no mercado contemporâneo
seria no setor de fios condutores
de comunicações, como a fibra
ótica. Marcou uma posição de liderança no mundo e incrementou sensivelmente sua economia
interna.
"Em todos esses casos, houve a
ação firme do Estado", repetiu
Gushiken, que vem burilando a
idéia há semanas e tem conversado sistematicamente sobre ela
com Lula, de quem é um dos amigos mais próximos.
Nem sempre o resultado é positivo, como admitiu ele, citando o
caso da França, que gastou anos e
milhões de dólares para viabilizar
o supersônico Concorde, e o projeto parece, pelo menos neste momento, ter sido um retumbante
fracasso.
"O presidente não quer um grupo de acadêmicos discutindo a estratosfera, o sexo dos anjos. Quer
uma assessoria de alto nível para,
em contato com a realidade, identificar os rumos estratégicos do
país enquanto produtor de riquezas a serem ofertadas no mercado
global", ressaltou. Como exemplo
de temas que certamente serão
colocados em discussão, o secretário citou agricultura, meio ambiente e comunicações. Os respectivos ministérios irão contribuir com um representante, cada,
no núcleo criado por Lula.
O ministro das Comunicações,
Miro Teixeira, com quem Gushiken se encontrou na quarta-feira,
é um dos entusiastas da idéia.
A conexão do núcleo coordenado por Alencar com os ministérios será por meio dos documentos enviados diretamente a Lula,
discutidos e encampados por ele
e, finalmente, redistribuídos aos
ministros.
A função do grupo, porém, não
será em nenhum momento executiva, operacional: "Será apenas
de identificação de rumos, análise
e diagnóstico e, por fim, de propostas sempre interministeriais".
Enquanto os ministérios consomem energia e recursos com políticas pontuais e praticamente cotidianas, de curto prazo, o núcleo
pensará em políticas de longo
prazo. "De cinco, dez, vinte anos",
resumiu Gushiken.
"O que não podemos é ser pegos de surpresa. Temos que ver
antes, identificar antes, agir antes,
para ganhar em competitividade
num mundo cada vez mais competitivo", disse.
Texto Anterior: Petista cobrará "contrapartida" a rigor fiscal Próximo Texto: Frases Índice
|