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São Paulo, domingo, 09 de fevereiro de 2003

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Governo criará grupo de "notáveis"

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu criar o que vem sendo chamado no governo de "Presidência pró-ativa": um núcleo de notáveis para traçar os rumos e as políticas estratégicas do Brasil, identificando as vocações que tornarão o país efetivamente competitivo num mundo cada vez mais globalizado.
O coordenador-geral será o vice-presidente da República, José Alencar, que foi convidado na semana passada por Lula e aceitou a função. O diretor-executivo será o presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), Glauco Arbix.
Professor de ciências sociais da USP (Universidade de São Paulo), Arbix foi líder da tendência Libelu (trotskista) no movimento estudantil e é velho companheiro de lutas políticas de alguns dos principais integrantes da cúpula do atual governo.
A intenção é formar um núcleo pequeno, recrutando os "melhores quadros" em três segmentos: da iniciativa privada, como Alencar; do governo, requisitando alguns dos melhores quadros dos ministérios; da academia, como o próprio Arbix e outros professores de centros de excelência, como o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).
A inclusão de assessores do governo atendeu a dois objetivos. O primeiro foi colocar o grupo em contato com os projetos já em execução nos ministérios e, depois, ajudar a canalizar energias e recursos para os projetos apontados como estratégicos pelos notáveis. O segundo foi político: evitar que os ministros se sintam menosprezados, em segundo plano.
Além desse núcleo principal, o grupo poderá solicitar a colaboração de assessores e professores para discutir temas específicos. Mas os diagnósticos e propostas serão assumidas sempre pelo núcleo principal e levados à consideração direta de Lula. Uma das funções será justamente fornecer subsídios para as decisões mais estratégicas de Lula.
"Será um staff de apoio exclusivo do presidente da República, um laboratório de idéias para o desenvolvimento do país e para direcionar a inserção do Brasil no mundo", disse à Folha o autor da idéia, o secretário de Comunicação e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken.
Para formatar essa idéia, ele pesquisou experiências semelhantes nos Estados Unidos, na Espanha e nos chamados Tigres Asiáticos, especialmente a Coréia. Nos EUA, por exemplo, o ex-presidente Bill Clinton destacou seu vice, Al Gore, para coordenar um grupo semelhante e foi esse grupo que sugeriu as ações estratégicas para os EUA enfrentarem a crescente concorrência tecnológica da Ásia, especialmente do Japão.
"A reação norte-americana não foi apenas por geração espontânea do mercado, mas sim por ação direta e decisiva do Estado", comparou ele.
Como a ação partiu diretamente do gabinete presidencial, ela se enraizou por outras instâncias e níveis de poder e atingiu a iniciativa privada, criando efetivamente um movimento estratégico com efeitos práticos importantes na economia norte-americana.
Um processo semelhante ocorreu na Espanha, quando o governo decidiu focar sua ação estratégica no desenvolvimento do turismo. Hoje, é um dos países mais poderosos no setor, atraindo milhões de turistas e de dólares todos os anos.
Ou, ainda, como ocorreu em Taiwan, que em determinado momento concluiu que sua vocação no mercado contemporâneo seria no setor de fios condutores de comunicações, como a fibra ótica. Marcou uma posição de liderança no mundo e incrementou sensivelmente sua economia interna.
"Em todos esses casos, houve a ação firme do Estado", repetiu Gushiken, que vem burilando a idéia há semanas e tem conversado sistematicamente sobre ela com Lula, de quem é um dos amigos mais próximos.
Nem sempre o resultado é positivo, como admitiu ele, citando o caso da França, que gastou anos e milhões de dólares para viabilizar o supersônico Concorde, e o projeto parece, pelo menos neste momento, ter sido um retumbante fracasso.
"O presidente não quer um grupo de acadêmicos discutindo a estratosfera, o sexo dos anjos. Quer uma assessoria de alto nível para, em contato com a realidade, identificar os rumos estratégicos do país enquanto produtor de riquezas a serem ofertadas no mercado global", ressaltou. Como exemplo de temas que certamente serão colocados em discussão, o secretário citou agricultura, meio ambiente e comunicações. Os respectivos ministérios irão contribuir com um representante, cada, no núcleo criado por Lula.
O ministro das Comunicações, Miro Teixeira, com quem Gushiken se encontrou na quarta-feira, é um dos entusiastas da idéia.
A conexão do núcleo coordenado por Alencar com os ministérios será por meio dos documentos enviados diretamente a Lula, discutidos e encampados por ele e, finalmente, redistribuídos aos ministros.
A função do grupo, porém, não será em nenhum momento executiva, operacional: "Será apenas de identificação de rumos, análise e diagnóstico e, por fim, de propostas sempre interministeriais".
Enquanto os ministérios consomem energia e recursos com políticas pontuais e praticamente cotidianas, de curto prazo, o núcleo pensará em políticas de longo prazo. "De cinco, dez, vinte anos", resumiu Gushiken.
"O que não podemos é ser pegos de surpresa. Temos que ver antes, identificar antes, agir antes, para ganhar em competitividade num mundo cada vez mais competitivo", disse.



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