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São Paulo, domingo, 09 de fevereiro de 2003

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PERSONALIDADE

Dirigente do "Jornal do Brasil" por mais de 50 anos estava internado desde o último dia 21; corpo será cremado hoje

Morre aos 80 o empresário Nascimento Brito

DA SUCURSAL DO RIO

O empresário Manoel Francisco do Nascimento Brito, 80, que fez parte da direção do ""Jornal do Brasil" por mais de 50 anos, morreu ontem às 7h40 no Rio de Janeiro. A causa da morte foi um acidente vascular cerebral, com falência cardíaca, informou a assessoria do Hospital Copa D'Or, onde Nascimento Brito morreu.
Ele estava internado desde o dia 21 de janeiro no hospital, em Copacabana, na zona sul do Rio. De acordo com seu filho José Antônio do Nascimento Brito, 48, presidente do Conselho Editorial do "Jornal do Brasil", o empresário havia perdido a fala e a maior parte dos movimentos, em consequência de uma série de pequenos derrames que sofreu no último ano. Ele já enfrentava sequelas de um primeiro derrame, ocorrido em outubro de 1978.
O corpo de Nascimento Brito seria velado a partir das 15h no Memorial do Carmo, no Caju (zona norte), e cremado hoje, possivelmente às 11h. O horário estava sujeito a confirmação.
O empresário entrou no "Jornal do Brasil" em 1949 e só deixou o diário em 2000. Foi casado e teve cinco filhos com Leda Marina Marchesini, enteada do conde Ernesto Pereira Carneiro, que havia comprado o "JB" em 1918. Dono de empresas de navegação e aviação, Pereira Carneiro recebera o título de conde do Vaticano.
Nascimento Brito nasceu em 2 de agosto de 1922. Sua mãe, Amy Avoegno do Nascimento Brito, era inglesa, e ele sempre cultivou essa ascendência. Durante a Guerra das Malvinas, em 1982, as ilhas disputadas pela Argentina e pela Grã-Bretanha eram chamadas no "Jornal do Brasil" pelo nome britânico -Falklands.
Formado em direito pela Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro), Nascimento Brito era procurador do Banco do Brasil quando foi chamado por Pereira Carneiro para ser consultor jurídico da Rádio JB. Casou-se em 1946 e, em 1952, foi nomeado superintendente do sistema ""Jornal do Brasil", que incluía o jornal, a agência de notícias, uma gráfica e as emissoras de rádios.
Após a morte do conde, em 1954, a direção do jornal ficou sob responsabilidade de sua viúva, a condessa Maurina Dunshee de Abranches Pereira Carneiro, que iniciou um processo de reformulação editorial e gráfica do "JB", até então um jornal especializado em classificados, que ocupavam toda a sua primeira página.
Em 1956, Nascimento Brito foi nomeado diretor-executivo da empresa. Sob o comando de jornalistas como Janio de Freitas, hoje membro do Conselho Editorial da Folha, Reinaldo Jardim, Odilo Costa, filho, e Amílcar de Castro (na parte gráfica), o jornal ganhou credibilidade e conquistou o público mais intelectualizado.
Data dessa época o Caderno B, o primeiro caderno de cultura da imprensa brasileira, que chegou a ter dez críticos de cinema.
O jornalista Alberto Dines foi o editor-chefe que mais tempo ocupou o cargo na nova fase do jornal. Ficou quase 12 anos, de janeiro de 1962 a dezembro de 1973, e, segundo Nascimento Brito, consolidou a reforma do "JB". Em 1973, driblou a censura com a célebre capa sem manchete que noticiou o golpe militar no Chile.
As dificuldades financeiras do jornal começaram no fim da década de 70, quando o concorrente "O Globo", ancorado na audiência da TV, derrubou sua liderança no mercado de classificados. A crise foi agravada por problemas administrativos e pelos custos da construção de uma nova sede para o jornal, inaugurada em 1973 na zona portuária do Rio.
Desde o final dos anos 50, sob a presidência de Juscelino Kubitschek (1956-1961), Nascimento Brito tentara, sem sucesso, obter uma concessão de TV. Na última vez, foi preterido pelo governo de João Baptista Figueiredo (1979-1985), em favor de Sílvio Santos.
O empresário não foi bem-sucedido em algumas apostas políticas. Nos anos 70, chegou a apoiar o ministro do Exército, general Sílvio Frota, contra Figueiredo, o chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações) e favorito do presidente Ernesto Geisel à sua sucessão. No início da década de 80, com a dívida do "JB" crescendo, apoiou Paulo Maluf, que viria a ser derrotado por Tancredo Neves no Colégio Eleitoral em 1984.
Durante a CPI que investigava o governo Fernando Collor (1990-1992), o "Jornal do Brasil" publicou manchete que avalizava a "Operação Uruguai", manobra pela qual auxiliares do presidente pretendiam justificar a movimentação de dinheiro na conta de "fantasmas" a partir de um suposto empréstimo feito em Montevidéu para financiar a campanha de 1989.
Na época, Nascimento Brito tratava com Lafayete Coutinho, presidente do Banco do Brasil, da renegociação de uma dívida calculada pelo banco em US$ 90 milhões. Não obteve sucesso, e o endosso à "Operação Uruguai" afetou a credibilidade do jornal.
Apesar da crise financeira, o "JB" havia se mantido em posição de destaque no jornalismo. Teve papel importante na investigação da bomba do Riocentro, detonada por militares em um show comemorativo do 1º de Maio, em 1981, e desvendou a fraude eletrônica que tentou impedir a vitória de Leonel Brizola na eleição para o governo do Rio, em 1982.
Na década de 90, a decadência econômica do "JB" parecia irreversível. Tentativas de vender o jornal tinham fracassado, em parte por divergências internas na família Nascimento Brito. Em 1992, o empresário se afastou da administração direta do diário para assumir a presidência do conselho.
Em 1994, tornou-se presidente do conselho editorial, responsável pela área política de todo o sistema. No ano seguinte, transferiu a José Antônio do Nascimento Brito as principais funções executivas. José Antônio já tinha ocupado a direção do "JB" no final dos anos 70 e início dos 80, depois que o pai sofreu o primeiro derrame. Na época, chegou a lançar duas revistas, "Viva", dedicada a esportes, lazer e forma física, e "Brasil S.A.", que pretendia ser uma espécie de "Fortune" brasileira.
Mesmo sem função executiva, Nascimento Brito manteve o hábito de se reunir todo dia, às 15h, com a equipe de editorialistas. Segundo o depoimento de chefes de Redação que passaram pelo "JB", não costumava interferir na edição das notícias, mas manteve influência sobre a página editorial. Só se afastou do jornal em 2000.
Em janeiro de 2001, a família Nascimento Brito fechou contrato com o empresário Nelson Tanure, que arrendou o título do jornal por um período de 60 anos, renováveis por mais 30 anos, e duas emissoras de rádio do grupo -Cidade e JB-, por dez anos. Tanure comprou ainda a Agência JB e o site JB Online.
Conhecido por comprar empresas em estado pré-falimentar para recuperá-las e vendê-las, Tanure pagou R$ 70 milhões à família. Para administrar o negócio, criou uma nova empresa, a Companhia Brasileira de Multimídia, da qual detém 77% do capital -os outros 23% pertencem a José Antônio do Nascimento Brito.
A antiga empresa, Jornal do Brasil Ltda, ficou com a sede e com uma dívida estimada em cerca de R$ 750 milhões na época da venda -grande parte dela com bancos, além de débitos trabalhistas e previdenciários. Hoje, o "JB" tem um acordo operacional com o diário carioca "O Dia" para unir suas atividades administrativas e comerciais -as redações são independentes. Ambos já são impressos na gráfica de "O Dia".



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