São Paulo, terça-feira, 09 de fevereiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

FHC cita méritos e omite erros

Tucano propõe comparação bizantina entre o seu programa de obras e o PAC

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Não é difícil, para FHC, listar corretamente méritos de seu governo negados pela retórica palanqueira de Lula. Mais complicado é revisitar o período sem provocar a lembrança de erros e deficiências, também reais, que contribuíram para afastar os tucanos do Planalto.
"Sem medo do passado" é o título do artigo que o ex-presidente escreveu em defesa de seus dois mandatos. Se não há mesmo medo, as entrelinhas deixam transparecer que persiste, pelo menos, desconforto. Omissões e meias verdades contrastam com a defesa, alardeada no texto, de uma "política mais consciente e benéfica para todos".
Em exatas 998 palavras e cifras que descem a minúcias, não há uma única menção, no exemplo mais flagrante, ao crescimento econômico -goste-se ou não, o indicador mais universalmente utilizado para mensurar o sucesso das administrações nacionais.
No mais perto que chega do tema, FHC propõe uma comparação bizantina entre o seu programa de obras Avança Brasil e o PAC petista, ambos conhecidos pela discrepância entre metas e realizações. E, claro, sem falar na crise de abastecimento de energia elétrica.
A renda nacional cresceu à média de 2,2% ao ano sob FHC e deve encerrar o período lulista com taxa anual de 3,7%, se confirmadas as expectativas dos analistas. Mais importante politicamente, o primeiro começou seu governo com expansão acelerada e terminou em estagnação, enquanto o segundo obteve o resultado inverso.
Nos últimos anos, os tucanos, com boa dose de razão, vinham atribuindo a vantagem de Lula à sorte de governar em um período de rara prosperidade internacional, livre das turbulências financeiras da década passada. Essa argumentação perdeu charme, no entanto, com o colapso global do final de 2008, do qual o Brasil saiu com perspectivas de rápida recuperação.
No artigo do ex-presidente, a única razão apresentada para a crise herdada por Lula é o temor provocado nos credores e investidores "por anos de "bravata" do PT e dele próprio" -nada se diz sobre a escalada das dívidas interna e externa nos anos anteriores, consequência de políticas do primeiro mandato tucano, corrigidas tardiamente no segundo.
Dólar barato e gasto público sem amarras sustentaram a popularidade inicial de FHC e garantiram sua reeleição no primeiro turno, mas levaram o endividamento público de menos de 30% para quase 50% do Produto Interno Bruto.

Câmbio e superavit
As medidas de ajuste adotadas a partir de 1999 -câmbio flutuante e metas de superavit fiscal- foram mantidas pelos petistas, como gostam de lembrar os tucanos. Mas tampouco o crédito, nesse caso, cabe à gestão FHC: tratou-se de uma imposição do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Não por acaso, os indicadores mais palpáveis de melhora social do texto do ex-presidente estão circunscritos a seu primeiro governo. É o caso da queda aguda da pobreza, do aumento do rendimento médio mensal dos trabalhadores, do reajuste mais generoso do salário mínimo.
O artigo dribla o inconveniente com saltos nas datas. Recorda-se, por exemplo, que, "com o Real, a população pobre diminuiu de 35% para 28% do total" e depois menciona-se a taxa de 18% registrada em 2007, já sob o governo Lula. Não se menciona que, após a queda brusca do primeiro ano, a pobreza permaneceu nos mesmos patamares no restante do governo tucano.
Iniciativas celebradas do segundo mandato geraram mais frutos sociais, econômicos e políticos para Lula que para FHC. Além das correções da política econômica, o exemplo clássico é a criação do Bolsa Escola, depois ampliado e rebatizado como Bolsa Família.


Texto Anterior: Ministros de Lula defendem comparação de gestões
Próximo Texto: Bate-boca
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.