São Paulo, quarta-feira, 09 de março de 2005

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ELIO GASPARI

Lembra do telefone? Vai acabar

Nova York é uma cidade sabidamente pobre, com a população obrigada a viver, na média, com US$ 36 mil dólares anuais. Lá, como em diversas localidades americanas, a internet telefônica transformou-se num campo de competição empresarial. O Brasil, país sabidamente rico (US$ 3.300 anuais, na média), não precisa dessa bobagem. Talvez seja por isso que as grandes operadoras não batalham pela regulamentação do serviço, evitando assim a disputa comercial em torno de uma nova tecnologia que, na essência, prenuncia o fim do telefone como tal. Esse serviço só está disponível em Pindorama para grandes empresas. Os consumidores residenciais, se quiserem, precisam buscá-lo no exterior.
Uma operadora baseada na Europa cobra US$ 13 por mês e dá aos seus assinantes americanos dez horas de telefonia, seja para onde for. Aos demais, dá tarifas de sonho. Seu programa já foi baixado em 82 milhões de computadores. Nos Estados Unidos, uma empresa cobra US$ 25 a clientes de Nova York, sem limite de tempo, safando-os de impostos e taxas. Já conseguiu 400 mil assinantes. A Comcast, uma das grandes companhias de TV a cabo do país, já anunciou que vai entrar na competição. A Microsoft desenvolveu o programa Istanbul, que empacotou num só volume as mensagens eletrônicas e o operador de internet telefônica.
Houve um tempo em que as empresas estatais faziam reserva de mercado de serviços. Privatizou-se o sistema e namora-se a reserva de mercado tecnológica. A Telefônica informou ao repórter Pedro Marques que está "preparada a oferecer serviços de voz sobre IP quando for adequado a seus clientes". A Brasil Telecom diz parecido: "Assim que acharmos o momento adequado, faremos um posicionamento sobre os serviços". Até lá, posicione-se, sentada, a patuléia.
Com uns poucos acessórios (nada a ver com aparelhos especiais), qualquer computador ligado à rede por meio de um sistema de banda larga pode se transformar num telefone, com menos tarifas, menos impostos e mais recursos. Por exemplo: o cidadão tem conta em São Paulo, mas sua mãe mora em Manaus. Ele compra um número virtual no Amazonas e recebe telefonemas da mãe sem que ela pague a tarifa interestadual. Em 1999, Tim Berners-Lee, a pessoa mais próxima do título de "inventor da internet", já avisava que a ligação telefônica sem custo para o consumidor era coisa possível.
Há aí uma complexa, e bonita, questão de política pública. A internet telefônica reduz em cerca de 80% o preço das chamadas para quem tem computador e acesso de banda larga. Ou seja, refresca a vida do andar de cima. Mais: ela desafia a abusiva tributação telefônica. Enquanto isso, o andar de baixo continuará preso ao celular, as tarifas mais altas do mercado. Quiseram tributar os ricos. Vão tungar os pobres.
O que se pode fazer para aumentar o número de domicílios brasileiros com computador? Como se poderia trazer alguns milhões de brasileiros para dentro do serviço de banda larga? Vale a pena? Nessa hora, deve-se invocar o espírito de Sérgio Motta. Em 1995, os burocratas queriam que a Embratel (na sua encarnação estatal) tivesse o monopólio do provimento da internet. Havia 15 mil pessoas na fila, esperando para entrar na rede. Motta e FFHH chutaram o pau da barraca e entregaram o caso ao mercado.
O Brasil já está grandinho. O governo deveria ir para a porta da Anatel para chamar empresários interessados em abrir negócios de internet telefônica. Se eles conseguirem clientes, parabéns. Se não, pena.


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