São Paulo, quinta-feira, 09 de março de 2006

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Estudioso das Forças Armadas vê "resíduo estamental" em incidente

DA REDAÇÃO

O historiador José Murilo de Carvalho, autor de "Forças Armadas e Política no Brasil", acredita que o gesto do general Francisco Albuquerque mostra que o Brasil exibe traços de desigualdade social herdados do período colonial.
 

Folha - As dificuldades enfrentadas pelos funcionários que tentam aplicar as leis de forma igualitária numa sociedade não-igualitária se originam de nossa herança escravocrata ou seriam comuns a todas as sociedades de classes?
José Murilo de Carvalho -
A escravidão ajudou, mas não explica tudo. A hierarquização da sociedade brasileira antecede a escravidão. Vem de uma sociedade organizada em estamentos, onde cada um ocupa seu lugar. Não se trata também de produto de sociedade de classes. Os EUA são uma sociedade de classes e têm valores igualitários. Lá não se diz: "Você sabe com quem está falando?", mas "Quem você pensa que é?", como bem analisou Roberto DaMatta.

Folha - O episódio explicitou o temor das empresas privadas diante de possíveis retaliações do Estado. Seria correto dizer que a separação entre os setores público e privado ainda não se consumou?
Carvalho -
Assim como ainda não nos livramos dos resíduos estamentais, também ainda lutamos contra o patrimonialismo. De novo, nem capitalistas somos.

Folha - A repercussão alcançada pelo episódio sugere que esses casos estão mais raros?
Carvalho -
Os casos estão se tornando mais raros porque a reação se torna mais rápida e mais forte. Como fenômeno social, a carteirada é parecida com a corrupção. A corrupção diminui quando mais pessoas resolvem dizer: ou tem para todos ou não tem para ninguém. Ou se democratiza a carteirada ou se acaba com ela. Como democratizá-la é impossível, já que sua essência é a desigualdade, só resta acabar com ela.


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