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Estudioso das Forças Armadas vê
"resíduo estamental" em incidente
DA REDAÇÃO
O historiador José Murilo de
Carvalho, autor de "Forças Armadas e Política no Brasil", acredita
que o gesto do general Francisco
Albuquerque mostra que o Brasil
exibe traços de desigualdade social herdados do período colonial.
Folha - As dificuldades enfrentadas pelos funcionários que tentam
aplicar as leis de forma igualitária
numa sociedade não-igualitária se
originam de nossa herança escravocrata ou seriam comuns a todas
as sociedades de classes?
José Murilo de Carvalho - A escravidão ajudou, mas não explica
tudo. A hierarquização da sociedade brasileira antecede a escravidão. Vem de uma sociedade organizada em estamentos, onde cada
um ocupa seu lugar. Não se trata
também de produto de sociedade
de classes. Os EUA são uma sociedade de classes e têm valores igualitários. Lá não se diz: "Você sabe
com quem está falando?", mas
"Quem você pensa que é?", como
bem analisou Roberto DaMatta.
Folha - O episódio explicitou o temor das empresas privadas diante
de possíveis retaliações do Estado.
Seria correto dizer que a separação
entre os setores público e privado
ainda não se consumou?
Carvalho - Assim como ainda
não nos livramos dos resíduos estamentais, também ainda lutamos contra o patrimonialismo.
De novo, nem capitalistas somos.
Folha - A repercussão alcançada
pelo episódio sugere que esses casos estão mais raros?
Carvalho - Os casos estão se tornando mais raros porque a reação
se torna mais rápida e mais forte.
Como fenômeno social, a carteirada é parecida com a corrupção.
A corrupção diminui quando
mais pessoas resolvem dizer: ou
tem para todos ou não tem para
ninguém. Ou se democratiza a
carteirada ou se acaba com ela.
Como democratizá-la é impossível, já que sua essência é a desigualdade, só resta acabar com ela.
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