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Pará entrega kit escolar elogioso ao governo
Alunos da rede pública receberam agenda e revista com fotos da governadora Ana Júlia Carepa (PT) e textos exaltando sua gestão
Secretária da Educação diz que material foi aprovado pela assessoria jurídica do governo; especialistas veem indícios de irregularidade
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELÉM
O governo do Pará está distribuindo a alunos de rede estadual 1 milhão de kits escolares e
10 mil revistas com o logotipo
da gestão de Ana Júlia Carepa
(PT), o nome da governadora e
textos elogiosos à própria administração.
Segundo o artigo 37 da Constituição, é proibido "constar
nomes, símbolos ou imagens
que caracterizem promoção
pessoal de autoridades ou servidores públicos" na "publicidade dos atos, programas,
obras, serviços e campanhas
dos órgãos públicos". O objetivo da lei é garantir o princípio
da impessoalidade.
Dois especialistas em direito
administrativo consultados pela Folha disseram ver fortes indícios de irregularidades no
material. Afirmaram que eles
podem vir a caracterizar improbidade administrativa, que
prevê como sanções desde
multa até a perda dos direitos
políticos dos responsáveis.
Para o advogado Alberto Rollo, os kits e as revistas ferem a
lei. "Isso é expressamente vedado pela Constituição." Mesma opinião teve Pedro Serrano,
professor de direito da PUC-SP, que fez a ressalva de que a
avaliação era "em tese", uma
vez que ele não viu pessoalmente o kit e a revista. Para ele,
"no mínimo", o caso deve ser
investigado.
A secretária da Educação,
Iracy Gallo, negou qualquer irregularidade e disse que os materiais foram aprovados pela
assessoria jurídica do governo
(leia texto nesta página).
É ela quem assina um texto
na agenda escolar, um dos itens
que compõem o kit, no qual há
também duas camisetas e uma
mochila. "Caro aluno, esta
agenda é um presente. Demonstra nosso compromisso
com a dignidade e com o ensino público de qualidade", diz.
Na página ao lado, há os nomes da secretária e da governadora. A contracapa é quase toda ocupada pelo logotipo.
Superfaturamento
As cadernetas custaram aos
cofres públicos R$ 12,5 milhões, ou R$ 12,5 por unidade.
No total, o governo investiu R$
47,8 milhões nos kits. Nas mochilas também há o logotipo da
administração. A reportagem
não viu as camisetas. Segundo a
Secretaria da Educação, elas estão sendo feitas de forma independente por conselhos educacionais estaduais e, por isso,
têm diferentes estampas.
Os kits fazem parte de uma
campanha publicitária de um
projeto do governo que prevê a
"qualificação de professores", a
"democratização da gestão" e a
"reforma de escolas". Nas últimas semanas, a distribuição do
material tem sido destaque nas
propagandas oficiais estaduais.
Algumas entregas foram feitas pela própria Ana Júlia, que
aproveitou a oportunidade para elencar as "conquistas" de
sua gestão. "Estas políticas públicas têm a marca do nosso governo, a marca da inclusão social", disse durante cerimônia,
no último sábado.
A questão dos preços cobrados pelas agendas também levou deputados estaduais da
oposição à governadora a suspeitarem de superfaturamento
-informação negada pela secretária da Educação.
Argumentam que a compra
de 1 milhão de unidades possibilitaria um desconto substancial no valor.
Anteontem, a Folha fez uma
cotação de preços em quatro
papelarias do varejo de Belém.
A agenda escolar mais cara encontrada custava R$ 21,80. A
mais barata, R$ 4,70. Um dos
modelos, com cerca de 400 páginas (o dobro da entregue no
kit) e acessórios como adesivos
(que a do governo não tem), era
vendida a R$ 8.
Revista
Chamada de "Educação em
Revista", o material distribuído
às escolas e bibliotecas anualmente é um "instrumento pelo
qual prestamos contas", de
acordo com um "editorial" escrito pela secretária Gallo. No
texto, ela elenca também diversas ações de sua pasta.
A "mensagem da governadora" diz: "Em dois anos de mandato, já fizemos muito nesta
área [educação]. Oferecemos
reajustes aos trabalhadores [...]
e iniciamos o processo de reforma de escolas em todo o Estado". Cita o kit escolar e diz que
ele é a "novidade deste ano".
Acompanham os dois textos
fotos da governadora e da secretária, que também aparecem ilustrando "reportagens"
sobre investimentos da administração estatal.
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