São Paulo, Terça-feira, 09 de Março de 1999
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JANIO DE FREITAS
O popular


Ninguém quer um médico apenas regular. Como não quer um advogado regular. Nem ser julgado, na eventualidade de sê-lo, por um juiz regular. A razão é sempre a mesma: a consciência de que os praticantes daquelas atividades, além de muitas outras, lidam com aspectos importantes da vida alheia, muitas vezes o destino mesmo desta vida.
Em funções com tamanha responsabilidade, designar um desempenho como regular é acusá-lo de insuficiência onde a insuficiência não pode ser aceita. Logo, esse desempenho não é regular, é ruim ou péssimo. Como são bons ou ótimos, e não regulares, os desempenhos à altura do necessário ou mais do que isso.
As sondagens de opinião incluem, no entanto, a escala de regular quando avaliam o desempenho de governantes. O que é um governante regular, isso não foi estabelecido. E talvez jamais o seja. Mas a função de governar não só se inclui entre as que não admitem a avaliação de regular, por suas consequências determinantes sobre a vida alheia. A ação dessas consequências se estende na escala de multidões, com efeitos muito mais profundos e decisivos que os de qualquer outra atividade. O ato de governar é sempre radical, porque até sua omissão tem reflexos profundos. Mais uma razão a negar a avaliação anódina do regular e só admitir a nitidez, ou a radicalidade para quem prefira, do ruim e do péssimo, do bom e do ótimo.
Do ponto de vista político, o uso da avaliação nas pesquisas tem sido muito útil para os governantes. Funciona, quase sempre, como tábua de salvação, ao permitir o falso argumento de que naquela parcela expressiva não há aplauso, mas também não há reprovação. Os que se dão por satisfeitos, porém, seja qual for a medida da satisfação, tendem muito mais a votar em conceito bom do em que regular. Ao passo que o conceito regular oferece um abrigo cômodo para os que tenderiam a fazê-lo com reprovação, se forçados a escolher conceito nítido.
Nas análises políticas das pesquisas de opinião, o percentual atribuído a regular é lido como requisição de providências tão eloquente quanto os graus de reprovação mais explícita. O regular é interpretado já como reprovação ou reprovação futura. E aí é que está o problema.
Entre outras incontáveis finalidades de igual despropósito, os impostos pagam pesquisas ininterruptas para o presidente da República. E grupos de análise de pesquisas. E marqueteiros e publicitários para providenciar (e faturar) o que as pesquisas sugiram. E os gastos com os eventos e com a propaganda que mantenham o prestígio presidencial em alta ou tentem reverter o desprestígio condenatório.
Mesmo que os números não sejam iguais, a Presidência já dispunha, há semanas, de pesquisas nacionais equivalentes ao Datafolha que captou agora, entre os paulistanos, apenas 18% de ótimo/bom para Fernando Henrique, 38% de regular e 43% de ruim/péssimo. O que dá, se interpretado o regular já como reprovação ou reprovação futura, 81%.
Aos pagadores de impostos não bastará, porém, entrar com os cifrões para o esforço de melhoria da imagem presidencial. Os jornalistas fomos escalados pelos marquerteiros e publicitários do Planalto para fazer a campanha. E os leitores/espectadores foram escolhidos para aceitar os truques ilusionistas. Por isso, já na semana passada voltaram os eventos que não têm mais propósito do que obter fotos de Fernando Henrique nas primeiras páginas e filmecos em jornalecos televisivos.
O programa planaltino é pesado. E os meios de comunicação mal tinham começado a perceber a distância a que se puseram da opinião pública. Ainda bem que é uma batalha bem à vista, para divertir e instruir. Entre a opinião pública, que já se mostrou capaz de percepções e julgamentos mesmo que sem a intermediação esperável do jornalismo, e os truques ilusionistas.



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