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JANIO DE FREITAS
O popular
Ninguém quer um médico apenas regular. Como não quer um
advogado regular. Nem ser julgado, na eventualidade de sê-lo, por
um juiz regular. A razão é sempre
a mesma: a consciência de que os
praticantes daquelas atividades,
além de muitas outras, lidam com
aspectos importantes da vida
alheia, muitas vezes o destino
mesmo desta vida.
Em funções com tamanha responsabilidade, designar um desempenho como regular é acusá-lo de insuficiência onde a insuficiência não pode ser aceita. Logo,
esse desempenho não é regular, é
ruim ou péssimo. Como são bons
ou ótimos, e não regulares, os desempenhos à altura do necessário
ou mais do que isso.
As sondagens de opinião incluem, no entanto, a escala de regular quando avaliam o desempenho de governantes. O que é um
governante regular, isso não foi
estabelecido. E talvez jamais o seja. Mas a função de governar não
só se inclui entre as que não admitem a avaliação de regular, por
suas consequências determinantes sobre a vida alheia. A ação
dessas consequências se estende
na escala de multidões, com efeitos muito mais profundos e decisivos que os de qualquer outra atividade. O ato de governar é sempre radical, porque até sua omissão tem reflexos profundos. Mais
uma razão a negar a avaliação
anódina do regular e só admitir a
nitidez, ou a radicalidade para
quem prefira, do ruim e do péssimo, do bom e do ótimo.
Do ponto de vista político, o uso
da avaliação nas pesquisas tem sido muito útil para os governantes. Funciona, quase sempre, como tábua de salvação, ao permitir
o falso argumento de que naquela
parcela expressiva não há aplauso, mas também não há reprovação. Os que se dão por satisfeitos,
porém, seja qual for a medida da
satisfação, tendem muito mais a
votar em conceito bom do em que
regular. Ao passo que o conceito
regular oferece um abrigo cômodo para os que tenderiam a fazê-lo com reprovação, se forçados a
escolher conceito nítido.
Nas análises políticas das pesquisas de opinião, o percentual
atribuído a regular é lido como
requisição de providências tão
eloquente quanto os graus de reprovação mais explícita. O regular é interpretado já como reprovação ou reprovação futura. E aí é
que está o problema.
Entre outras incontáveis finalidades de igual despropósito, os
impostos pagam pesquisas ininterruptas para o presidente da República. E grupos de análise de
pesquisas. E marqueteiros e publicitários para providenciar (e faturar) o que as pesquisas sugiram. E
os gastos com os eventos e com a
propaganda que mantenham o
prestígio presidencial em alta ou
tentem reverter o desprestígio
condenatório.
Mesmo que os números não sejam iguais, a Presidência já dispunha, há semanas, de pesquisas
nacionais equivalentes ao Datafolha que captou agora, entre os
paulistanos, apenas 18% de ótimo/bom para Fernando Henrique, 38% de regular e 43% de
ruim/péssimo. O que dá, se interpretado o regular já como reprovação ou reprovação futura, 81%.
Aos pagadores de impostos não
bastará, porém, entrar com os cifrões para o esforço de melhoria
da imagem presidencial. Os jornalistas fomos escalados pelos
marquerteiros e publicitários do
Planalto para fazer a campanha.
E os leitores/espectadores foram
escolhidos para aceitar os truques
ilusionistas. Por isso, já na semana passada voltaram os eventos
que não têm mais propósito do
que obter fotos de Fernando Henrique nas primeiras páginas e filmecos em jornalecos televisivos.
O programa planaltino é pesado. E os meios de comunicação
mal tinham começado a perceber
a distância a que se puseram da
opinião pública. Ainda bem que é
uma batalha bem à vista, para divertir e instruir. Entre a opinião
pública, que já se mostrou capaz
de percepções e julgamentos mesmo que sem a intermediação esperável do jornalismo, e os truques ilusionistas.
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