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Disputas entre ministros, ação fragmentada e mau gerenciamento ofuscam vitrine de Lula
Fome Zero engasga e área social, desordenada, patina
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
No pronunciamento em cadeia
de rádio e TV de anteontem à noite, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva disse que ficaria realizado
se, ao final do mandato, nenhum
brasileiro precisar de doação de
cesta básica para se alimentar.
Faltou dizer que a volta das cestas
-de forma direta ou disfarçada- é uma novidade da política
social de Lula e o maior indício de
um eventual retrocesso no que
deveria ser a vitrine do governo
petista, que começou marcada
por uma série de confusões
-operacionais, políticas e de
concepção.
No Brasil, as cestas básicas -sinônimo de assistencialismo-
deixaram de ser distribuídas no
final de 2000 para dar lugar a programas de transferência de renda:
dinheiro na mão da população
pobre para comprar o que bem
entendesse. Na maioria dos casos,
o dinheiro comprou alimentos.
A volta disfarçada da cesta básica se deu na forma do Cartão-Alimentação, principal novidade do
Fome Zero. Inspirado no quase
quarentão Food Stamp norte-americano, o Fome Zero fixou o
valor de R$ 50 por família e determinou que o dinheiro só poderá
ser usado na compra de comida.
Segundo seus idealizadores "um
atalho para combater a pobreza",
o programa de Lula parece ter dificuldades para deslanchar
-além de ser criticado por especialistas em política social.
Alvo de críticas e de dúvidas inclusive entre petistas e no governo, o programa mostrou-se tão
forte até aqui quanto o seu idealizador, o ministro José Graziano
(Segurança Alimentar e Combate
à Fome). Lula resistiu às pressões
para demiti-lo. Para o futuro, a
idéia é transformar o Fome Zero
em padrão de política social, dispensando as famílias de contrapartidas obrigatórias, como a frequência às aulas exigida no programa Bolsa-Escola.
A proposta do ministro Cristovam Buarque (Educação) de aumentar o valor da bolsa (de R$ 15
por aluno, até o limite de R$ 45
por família) também foi abatida
como tentativa de ataque ao Fome Zero, num dos episódios de
desencontros na área social, onde
ainda falta um comandante nos
moldes em que Antonio Palocci
Filho é na área econômica e José
Dirceu, na área política.
A volta da cesta básica de forma
explícita foi anunciada logo depois do Carnaval. As primeiras
deverão chegar nos próximos dias
a cerca de 60 mil sem-terra acampados, à espera da reforma agrária. A distribuição atendeu a um
pedido do ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário).
Sem dinheiro para levar adiante
novos assentamentos, Rossetto
cuidou de atender com cestas os
não-assentados. Trata-se de um
programa emergencial, com prazo de três meses para terminar.
A forma de lidar com o MST
(Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra), merece registro na história dos cem primeiros
dias de gestão Lula. Sem clima político para levar adiante o debate
da MP editada por FHC com o
objetivo de conter as invasões de
terra, o governo vem descumprindo as punições previstas aos
invasores: optou por deixar a lei
no papel.
Também ficará no papel boa
parte dos investimentos na área
social autorizados pela lei do Orçamento de 2003. Por conta do
corte de gastos acertado com o
FMI, 72% dos investimentos públicos foram suspensos, entre eles
obras de saneamento, importantes no combate à pobreza. Nenhum tostão dos R$ 217,9 milhões
de investimentos previstos em saneamento no ano foi liberado nos
cem primeiros dias de governo
Lula. Nem o Fome Zero ficou
imune aos cortes.
A equipe de Lula completa o período da transição governamental
sem dominar a estrutura que herdou de FHC. Exemplo disso foram as recentes declarações de
Dirceu sobre o Cadastro Único
dos Programas Sociais. Ele disse
que uma auditoria em curso do
TCU revelaria conclusões "escandalosas" sobre a forma eleitoreira
e burocrática como o cadastramento foi feito.
A auditoria, votada pelo tribunal no último dia 19, encontrou
repetição no registro de 27 a cada
mil pessoas cadastradas, além de
problemas na aferição da renda
da população pobre, baseada nas
informações das próprios famílias. Mas considerou os desvios
passíveis de correção.
O relatório da transição chefiada por Palocci sugeria que Lula
adotasse "imediatamente" um
novo modelo de gestão para romper com a "estrutura fragmentada" e articular os programas de
transferência de renda. Outra coisa que ainda está no papel. Lula
não seguiu o conselho e criou um
sexto ministério para cuidar dos
programas -o de Graziano.
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