São Paulo, sexta-feira, 09 de abril de 2004

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ENERGIA POLÍTICA

Viegas diz que EUA querem ter acesso à tecnologia brasileira; preocupação com arma nuclear "não se aplica a nós"

Para Defesa, interesse comercial gera pressão

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro José Viegas (Defesa) disse ontem ver motivações comerciais na recente pressão dos Estados Unidos para que o Brasil assine protocolo dando acesso irrestrito à sua fábrica de combustível nuclear de Resende (RJ). Para ele, o contencioso tem como causa interesses comerciais aliados a um descabido temor de que o país use seu urânio para fins bélicos.
"Há uma preocupação comercial, provavelmente, e há uma preocupação de proliferação [de armas nucleares], que, no caso, não se aplica a nós", afirmou.
No sábado, o jornal "The Washington Post" publicou reportagem afirmando que o Brasil estaria proibindo a investigação da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) na fábrica de Resende. A suspeita era que o país poderia estar direcionando sua tecnologia para fins bélicos.
Nos bastidores do Palácio do Planalto, a interpretação é que o real objetivo da pressão é forçar o país a dar acesso à sua tecnologia de enriquecimento de urânio, considerada de ponta. Isso se daria por meio da assinatura do protocolo adicional ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o que autorizaria inspeções irrestritas e sem aviso prévio.
Viegas disse que ninguém no governo cogita, neste momento, a possibilidade de assinar esse protocolo. Isso representaria, segundo ele, a possibilidade de uma "devassa" na tecnologia nacional.
"A mudança de procedimento [assinatura do protocolo] implicaria uma devassa da tecnologia brasileira de urânio enriquecido. Aí temos problemas comerciais, de proteção de interesses comerciais, aos quais a agência [AIEA] não pode deixar de dar crédito e cabimento", afirmou Viegas.
O ministro voltou a afirmar que o país "cumpre rigorosamente" suas obrigações com a não-proliferação das armas nucleares e que o país não tem e não pretende ter "nenhum programa militar bélico de indústria nuclear".
Viegas defendeu, por fim, o direito do país de ter indústria nuclear: "É preciso que se saiba com clareza: não estamos escondendo nada nem nos negamos a receber inspeções. Essa é uma posição de toda a nação brasileira. Queremos ter o direito de ter uma indústria nuclear própria".

Discurso afinado
O comandante da Marinha, Roberto de Guimarães Carvalho, mostrou sobre o tema um discurso afinado com o do ministro. Ele discordou veementemente da possibilidade de permitir a inspeção visual das centrífugas de enriquecimento de urânio pela AIEA.
"Todos os procedimentos exigidos pela AIEA já são admitidos no projeto Aramar, em Ipecó [SP], e não há por que mudar o padrão. Seriam necessários argumentos técnicos muito sólidos, e até agora eles não foram feitos", disse.
O almirante afirmou que Ipecó é a única unidade militar do mundo aberta a inspeções internacionais, quatro anunciadas e quatro de surpresa por ano, e que não entende os motivos para a cobrança de mais acesso.
"Só pode ser interesse comercial", disse o comandante da Marinha, frisando que, atualmente, o enriquecimento de urânio que é utilizado no Brasil é feito no exterior e que, com a fábrica de Resende (RJ), a ser instalada experimentalmente em outubro, o Brasil "não só será produtor como poderá ser exportador de urânio enriquecido".
E concluiu: "Isso não interessa a outras pessoas, outras organizações e outros governos". (RANIER BRAGON e ELIANE CANTANHÊDE)


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