São Paulo, domingo, 09 de abril de 2006

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CRISE NO GOVERNO/ VIOLAÇÃO DE SIGILO

Ministro divulga nota para negar informação da revista "Veja" de que articulou defesa de ex-colega; oposição vê quadro "insustentável"

Reunião com Palocci compromete Bastos

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

DA REPORTAGEM LOCAL

A situação do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) se complicou mais ontem com a confirmação, pela assessoria do próprio ministro, de que ele se reuniu com o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e o ex-presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Mattoso no último dia 23, uma semana depois da violação do sigilo do caseiro Francenildo Costa e antes dos depoimentos de Palocci e Mattoso à Polícia Federal.
A reunião, ocorrida na casa do ex-ministro, com a participação também do advogado criminalista Arnaldo Malheiros -que defende entre outros o o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares-, foi revelada na edição da revista "Veja" que começou a circular ontem. Ocorreu quatro dias antes do depoimento de Mattoso à PF, quando revelou ter entregue o extrato do caseiro a Palocci. O Ministério da Justiça negou, em nota, que Bastos tenha articulado a defesa dos dois na violação de sigilo.
Segundo a nota, Bastos foi à reunião com o ex-ministro para apresentar Malheiros a Palocci. "Durante o contato, Malheiros -que é um dos principais especialistas em direito penal do Brasil- fez uma exposição, ouviu e falou sobre alguns aspectos genéricos da questão. (...) Não houve qualquer menção à informação de que o executivo da Caixa [Mattoso] havia entregado extrato bancário ao ministro Palocci."
A nota do ministério, porém, não afirma que Bastos tenha indicado Malheiros para defender Palocci, contrariando o que o próprio advogado afirmou ontem à Folha. Malheiros disse que foi indicado por Bastos para assumir a defesa do ex-ministro, mas acabou não fechando o contrato.
"Eu não conhecia o Palocci. Quando eu falei [a Bastos]: "Mas eu não o conheço", ele até se ofereceu: "Vou lá, te apresento, é até bom, porque ele vai contar o que aconteceu, eu nunca ouvi dele, nunca sentei com ele para saber, enfim, o que ele diz a respeito'", afirmou Malheiros, reconstituindo o que teria ouvido de Bastos.
Malheiros disse que a reunião ocorreu por dois motivos: "[Expliquei] mais ou menos o que é a violação do sigilo bancário, quais são os problemas legais. E queria saber exatamente o que tinha acontecido, para poder chegar a uma conclusão".
Segundo o advogado, quando chegou à casa, Bastos, Palocci e Mattoso já estavam reunidos. A reunião durou cerca de 30 minutos. Ele disse que durante todo o tempo Bastos "não fez comentários, ele ouviu."
De acordo com a revista "Veja", na reunião foi discutida a possibilidade de dar R$ 1 milhão para um funcionário da Caixa assumir a responsabilidade pela violação do sigilo. Malheiros negou ontem que isso tenha sido discutido.
A nota do Ministério da Justiça também nega a afirmação: "Bastos não participou de qualquer outro contato entre os citados no qual tenha sido proposto ou discutido qualquer pagamento a servidores ou envolvidos no caso".
A revista também afirma que foram discutidas as versões que Palocci e Mattoso apresentariam à PF. Segundo a nota do ministério, "Bastos não participou ou tomou conhecimento de encontro para articular suposta estratégia de defesa ou de cobertura para possíveis responsáveis pelo crime de quebra de sigilo". Malheiros também negou: "Até o ponto em que eu estive no assunto, não se chegou a esse nível".
O advogado de Palocci José Roberto Batochio disse ontem que o ex-ministro "nunca" comentou com ele sobre a reunião. Informado de que Malheiros confirmara o encontro, Batochio continuou dizendo que, para ele, "essa reunião nunca existiu porque nunca ninguém se referiu a ela". "O que eu posso dizer, e isso está no depoimento do Palocci, é que todas as esferas do governo, quando tinham qualquer dúvida jurídica, se reportavam ao Ministério da Justiça", afirmou.
O ministro Tarso Genro (Relações Institucionais) saiu em defesa de Bastos. ""Falei com ele agora à tarde. Ele me disse que poderia ficar tranqüilo porque se trata de uma matéria feita através de dados totalmente imaginados", disse. "O Márcio não tem qualquer envolvimento protetivo do Palocci. Pelo contrário. É o responsável pelas investigações e as fez desde o primeiro instante", disse Genro.
Parlamentares da oposição pediram ontem a demissão de Bastos. Para o líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ), a situação do ministro da Justiça ficou "insustentável". "Só o fato de participar da reunião, sendo ministro da Justiça, sendo a PF subordinada a ele, já é uma demonstração de que tentou encobrir erros de Palocci. Ele participou efetivamente do processo, agindo mais como advogado criminalista do que como ministro da Justiça",disse.
O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), disse que a situação de Bastos é desconfortável. "Estamos discutindo se o ministro da Justiça participou ou não de um ato de violência à Constituição. Isso mostra o nível de apodrecimento do governo."
 
Leia abaixo a nota divulgada pelo Ministério da Justiça:
"Em função de especulações e informações equivocadas veiculadas, hoje, a assessoria de Comunicação Social do Ministério da Justiça esclarece que:
1. O ministro Márcio Thomaz Bastos não participou ou tomou conhecimento de encontro para articular suposta estratégia de defesa ou de cobertura para possíveis responsáveis pelo crime de quebra de sigilo do senhor Francenildo da Costa ilegalidade que está sendo investigada pela Polícia Federal.
2. Thomaz Bastos compareceu a uma reunião com o Antonio Palocci, então ministro da Fazenda, na quinta-feira (23/03/ 2005), para apresentar o advogado Arnaldo Malheiros a Palocci. Durante o contato, Malheiros -que é um dos principais especialistas em direito penal do Brasil-, fez uma exposição, ouviu e falou sobre alguns aspectos genéricos da questão. No encontro, ao qual também esteve presente o então presidente da Caixa Jorge Matoso, não houve qualquer menção à informação de que o executivo da Caixa havia entregado extrato bancário ao ministro Palocci.
3. Thomaz Bastos não participou de qualquer outro contato entre os citados no qual tenha sido proposto ou discutido qualquer pagamento a servidores ou envolvidos no caso. O ministro desconhece qualquer informação a respeito, o que já havido sido esclarecido reiteradamente à "Veja".
4. Também ao contrário das informações veiculadas, o ministro da Justiça não declarou em momento algum que esteve totalmente incomunicável em sua viagem a Rondônia. Apesar das dificuldades naquela sexta-feira (17/3), houve possibilidades de contato telefônico com Brasília, na escala em Vilhena e Costa Marques, ocasião em que Thomaz Bastos falou com auxiliares no MJ.
5. O MJ reitera que, no primeiro dia útil após as divulgações de informações bancárias sigilosas do senhor Francenildo Costa foi aberto inquérito policial, conforme determinação do ministro da Justiça, feita já no dia anterior.
6. As investigações da PF estão avançando de forma totalmente independente e esclareceram a participação de servidores públicos no episódio, o que já resultou no indiciamento de duas pessoas. A apuração prossegue sob fiscalização do Ministério Público Federal, também por solicitação do próprio ministro da Justiça. O trabalho do Ministério da Justiça e da Polícia Federal tem sido, ao longo desse governo, marcado pela independência e pela impessoalidade.
Portanto, é completamente fantasiosa e infundada a alegada "cumplicidade" em ilações veiculadas pela revista Veja."


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