São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

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CÉU DE PRESIDENTE

Compra de avião prevê situação de "grave anormalidade"

Governo usa o 11 de Setembro para justificar Airbus de Lula

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A possibilidade de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou um de seus sucessores precisar comandar o país dos céus, "em ambiente de grave anormalidade ou conflito", foi um dos motivos alegados pelo Comando da Aeronáutica para cercar de sigilo detalhes da compra do novo avião presidencial, sigilo esse que também justifica oficialmente a compra sem licitação de um modelo personalizado da Airbus, o Airbus Corporate Jetliner-319.
As explicações constam de documento enviado há poucos dias ao Congresso Nacional pelo ministro José Viegas (Defesa) em resposta a um requerimento de informação. O documento, classificado como "confidencial", lembra que o presidente George W. Bush teve de comandar os Estados Unidos a bordo do "Air Force One" nas horas que se seguiram aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
O "Número Um" do governo brasileiro está em fase de montagem em Hamburgo, na Alemanha. Sabe-se disso em consulta ao site da empresa Airbus, com sede em Toulouse, na França. Detalhes sobre o equipamento pelo qual o governo pagará US$ 56,7 milhões até o final do ano podem ser encontrados no site.
Parte das peças é fabricada nos Estados Unidos, por exemplo. Entre elas, há vários microprocessadores, radares, modernos sistemas de navegação e de segurança. Na fuselagem, é usada uma combinação de fibras sintéticas, de carbono e de vidro. O avião pode pousar sem restrições em aeroportos pelo mundo e tem autonomia para cruzar continentes. Lula poderá ir de Brasília a Paris sem escalas, por exemplo.
A cabine -uma das mais espaçosas, confortáveis e silenciosas de jatos do tipo, conta a empresa- tem cerca de 80 metros quadrados. Seu arranjo interno -mais ou menos luxuoso, com capacidade para abrigar cama de casal, banheiro com chuveiro na área reservada e até uma UTI a bordo- é escolha do freguês.
De acordo com o Comando da Aeronáutica, o ACJ encomendado chegará com uma área reservada com capacidade para oito pessoas e, dependendo do "tipo de missão", mais uma área para 16 a 36 passageiros. Haverá um centro de comunicações a bordo e uma área que pode ser convertida em unidade de terapia intensiva.

Pagamento antecipado
A entrega do avião está prevista para dezembro, quando o governo desembolsar a quarta e última parcela do pagamento.
Ela garantirá o acesso do presidente brasileiro a um time restrito de governantes que dispõem de um ACJ em sua frota. Os governos da Itália, da Venezuela e da França têm cinco desses aviões, e os dos Emirados Árabes e da Tailândia fizeram encomendas recentemente.
A primeira parcela, no valor de R$ 47 milhões, foi paga em fevereiro, dias depois do fechamento do contrato com a Airbus. O pagamento ainda representa o mais caro investimento feito nos primeiros quatro meses do ano pelo governo federal.
Os próximos pagamentos estão marcados para junho (R$ 48,7 milhões), agosto (R$ 40,6 milhões) e dezembro (R$ 32,1 milhões). Os preços em real podem variar de acordo com a cotação do dólar na data do desembolso.
Em resposta a um pedido feito pela Folha, o Comando da Aeronáutica disse que o contrato assinado em fevereiro com a Airbus não pode ser divulgado porque é sigiloso e envolve questões de segurança nacional.
O caráter sigiloso do negócio é reiterado pelo ministro José Viegas em resposta a um requerimento de informação do deputado Chico Alencar (PT-RJ). O governo lançou mão de um decreto baixado em 1997 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso para comprar o avião sem licitação -mecanismo que teoricamente assegura transparência ao negócio, além de menor preço.
O texto do decreto prevê que para a compra de "recursos aeroespaciais" o governo possa dispensar licitação quando ela colocar em risco objetivos de segurança nacional.

Custo da hora de vôo
Para justificar a compra, o Comando da Aeronáutica usou dados da empresa de consultoria Conklin & de Decker Associates. Eles comparam o custo da hora de vôo e da manutenção do ACJ e do Boeing-707, usado no transporte do presidente e cuja substituição foi negociada desde maio do ano passado, quando se chegou à conclusão de que o avião era obsoleto. Numa viagem de ida e volta a Londres, por exemplo, a economia de gastos conseguida pelo modelo escolhido chegaria a R$ 360 mil, afirma um documento encaminhado pelo ministro Viegas ao Congresso.
"Após todas as análises efetuadas, a comissão de seleção do projeto VC-X identificou a proposta da empresa Airbus como sendo a opção mais vantajosa no conjunto das avaliações das áreas técnica, logística, "offset" (compensação industrial e tecnológica) e comercial", resume.
O documento explica a dispensa de licitação nos seguintes termos: "O conhecimento indiscriminado das características do projeto por parte de outros países ou mesmo de grupos ou entidades que exerçam atividades ilícitas pode vir a comprometer a segurança da aeronave e, por conseguinte, do próprio presidente da República".
A brasileira Embraer não participou do negócio porque não dispõe de aeronaves desse tipo.



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