São Paulo, domingo, 09 de julho de 2006

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ELEIÇÕES 2006/AGENDA LIBERAL

Lula é presidente mais ortodoxo em 20 anos

Desde a redemocratização, atual governo é o primeiro a não adotar medidas heterodoxas e a manter modelo econômico do antecessor

Diferentemente do que esperavam investidores, petista limitou-se a seguir política de disciplina fiscal e juros altos contra inflação

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Outrora candidato mais temido pelos mercados, Luiz Inácio Lula da Silva disputará sua quinta eleição presidencial defendendo os resultados do governo mais conservador na economia desde a redemocratização do país.
No período, Lula é o único presidente a não ter adotado nenhuma medida do arsenal heterodoxo de combate à inflação. Ao contrário de seus antecessores -todos, em tese, à sua direita no mapa ideológico do país- e do discurso histórico petista, limitou-se à disciplina fiscal e aos juros altos prescritos nos manuais ortodoxos de conduta econômica.
A administração petista foi também a primeira a manter intactas todas as diretrizes das políticas fiscal, monetária e cambial herdadas do antecessor. Até o tucano Fernando Henrique Cardoso substituiu integralmente, em seu segundo mandato, o modelo macroeconômico do primeiro.
Em andamento desde o início da década passada, a agenda de reformas de orientação liberal não foi interrompida por Lula, mas foi em seu governo que avançou menos. Foram aprovadas a reforma da Previdência, as PPPs (Parcerias Público-Privadas) e a nova Lei de Falências, mas as duas primeiras não chegaram a ser postas em prática por falta de medidas complementares.

"Mudar para valer"
"O povo brasileiro quer mudar para valer. Recusa qualquer forma de continuísmo, seja ele assumido ou mascarado", dizia, em 2002, o principal documento da campanha de Lula, a "Carta ao Povo Brasileiro", paradoxalmente utilizado ainda hoje pelos petistas para se defender das acusações de estelionato eleitoral.
É que, nos trechos endereçados não ao "povo brasileiro", mas ao mercado financeiro, a "Carta" prometia o respeito aos contratos, os superávits primários, combate à inflação e um período de transição -sem data para acabar- até a prometida transformação da economia.
No primeiro ano de mandato, Lula dedicou-se a desmontar a armadilha que o PT armara para si nos anos de oposição. Inseguros, os investidores haviam promovido uma disparada do dólar, com ameaças de descontrole da inflação e necessidade de alta dos juros.
De 2004 em diante, os ventos favoráveis da conjuntura internacional ajudaram a cartilha ortodoxa a apresentar, sob Lula, uma combinação de resultados mais favorável que qualquer outra na história recente -inflação baixa, superávit comercial, dívida pública estável e aceleração, ainda que ligeira e sujeita a interrupções, da atividade econômica.
O conservadorismo até hoje não assimilado pelo PT e seus aliados tradicionais já foi incorporado à retórica do presidente -em seus discursos, tornou-se freqüente a condenação aos planos econômicos que marcaram o período pós-regime militar. A propaganda oficial, enquanto isso, insiste que "um novo modelo de desenvolvimento" está em curso.

Mesmo capítulo
Na história econômica do país, porém, vive-se um mesmo capítulo desde o esgotamento do desenvolvimentismo que predominou no século passado. Abandonadas a intervenção estatal e as restrições às transações com o resto do mundo, continua-se em busca de um modelo que permita a volta do crescimento duradouro.
Desde 1985, cada presidente lidou a seu modo com a herança dos anos desenvolvimentistas: um Estado em permanente dificuldade para equilibrar receitas e despesas e uma inflação só domada hoje pelas taxas de juros mais altas do mundo.
José Sarney testou quase todo os malabarismos heterodoxos nos Planos Cruzado, Bresser e Verão; Fernando Collor seqüestrou os depósitos bancários -heterodoxia, neste caso, é um eufemismo- e iniciou a abertura da economia e as privatizações; Itamar Franco lançou o Plano Real; Fernando Henrique Cardoso teve oito anos para tentar câmbio fixo e câmbio flutuante, aumento e controle de gastos, déficits e superávits comerciais.
Do segundo mandato de FHC ficou o arranjo macroeconômico integralmente preservado por Lula, inspirado pelo Fundo Monetário Internacional e baseado em superávits primários (a economia de parte da arrecadação para o abatimento de dívida), metas de inflação e livre flutuação do dólar.
Mesmo economistas ortodoxos, porém, já apontam a exaustão da fórmula, incapaz de deter a expansão do gasto público, reduzir a dívida interna e os juros.


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