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ELIO GASPARI
Grande retrato do rei da privataria
Percival Farquhar foi o
dono do Brasil. Com 40
anos de atraso, sua
biografia está nas livrarias
FINALMENTE FOI editada no
Brasil uma jóia da história da
privataria. É "Farquhar, o último titã", de Charles Gauld. Percival Farquhar (1864-1953) foi o
maior empresário de serviços públicos de Pindorama.
Em cacife de hoje, seria um grande
acionista das maiores empresas geradoras e distribuidoras de energia,
das telefônicas e dos metrôs do Rio e
de São Paulo. Mais os portos do Rio e
do Pará, a Vale do Rio Doce e a Acesita. Foi dono do Amapá, mas devolveu-o. Era um quacre gélido e charmeur cosmopolita de muito estilo:
viveu até 1952 na cobertura do edifício Biarritz (aquele dos toldos laranja, na praia do Flamengo). Na minissérie "Mad Maria", foi o vilão encarnado por Tony Ramos. Nasceu milionário e tornou-se um dos maiores
empresários do mundo. Começou
em 1898, arrematando os bondes de
Havana. Em 1912, encarnava a globalização da belle époque latino-americana. Em dinheiro de hoje, o
investimento das empresas que
criou na região chegava perto dos 50
bilhões de dólares.
Fez maus negócios no Sul e na
Amazônia, mas faliu em 1913 porque
exagerou na especulação com o papelório. Quebrar faz parte da vida de
qualquer empresário. Tentar resolver sua vida com o governo brasileiro é um suplício que o inferno reserva aos piores pecadores. Farquhar
passou 40 anos nesse tormento.
"O último titã" não é um livro divertido, mas tem história. Charles
Gauld, seu autor, foi um professor
que morou no Rio a partir de 1946,
quando começou sua convivência
com o magnata. Publicada nos Estados Unidos em 1964, a obra desapareceu. Os amigos de Farquhar preferiram esquecê-la. Não foi traduzida
nem lida por autores que deveriam
ter corrido atrás. A narrativa de
Gauld mostra alguns fios da teia de
interesses montada no andar de cima do início do século 20. Doutores
que viraram nome de rua, escritórios de advocacia e poderosos de todas as ocasiões compartilham atrevidas notas de fim de capítulo.
O livro expõe as idiossincrasias de
Farquhar (e de Gauld). Ambos batiam duro nos latinos e nos brasileiros. O titã diz coisas assim:
- "Os brasileiros. Assim como todos os povos tropicais, consideravam natural roubar a nação, ignorar
seu bem-estar e arruinar suas florestas e seu solo."
- "Se você descobrir o que fazer
com a Amazônia, me conte."
- Salvador "é a cidade mais africana e corrupta das Américas".
Na visão de Gauld, todos os adversários de Farquhar são desprezíveis.
Candido Gaffrée e Eduardo Guinle
Jr. combateram-no, então Eduardo
seria filho de Gaffrée. Pandiá Calógeras não o atendeu, porque aceitava propinas. Seus defensores são
santos. Assis Chateaubriand, comprou "O Jornal" com dinheiro dele,
mas tratava-se de pagamento de honorários de advogado. Segundo
Gauld, Farquhar não tocava em jabaculê. Deixava o serviço para os advogados.
É no jeitão de libelo colonialista
que está a singularidade do livro.
Nada do que Farquhar achava diferia muito do que pensava (e pensa)
um bom pedaço do andar de cima
nacional. O processo de venda de
concessões do início do século 20
parece-se bastante com as Parcerias
Público-Privadas que estão no cofre
do BNDES. O retrato do investidor
internacional do tipo "amigo-do-Brasil" é velho, fiel e amargamente
atual. Uma coisa ninguém tira do titã: no choque entre o progresso e o
atraso, Farquhar passou a vida ao lado do progresso.
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