São Paulo, quinta-feira, 09 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

Ou isso ou aquilo mesmo

Por mais que a tenham negado, a divisão no governo em duas correntes não precisaria de mais demonstrações. Talvez por isso, e já que nova exibição da divergência essencial se apresentou, quiseram os seus principais personagens distingui-la agora das anteriores com uma qualidade adicional e valiosa.
Enquanto era apenas palavrosa, a divergência entre os proponentes de políticas de crescimento e os continuadores da linha FMI/Fernando Henrique/Malan podiam deixar Lula pairando por aí, com algum discurso engatilhado para a próxima oportunidade, como se a discordância não lhe dissesse respeito. Uma prova de que, apesar de seus engranfinados detratores, Lula tem um lado britânico: o seu lado de rainha da Inglaterra.
Por inadvertência ou por uma frustração que milhões experimentam, Luiz Marinho pela CUT e Paulo Skaf pela Fiesp, de que é o presidente recém-eleito, retomaram de público a idéia de acordo entre empresários, empregados e governo, com o propósito de soltar o Brasil das amarras que o retêm. É a fórmula que fascina tanta gente desde o êxito do pacto social que levou ao grande avanço da Espanha, conduzido pelo Partido Socialista de lá (de comum com o de cá, nada além do nome aqui mais impróprio).
José Dirceu à frente, no ministério, no PT e no Conselho de Desenvolvimento Social (aquela multidão que se reúne para discutir como continuar conselho se não pode aconselhar) depressa se difundiram as adesões. A rigor, a iniciativa que apareceu sob o nome da imóvel CUT e da Fiesp foi impulsionada por reuniões sigilosas que se repetem em série, com integrantes do governo e um grupo dos participantes daquele conselho. Por isso não se deve excluir a hipótese muito provável, para dizer o menos, de ação combinada.
Deu-se o previsível: o centurião Antonio Palocci e sua guarda levantaram prontamente as pontes para impedir o avanço do acordo por políticas de crescimento real, programado, e não inflado pela propaganda da mídia governista.
Passado do palavrório a fatos, a divergência joga Lula, não importa se a contragosto, no centro da questão. Aí se encontram nos arquivos, acessíveis, as entrevistas impressas e os vídeos com as inúmeras afirmações do candidato Lula de que ele, e só ele, tinha as condições naturais e políticas para enlaçar empresários, empregados e governo em um grande entendimento para mudar o Brasil. Afirmações que, com boa dose de razão, tiveram poder sedutor sobre tantos eleitores confiantes em um pacto como solução. O tal Conselho, na sua idéia inicial, foi aliás anunciado como ponto de partida para a construção do grande acordo, e depois inflado para deformar-se e não criar problemas ao outro acordo, o de Lula/ Palocci com as forças internas e externas determinantes da política econômica do governo Fernando Henrique.
Pairar à margem da proposta agora reiterada ou, o que dá no mesmo, ficar com a posição representada por Antonio Palocci será como que um aval de Lula às acusações de que iludiu o eleitorado na campanha, e o trai no governo. Aderir à sua própria pregação de candidato exigirá alterações, inclusive físicas, na fisionomia do governo, de natureza e dimensão que Lula até hoje não se mostrou habilitado a encarar. Coisas que não se fazem com discurso, mas com exercício efetivo da Presidência, de comando.
Não se trata, no entanto, de interrogação cuja resposta nos exija maior tempo de expectativa.


Texto Anterior: Aumenta o número de operários em obra do Tietê
Próximo Texto: Eleições 2004/Campanha: Vitória de Serra trará "crise política" de anos, diz Marta
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.