|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
Ou isso ou aquilo mesmo
Por mais que a tenham negado, a divisão no governo
em duas correntes não precisaria de mais demonstrações. Talvez por isso, e já que nova exibição da divergência essencial se
apresentou, quiseram os seus
principais personagens distingui-la agora das anteriores com
uma qualidade adicional e valiosa.
Enquanto era apenas palavrosa, a divergência entre os proponentes de políticas de crescimento e os continuadores da linha
FMI/Fernando Henrique/Malan
podiam deixar Lula pairando
por aí, com algum discurso engatilhado para a próxima oportunidade, como se a discordância não lhe dissesse respeito.
Uma prova de que, apesar de
seus engranfinados detratores,
Lula tem um lado britânico: o
seu lado de rainha da Inglaterra.
Por inadvertência ou por uma
frustração que milhões experimentam, Luiz Marinho pela
CUT e Paulo Skaf pela Fiesp, de
que é o presidente recém-eleito,
retomaram de público a idéia de
acordo entre empresários, empregados e governo, com o propósito de soltar o Brasil das
amarras que o retêm. É a fórmula que fascina tanta gente desde
o êxito do pacto social que levou
ao grande avanço da Espanha,
conduzido pelo Partido Socialista de lá (de comum com o de cá,
nada além do nome aqui mais
impróprio).
José Dirceu à frente, no ministério, no PT e no Conselho de
Desenvolvimento Social (aquela
multidão que se reúne para discutir como continuar conselho se
não pode aconselhar) depressa
se difundiram as adesões. A rigor, a iniciativa que apareceu
sob o nome da imóvel CUT e da
Fiesp foi impulsionada por reuniões sigilosas que se repetem em
série, com integrantes do governo e um grupo dos participantes
daquele conselho. Por isso não se
deve excluir a hipótese muito
provável, para dizer o menos, de
ação combinada.
Deu-se o previsível: o centurião Antonio Palocci e sua guarda levantaram prontamente as
pontes para impedir o avanço do
acordo por políticas de crescimento real, programado, e não
inflado pela propaganda da mídia governista.
Passado do palavrório a fatos,
a divergência joga Lula, não importa se a contragosto, no centro
da questão. Aí se encontram nos
arquivos, acessíveis, as entrevistas impressas e os vídeos com as
inúmeras afirmações do candidato Lula de que ele, e só ele, tinha as condições naturais e políticas para enlaçar empresários,
empregados e governo em um
grande entendimento para mudar o Brasil. Afirmações que,
com boa dose de razão, tiveram
poder sedutor sobre tantos eleitores confiantes em um pacto como solução. O tal Conselho, na
sua idéia inicial, foi aliás anunciado como ponto de partida para a construção do grande acordo, e depois inflado para deformar-se e não criar problemas ao
outro acordo, o de Lula/ Palocci
com as forças internas e externas
determinantes da política econômica do governo Fernando
Henrique.
Pairar à margem da proposta
agora reiterada ou, o que dá no
mesmo, ficar com a posição representada por Antonio Palocci
será como que um aval de Lula
às acusações de que iludiu o eleitorado na campanha, e o trai no
governo. Aderir à sua própria
pregação de candidato exigirá
alterações, inclusive físicas, na
fisionomia do governo, de natureza e dimensão que Lula até
hoje não se mostrou habilitado a
encarar. Coisas que não se fazem com discurso, mas com
exercício efetivo da Presidência,
de comando.
Não se trata, no entanto, de interrogação cuja resposta nos exija maior tempo de expectativa.
Texto Anterior: Aumenta o número de operários em obra do Tietê Próximo Texto: Eleições 2004/Campanha: Vitória de Serra trará "crise política" de anos, diz Marta Índice
|