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ELEIÇÕES 2006 / PRESIDÊNCIA
Lula adotou ética de Collor, diz Cristovam
"Talvez por isso mesmo, o Collor vai votar no Lula", afirma pedetista, que acusa presidente de ser conivente com escândalos
Candidato, que tem 1% nas
pesquisas, enxerga em Lula
a "tentação de passar por
cima do Congresso" com
medidas antidemocráticas
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
O candidato do PDT à Presidência da República, Cristovam Buarque, disse ontem que
o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva "usurpou a Bolsa-Escola, usurpou a política econômica do Fernando Henrique
[Cardoso] e usurpou a ética do
[Fernando] Collor". E ironizou:
"Aliás, talvez por isso mesmo, o
Collor vai votar no Lula".
Para Cristovam, Lula foi
"omisso ou conivente" diante
dos escândalos que surgiram
no seu governo, como o mensalão, e não terá condições de liderar um pacto nacional -ou
"concertación", como prefere o
governo- com as forças políticas, inclusive as de oposição.
Em entrevista à Folha, Cristovam previu um panorama
sombrio no caso de reeleição
de Lula. Falou em "calote na
economia", na "tentação de
passar por cima do Congresso"
e na possibilidade de "tomar
medidas que desrespeitem as
regras da democracia".
Pernambucano, 62, Cristovam Buarque foi reitor da Universidade de Brasília e governador do Distrito Federal pelo
PT. Hoje, é senador pelo PDT,
com mais quatro anos de mandato, e tem em torno de 1% das
intenções de votos, segundo o
Datafolha. Seu lema de campanha é a educação.
FOLHA - Por que o sr. decidiu ser
candidato a presidente, mesmo depois de perder a reeleição para o governo do DF e de ser demitido do
MEC por Lula?
CRISTOVAM - Quem tem uma
causa não desiste. Além disso,
na eleição seguinte, eu fui o senador mais votado no DF e até
hoje ninguém teve tanto voto
quanto eu tive aqui.
Quanto ao MEC: essa pergunta tinha de ser feita ao presidente Lula. Só não foi por
mensalão, por corrupção nem
por traição. Quando assumi o
ministério, eu peguei o programa do Lula e o levei a sério,
pensei que era para valer, decidi executar tudo, mas todos os
projetos ficaram engavetados
na Casa Civil. Eu levei a sério o
programa do governo Lula, mas
todo mundo sabe que o próprio
Lula não levou.
FOLHA - A forma de sua demissão,
por telefone, diz algo sobre a personalidade do Lula?
CRISTOVAM - A minha demissão
e a substituição do seguinte
[Tarso Genro] para presidir o
PT, e por um secretário-executivo que virou quase um interino por quatro anos, demonstram o desinteresse pela educação. E tudo o vem sendo feito
na área é para o ensino superior. Por quê? Porque tem uma
força corporativa por trás. Não
tem sindicato de analfabeto,
tem? Então, a secretaria para a
erradicação do analfabetismo,
Lula fechou depois que eu saí.
Lula não compartilha da idéia
de que o povo se liberta pela
educação.
FOLHA - A sua candidatura não
tem uma característica muito personalista, não partidária?
CRISTOVAM - Fui escolhido por
dois terços dos votos da convenção, o que é raro, e além disso a minha bandeira é a do
PDT: a educação. O que identifica [Leonel] Brizola? É a educação e a defesa da nação brasileira. É preciso lembrar que, em
1989, meu primeiro voto não
foi no Lula, foi no Brizola.
FOLHA - E o 1% nas pesquisas? O sr.
contava com isso?
CRISTOVAM - Eu queria estar
muito acima, claro. Quero, de
fato, ser presidente do Brasil. O
eleitor está mais preocupado
com o aqui e agora, com a podridão que há na superfície da
política e com a violência no
Brasil. Mas eu quero mudar o
Brasil, derrubar o muro entre
incluídos e excluídos que impede o Brasil de se tornar uma nação desenvolvida. Só há um caminho: a educação.
FOLHA - O Lula já está reeleito?
CRISTOVAM - Não acho. Ainda
faltam três semanas e, se reeleito, o Lula vai dar calotes nas
promessas, como certos aumentos salariais, o aumento da
Bolsa-Escola, digo, da Bolsa-Família, e o aumento irresponsável de alguns programas populistas. Ele não vai conseguir,
e vai ser uma moratória eleitoral.
Já imaginou o Lula reeleito
no primeiro turno? Vai ser uma
espécie de anistia ética, e eu me
pergunto quanto tempo vai demorar para se rever a cassação
do José Dirceu. Então, eu temo,
sim, pelas instituições.
Reeleito no primeiro turno
com mais de 50 milhões de votos, Lula chega ao poder com o
Congresso desmoralizado, com
um partido pequeno, com prazo de quatro anos para concluir
o mandato. A tentação para
passar por cima do Congresso e
para tomar medidas que desrespeitem as regras da democracia será muito forte.
FOLHA - A sensação da população é
que o Lula foi quem criou o Bolsa-Família, quando foi o sr. quem implantou o então Bolsa-Escola no DF, que
é basicamente a mesma coisa. Como o sr. permitiu essa apropriação?
CRISTOVAM - Eu inventei a Bolsa-Escola e o Poupança-Escola
que, aliás, é outra coisa que o
Lula vai se apropriar qualquer
dia desses, que é pagar a criança
quando passar de ano, mas depositando numa poupança que
ela só tira depois de concluir o
segundo grau. Eu inventei
quando estava na universidade,
publiquei em livro e implantei
no governo do DF.
O Lula se apropriou de tudo
que ele herdou de bom no Brasil. Ele se apropriou da auto-suficiência do petróleo e do Real.
Melhor: ele diz que salvou o
Real, apesar de ter sido contra
ele, lembra? Ele se apropriou
da Bolsa-Escola, mudando o
nome para ficar mais fácil de se
apropriar. Além de ser o criador de tudo o que havia de bom,
ele aparece como salvador de
tudo que havia de ruim.
FOLHA - Como ele conseguiu se
apropriar de tudo isso?
CRISTOVAM - Ele tem uma máquina tremenda nas mãos, uma
campanha publicitária imensa,
apesar de ser um comportamento muito pouco ético. O
Fernando Henrique poderia
ter ter mudado o nome do Bolsa-Escola, quando ampliou do
DF para o resto do país, mas
não o fez, mesmo eu sendo adversário dele. Foi um gesto raro
de generosidade política. O Lula, ao contrário, se apropriou de
tudo. Qualquer dia vai dizer
que o Real foi obra dele.
O Lula usurpou a Bolsa-Escola, usurpou a política econômica do Fernando Henrique e
usurpou a ética do [Fernando]
Collor [de Mello]. Aliás, talvez
por isso mesmo, o Collor vai votar no Lula.
FOLHA - Isso tudo não é mágoa de
quem foi demitido e de quem vai
perder a eleição?
CRISTOVAM - Eu não tenho mágoa: eu tenho causa. Mágoa, a
gente tem nas relações pessoais. Nas relações políticas, a
gente tem frustrações. Frustração com o Lula? Ah! Isso eu tenho, e muito. Eu ajudei a eleger
o Lula, e tenho uma enorme
frustração de ver a negação de
tudo o que a gente defendeu.
FOLHA - Qual a avaliação da economia no governo Lula?
CRISTOVAM - As bases da política econômica são essas, não há
outras para colocar no lugar. A
arena do debate ideológico hoje
não é aí, é a política orçamentária e fiscal. Aí, sim, faço críticas
ferozes. Ninguém pode avaliar
bem uma política fiscal que recolhe 40% da renda nacional
para impostos. O que proponho
é um pacto entre os três Poderes para, durante três a quatro
anos, não haver nenhum aumento de gastos no setor público.
FOLHA - Não é uma utopia? De que
país o sr. está falando?
CRISTOVAM - O Rio Grande do
Sul fez, por que não podemos
fazer? Ou a gente faz isso, ou só
tem dois jeitos: uma ditadura
ou voltar a inflação.
Essa carga fiscal vai gerar um
desastre, baixar o juro por decreto gera outro desastre, voltar a inflação cria também um
outro desastre. Então tem que
congelar gastos, jogar o que vier
de aumentar de renda em investimentos.
FOLHA - O Lula sabia ou não de todas essas coisas que derrubaram
três ministros e a cúpula do PT?
CRISTOVAM - Isso não é falar de
política, é falar de espionagem.
Eu não sei. Agora, se ele não sabia, ele era muito omisso em relação ao que acontecia ao seu
redor.
FOLHA - E se sabia?
CRISTOVAM - Ele foi conivente
com atos ilegais e mentiu ao povo brasileiro, ao dar a impressão de que estava indignado.
FOLHA - O sr. diz que o presidente
foi omisso ou conivente, mas, pelas
pesquisas, ele tem chances concretas de se reeleger em primeiro turno. O que acontece com o povo brasileiro?
CRISTOVAM - Não é com o povo,
é com o eleitor brasileiro. O povo é uma entidade que pensa
cem anos na frente, e o eleitor
só pensa no hoje na hora de votar. Está perdendo a crença e
achando que todos são iguais.
Antigamente, se dizia "rouba,
mas faz". Hoje em dia, é "rouba,
mas é um dos nossos".
FOLHA - O que vai acontecer com o
PT, seu ex-partido?
CRISTOVAM - Primeiro, o que já
está acontecendo. Virou um
partido acomodado, para não
dizer conservador. Em segundo
lugar, tudo indica que diminuirá de tamanho no Congresso.
FOLHA - O seu novo partido, o PDT,
corre riscos com a cláusula de barreira.
CRISTOVAM - A gente não sabe
direito qual será o tamanho da
bancada, mas as pesquisas dizem que o partido vai passar
sem susto pela cláusula de barreira, que usa o critério de número de votos.
FOLHA - O Lula propõe uma "concertación" das forças políticas em
nome do que "é melhor para o país".
É possível?
CRISTOVAM - É uma proposta
fora de hora. Teria sido ótima
no início do governo. Não agora. Seria a salvação dele para a
história. O segundo mandato
vai condená-lo.
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