São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2006

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ELEIÇÕES 2006 / PRESIDÊNCIA

Lula adotou ética de Collor, diz Cristovam

"Talvez por isso mesmo, o Collor vai votar no Lula", afirma pedetista, que acusa presidente de ser conivente com escândalos

Candidato, que tem 1% nas pesquisas, enxerga em Lula a "tentação de passar por cima do Congresso" com medidas antidemocráticas


ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O candidato do PDT à Presidência da República, Cristovam Buarque, disse ontem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva "usurpou a Bolsa-Escola, usurpou a política econômica do Fernando Henrique [Cardoso] e usurpou a ética do [Fernando] Collor". E ironizou: "Aliás, talvez por isso mesmo, o Collor vai votar no Lula". Para Cristovam, Lula foi "omisso ou conivente" diante dos escândalos que surgiram no seu governo, como o mensalão, e não terá condições de liderar um pacto nacional -ou "concertación", como prefere o governo- com as forças políticas, inclusive as de oposição. Em entrevista à Folha, Cristovam previu um panorama sombrio no caso de reeleição de Lula. Falou em "calote na economia", na "tentação de passar por cima do Congresso" e na possibilidade de "tomar medidas que desrespeitem as regras da democracia". Pernambucano, 62, Cristovam Buarque foi reitor da Universidade de Brasília e governador do Distrito Federal pelo PT. Hoje, é senador pelo PDT, com mais quatro anos de mandato, e tem em torno de 1% das intenções de votos, segundo o Datafolha. Seu lema de campanha é a educação.

 

FOLHA - Por que o sr. decidiu ser candidato a presidente, mesmo depois de perder a reeleição para o governo do DF e de ser demitido do MEC por Lula?
CRISTOVAM -
Quem tem uma causa não desiste. Além disso, na eleição seguinte, eu fui o senador mais votado no DF e até hoje ninguém teve tanto voto quanto eu tive aqui. Quanto ao MEC: essa pergunta tinha de ser feita ao presidente Lula. Só não foi por mensalão, por corrupção nem por traição. Quando assumi o ministério, eu peguei o programa do Lula e o levei a sério, pensei que era para valer, decidi executar tudo, mas todos os projetos ficaram engavetados na Casa Civil. Eu levei a sério o programa do governo Lula, mas todo mundo sabe que o próprio Lula não levou.

FOLHA - A forma de sua demissão, por telefone, diz algo sobre a personalidade do Lula?
CRISTOVAM -
A minha demissão e a substituição do seguinte [Tarso Genro] para presidir o PT, e por um secretário-executivo que virou quase um interino por quatro anos, demonstram o desinteresse pela educação. E tudo o vem sendo feito na área é para o ensino superior. Por quê? Porque tem uma força corporativa por trás. Não tem sindicato de analfabeto, tem? Então, a secretaria para a erradicação do analfabetismo, Lula fechou depois que eu saí. Lula não compartilha da idéia de que o povo se liberta pela educação.

FOLHA - A sua candidatura não tem uma característica muito personalista, não partidária?
CRISTOVAM -
Fui escolhido por dois terços dos votos da convenção, o que é raro, e além disso a minha bandeira é a do PDT: a educação. O que identifica [Leonel] Brizola? É a educação e a defesa da nação brasileira. É preciso lembrar que, em 1989, meu primeiro voto não foi no Lula, foi no Brizola.

FOLHA - E o 1% nas pesquisas? O sr. contava com isso?
CRISTOVAM -
Eu queria estar muito acima, claro. Quero, de fato, ser presidente do Brasil. O eleitor está mais preocupado com o aqui e agora, com a podridão que há na superfície da política e com a violência no Brasil. Mas eu quero mudar o Brasil, derrubar o muro entre incluídos e excluídos que impede o Brasil de se tornar uma nação desenvolvida. Só há um caminho: a educação.

FOLHA - O Lula já está reeleito?
CRISTOVAM -
Não acho. Ainda faltam três semanas e, se reeleito, o Lula vai dar calotes nas promessas, como certos aumentos salariais, o aumento da Bolsa-Escola, digo, da Bolsa-Família, e o aumento irresponsável de alguns programas populistas. Ele não vai conseguir, e vai ser uma moratória eleitoral. Já imaginou o Lula reeleito no primeiro turno? Vai ser uma espécie de anistia ética, e eu me pergunto quanto tempo vai demorar para se rever a cassação do José Dirceu. Então, eu temo, sim, pelas instituições. Reeleito no primeiro turno com mais de 50 milhões de votos, Lula chega ao poder com o Congresso desmoralizado, com um partido pequeno, com prazo de quatro anos para concluir o mandato. A tentação para passar por cima do Congresso e para tomar medidas que desrespeitem as regras da democracia será muito forte.

FOLHA - A sensação da população é que o Lula foi quem criou o Bolsa-Família, quando foi o sr. quem implantou o então Bolsa-Escola no DF, que é basicamente a mesma coisa. Como o sr. permitiu essa apropriação?
CRISTOVAM -
Eu inventei a Bolsa-Escola e o Poupança-Escola que, aliás, é outra coisa que o Lula vai se apropriar qualquer dia desses, que é pagar a criança quando passar de ano, mas depositando numa poupança que ela só tira depois de concluir o segundo grau. Eu inventei quando estava na universidade, publiquei em livro e implantei no governo do DF. O Lula se apropriou de tudo que ele herdou de bom no Brasil. Ele se apropriou da auto-suficiência do petróleo e do Real. Melhor: ele diz que salvou o Real, apesar de ter sido contra ele, lembra? Ele se apropriou da Bolsa-Escola, mudando o nome para ficar mais fácil de se apropriar. Além de ser o criador de tudo o que havia de bom, ele aparece como salvador de tudo que havia de ruim.

FOLHA - Como ele conseguiu se apropriar de tudo isso?
CRISTOVAM -
Ele tem uma máquina tremenda nas mãos, uma campanha publicitária imensa, apesar de ser um comportamento muito pouco ético. O Fernando Henrique poderia ter ter mudado o nome do Bolsa-Escola, quando ampliou do DF para o resto do país, mas não o fez, mesmo eu sendo adversário dele. Foi um gesto raro de generosidade política. O Lula, ao contrário, se apropriou de tudo. Qualquer dia vai dizer que o Real foi obra dele. O Lula usurpou a Bolsa-Escola, usurpou a política econômica do Fernando Henrique e usurpou a ética do [Fernando] Collor [de Mello]. Aliás, talvez por isso mesmo, o Collor vai votar no Lula.

FOLHA - Isso tudo não é mágoa de quem foi demitido e de quem vai perder a eleição?
CRISTOVAM -
Eu não tenho mágoa: eu tenho causa. Mágoa, a gente tem nas relações pessoais. Nas relações políticas, a gente tem frustrações. Frustração com o Lula? Ah! Isso eu tenho, e muito. Eu ajudei a eleger o Lula, e tenho uma enorme frustração de ver a negação de tudo o que a gente defendeu.

FOLHA - Qual a avaliação da economia no governo Lula?
CRISTOVAM -
As bases da política econômica são essas, não há outras para colocar no lugar. A arena do debate ideológico hoje não é aí, é a política orçamentária e fiscal. Aí, sim, faço críticas ferozes. Ninguém pode avaliar bem uma política fiscal que recolhe 40% da renda nacional para impostos. O que proponho é um pacto entre os três Poderes para, durante três a quatro anos, não haver nenhum aumento de gastos no setor público.

FOLHA - Não é uma utopia? De que país o sr. está falando?
CRISTOVAM -
O Rio Grande do Sul fez, por que não podemos fazer? Ou a gente faz isso, ou só tem dois jeitos: uma ditadura ou voltar a inflação. Essa carga fiscal vai gerar um desastre, baixar o juro por decreto gera outro desastre, voltar a inflação cria também um outro desastre. Então tem que congelar gastos, jogar o que vier de aumentar de renda em investimentos.

FOLHA - O Lula sabia ou não de todas essas coisas que derrubaram três ministros e a cúpula do PT?
CRISTOVAM -
Isso não é falar de política, é falar de espionagem. Eu não sei. Agora, se ele não sabia, ele era muito omisso em relação ao que acontecia ao seu redor.

FOLHA - E se sabia?
CRISTOVAM -
Ele foi conivente com atos ilegais e mentiu ao povo brasileiro, ao dar a impressão de que estava indignado.

FOLHA - O sr. diz que o presidente foi omisso ou conivente, mas, pelas pesquisas, ele tem chances concretas de se reeleger em primeiro turno. O que acontece com o povo brasileiro?
CRISTOVAM -
Não é com o povo, é com o eleitor brasileiro. O povo é uma entidade que pensa cem anos na frente, e o eleitor só pensa no hoje na hora de votar. Está perdendo a crença e achando que todos são iguais. Antigamente, se dizia "rouba, mas faz". Hoje em dia, é "rouba, mas é um dos nossos".

FOLHA - O que vai acontecer com o PT, seu ex-partido?
CRISTOVAM -
Primeiro, o que já está acontecendo. Virou um partido acomodado, para não dizer conservador. Em segundo lugar, tudo indica que diminuirá de tamanho no Congresso.

FOLHA - O seu novo partido, o PDT, corre riscos com a cláusula de barreira.
CRISTOVAM -
A gente não sabe direito qual será o tamanho da bancada, mas as pesquisas dizem que o partido vai passar sem susto pela cláusula de barreira, que usa o critério de número de votos.

FOLHA - O Lula propõe uma "concertación" das forças políticas em nome do que "é melhor para o país". É possível?
CRISTOVAM -
É uma proposta fora de hora. Teria sido ótima no início do governo. Não agora. Seria a salvação dele para a história. O segundo mandato vai condená-lo.


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