São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2006

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ENTREVISTA - FAFÁ DE BELÉM

"O primeiro mensalão foi este? Sabemos que não"

Musa das Diretas vê com otimismo atual momento político e diz que PT não pode mais sustentar imagem de "santa no bordel"

Eduardo Knapp- 3.ago.06/Folha Imagem
Fafá de Belém fala sobre livro que escreveu em entrevista à Folha, em seu apartamento em SP


Foi por intermédio de Henfil, nos anos 80, que Fafá de Belém chegou aos pioneiros do PT. O ecletismo da paraense Maria de Fátima Palha de Figueiredo, 50, é fácil de detectar. Das lambadas às canções de Chico Buarque, de Tancredo Neves a Luiz Inácio Lula da Silva, das obras de Brenand aos artesanatos de miriti. Tudo está catalogado na memória da cantora e "exposto" no colorido apartamento onde ela recebeu a Folha para falar sobre o livro que escreve.

MALU DELGADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em duas horas e meia de conversa, Fafá soltou 66 das suas longas e típicas risadas. "Sem Anos de Solidão" é o nome de batismo do livro -escolhido por Millôr Fernandes- em que ela contará sua trajetória.
Um caminho onde a política é a protagonista. Personagem ímpar da campanha das Diretas, Fafá cresceu ouvindo o pai falar de política. "Penso a vida como uma ação política", define. Com a autoridade de quem conviveu na intimidade com "políticos de A a Z", ela afirma que o atual momento é "fantástico" porque todos os cacoetes da política foram revelados, e o PT não pode mais sustentar a imagem de "santa no bordel".
Antecipando alguns trechos do livro, ela fala das desavenças com a esquerda na época das Diretas, conta mágoas com o PMDB e critica a ditadura da estética. Votou em Lula na eleição passada, mas agora está indecisa. "O Brasil cada vez mais amadurece politicamente. São tirados todos os véus. Ou será que o primeiro mensalão foi esse? Fala sério, né!" Veja os principais trechos:

Folha - Você está escrevendo um livro sobre política?
FAFÁ DE BELÉM - Quando comemoramos 20 anos das Diretas, alguém perguntou se eu não ia escrever um livro. Vivi isso com todos os seus percalços, de dentro. Depois o Aecinho [Aécio Neves, governador de Minas Gerais] fez aquele evento em Minas, com os personagens das Diretas, e me pediram para cantar o hino nacional. Isso foi mexendo com a minha memória. Aí eu fui almoçar com o Millôr [Fernandes] e ele disse: "Eu acho que você devia escrever, com esse seu jeitão". Conheço gente de todas as esferas, níveis, facções e opções. O nome [do livro] é idéia do Millôr: Sem Anos de Solidão. Maravilhoso!

FOLHA - Já começou a escrever?
FAFÁ -
Tem muita coisa escrita. Minha história, que eu me lembro, começa em São Paulo. Peguei [19]64 aqui. Começo a contar a minha vida a partir de um fato político. Eu sempre penso a vida como uma ação política.

FOLHA - Há famas que te incomodaram, como a de oportunista na época das Diretas. E a de brega?
FAFÁ -
A coisa mais violenta que eu sofri foi uma campanha sórdida, alimentada pela imprensa e por setores de esquerda e de direita, depois que fiz a campanha das Diretas e apoiei Tancredo. Me chamavam de pé-frio. Passei dois anos sem trabalhar. Nunca fiz campanha ganhando dinheiro. Nas Diretas, nem um tostão no bolso!

FOLHA - Qual a importância da eleição do Lula?
FAFÁ -
A coisa mais importante da eleição do Lula é o Brasil ter apostado num brasileiro, num igual. A partir daí, temos os cacoetes e as manobras da política desnudados. Uma elite muito incomodada. Uma realidade sórdida, porque não esperávamos que o PT fizesse a mesma trajetória dos outros. E o momento agora é de uma interrogação muito grande. O Brasil cada vez mais amadurece politicamente. São tirados todos os véus. Ou será que o primeiro mensalão foi este? Fala sério, né! Nós sabemos que não. Só espero que isso, pela última vez, seja lavado. Apostou-se no PT, numa postura que o PT foi incorporando de vestal, da santa no bordel: "Estamos aqui, mas isso jamais nos contaminará". E o que se provou é que não.

FOLHA - Já definiu seu voto?
FAFÁ -
Não. Estou olhando. Não voto nulo nem faço voto útil. Tem uma situação que vou contar no livro, naquele célebre debate do Lula com o Collor em 89. Eu estava enlouquecida. Foi uma noite de telefonemas. Liguei para o Chico [Buarque], para o [Mario] Covas, para o Fernando Henrique. Eu acredito nisso. E vou acreditar a vida toda que é possível trazer gente honesta para esse país.

FOLHA - Você já foi próxima do PT.
FAFÁ -
Não, desde 1985 eu saí fora. Eu cheguei ao comício de 25 de janeiro junto com o PT. O PMDB e pessoas ligadas ao Montoro me brecaram porque diziam que eu não tinha uma ligação histórica com a esquerda. E o Lula disse: ela vem com a gente. Quando eu apóio o Tancredo no Colégio Eleitoral, determinadas alas do PT, das esquerdas, ficaram muito chateadas comigo. A minha relação com o Lula nunca foi abalada.

FOLHA - Você conheceu na intimidade vários políticos, inclusive do PT. Como reagiu quando veio à tona o mensalão, a crise toda? FAFÁ - Eu fiquei muito triste quando todas as insinuações chegaram ao Genoino. Eu gosto muito do Genoino. Me lembro de que eu chorei.
FOLHA - Genoino merece seu voto a deputado federal? FAFÁ - Não conversamos. Eu terei que dar uma olhada nessa história toda. Se ele tiver alguma responsabilidade, não. Acho muito difícil crer que Genoino tenha parte naquilo.

FOLHA - O envolvimento do PT em corrupção te chocou?
FAFÁ -
Chocado é um termo muito forte quando se fala de política [longa risada]. Chocada eu fico com o bombardeio no Líbano.

FOLHA - Em 84 você disse, em entrevista a Ruy Castro, o que achava de vários políticos. Chamou Ulysses Guimarães de demagogo,Tancredo de adorável. Queria que falasse com a mesma abertura sobre alguns políticos hoje.
FAFÁ -
OK, manda bala.

FOLHA - Começamos com o óbvio.
FAFÁ -
O Lula! Ai, meu Deus! Deixa ele por último! [risadas]

FOLHA - OK. Geraldo Alckmin.
FAFÁ -
Eu tinha a idéia de picolé de chuchu total, e o conheci no ano passado, numa solenidade em Minas. Fiquei impressionada. Há muito tempo, desde a época áurea dos grandes políticos, Diretas, PMDB autêntico, PDT e tal, que não via alguém com tanta firmeza.

FOLHA - Heloísa Helena.
FAFÁ -
A Heloísa é adorável, mas uma menina. Ainda tem muito chão pela frente. O papel dela nessa eleição é bacana, pode levar ao segundo turno, que é uma reflexão melhor.

FOLHA - Cristovam Buarque.
FAFÁ -
Um professor de dignidade rara. Vejo como uma chance de quem pensará na hora do voto.

FOLHA - Aécio Neves.
FAFÁ -
[risadas] Aecinho aprendeu todas as lições com Tancredo. Mas é completamente diferente. Tancredo era uma águia política. Foi o homem que participou de todos os grandes momentos da história e não chegou ao poder. O Aecinho, naquela altura, era um playboy, um "bon vivant". Conseguiu construir no governo de Minas uma equipe que toca o Estado com competência. Tem tido uma ação mineira aos moldes do avô, de costura e discrição. A grande estratégia do Aecinho é fazer com que quem esteja na festa esteja trabalhando, e quem esteja trabalhando esteja na festa. [risadas] Mais mineiro impossível! Posso falar do Fernando Henrique? [risada]

FOLHA - Claro.
FAFÁ -
Fernando está melhor agora que na Presidência [risadas]. Esse tempo fora da Presidência cria uma liberdade onde está a plenitude dele. É um intelectual, um homem interessante, engraçado, bem-humorado. E no papel de atirador de pé está ótimo [risadas].

FOLHA - Vamos então para o Lula?
FAFÁ -
Eu me lembro do Lula, o "Lula Lula". O grande mérito dele foi ser eleito sendo o Lula. Enquanto ele teve medo e foi controlado pelos intelectuais do PT não chegou a lugar nenhum. Eu não consigo não gostar do Lula. Embora tenha muitas restrições a determinadas posturas dele. Restrições que tenho em relação à atitude de muitos políticos.

FOLHA - Em 1997, quando cantou para o papa no Vaticano, você evitou falar de aborto. É a favor?
FAFÁ -
Eu sou pela descriminalização. Não adianta legalizar se você não consegue preparar uma cabeça para entender como se prevenir.

FOLHA - E no caso das drogas?
FAFÁ -
Acho que tem que ser uma legalização cuidada. A vontade tamanha de transgressão você não vai tirar do jovem nunca. A droga era usada nos anos 70 para percepção, para as pessoas se conhecerem. Agora, a comercialização do barato é que fez com que esse bando de caretas achem que consumir droga, qualquer que seja a porcaria que vendam, é bacana. Já usei de tudo, como qualquer pessoa da minha geração [risadas]. Quem tem 50 anos e não experimentou, começou cheirar aos 40, o que é muito pior!

FOLHA - Mas houve um momento em que você se obrigou a parar?
FAFÁ -
Ué, quem não tem essa consciência, bicho, ou está maluco ou ficou no meio do caminho ou não foi para lugar nenhum. Eu já nasci aditivada!

FOLHA - E o tema estética? Sempre foi algo polêmico na sua vida.
FAFÁ -
Eu cheguei com os meus peitos, e não tinha que ter peito [risadas]. Agora tá todo mundo com um maior que o meu [risadas]. Eu cheguei gordinha. Meu peso sempre foi, a vida toda, entre 70 a 75 quilos. O ideal é 70 kg. Agora estou com 72 kg, ralando para chegar nos 70. Hoje tenho qualidade de vida muito maior. Com a morte do meu pai repensei minha vida toda.

FOLHA - O que você acha da ditadura da estética?
FAFÁ -
Um horror! Acho maravilhoso que se fale em bulimia, porque não está distante da gente. Já fiz umas duas lipos, todo mundo já sabe disso. Nunca sei o que eu faria hoje ou amanhã. Acho que a pessoa tem que estar bem consigo. A plástica não soluciona nada. Não vai te dar um namorado novo. Quando a gente chega aos 50, entende com mais tranqüilidade ainda que não adianta usar cinta porque todo mundo sabe que está apertada. [risadas] Um dia eu botei botox e queria morrer. Cara, primeiro eu tive uma dor horrorosa. Depois fiquei sem mexer a testa um seis meses, com uma febre horrível. Eu disse: meu Deus, para que isso? Aonde isso vai me levar?

FOLHA - E redução de mama, já fez?
FAFÁ -
Não, olha só para o tamanho deles [olha, aponta e dá risada].

FOLHA - A sua vontade de entrar na política tem retorno? FAFÁ - Não sei. Digo que hoje não. Em determinado momento quase fui candidata. Hoje não. Ainda continuo gostando de política. Sempre vou gostar.


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