São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ USO DA MÁQUINA

Ex-funcionária do extinto Ministério da Assistência Social afirmou, em depoimento, que Zeca Dirceu recebia tratamento diferenciado na pasta

Filho de Dirceu obteve recursos de maneira irregular, diz servidora

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A investigação aberta pelo Ministério Público Federal para averiguar as supostas ações da Casa Civil em benefício do filho do ex-ministro José Dirceu, José Carlos Becker, desvendou um esquema irregular de registro de processos necessário para a obtenção de recursos do Orçamento da União no extinto Ministério da Assistência Social.
As primeiras revelações sobre as irregularidades partiram da servidora Maria de Fátima Almeida Gonçalves, que trabalhou na pasta entre 1995 e novembro de 2004 e ocupou o cargo de chefe do Protocolo nos dois últimos anos. Em depoimento à Procuradoria da República, ao ser indagada sobre o tratamento recebido pelas "emendas" atribuídas a Zeca Dirceu, Maria de Fátima disse que a chefe-de-gabinete da então ministra Benedita da Silva, Cícera Bezerra de Morais, escrevia na capa dos processos o nome de Zeca Dirceu. Tais processos integravam um grupo de documentos que passou a ter um tratamento diferenciado na pasta.
"Alguns processos de Zeca Dirceu localizados e entregues a Cícera pela depoente [Maria] não tinham nada, ou seja, não tinham ofício de prefeito nem qualquer outro documento que pudesse ter dado origem a um processo, nem mesmo capa", contou Maria de Fátima, em depoimento.
Maria de Fátima continuou: "Em relação aos processos, totalmente irregulares, Cícera chegou a passar pedaços de papel, sem qualquer timbre ou assinatura, indicando o nome do município e o assunto do convênio, para que a depoente desse origem a um processo, sem nenhuma documentação; que isso era feito para que existisse um número de processo que tornasse possível o empenho; que tais processos eram empenhados e até mesmo publicados sem que tivessem nos autos ao menos uma folha; que, após a publicação, eram providenciados os documentos necessários à instrução do processo, documentos estes que nem sequer existiam no ministério".
No último dia 4, o procurador da República que conduziu as investigações, Luciano Rolim, fez uma inspeção na sede do FNAS (Fundo Nacional de Assistência Social) em Brasília. Localizou e fotografou os processos com as inscrições "Zeca Dirceu" e "JCB", confirmando o que havia dito a servidora Maria de Fátima.
O próprio coordenador de convênios do órgão, Antônio José Teixeira Leite, apontou ao procurador -e fez constar no termo de inspeção assinado no ato- irregularidades nos processos, entre as quais "realização de empenho sem a prévia aprovação do plano de trabalho" e "posterior aprovação do plano de trabalho sem que o documento apresentasse os requisitos mínimos para tanto", "ausência de pareceres jurídicos e do setor de convênios" e -o que novamente confirmou o depoimento da servidora- "empenhos já pagos com indicação de documentos a serem apresentados pela prefeitura com datas retroativas a 2003", entre outras.

Pressão
No extinto ministério (atual Desenvolvimento Social), os projetos de interesse de Zeca Dirceu eram levados tão a sério que nem mesmo a assessora parlamentar da pasta tinha acesso a tais documentos. Tudo ficava nas mãos da chefe-de-gabinete da ministra, Cícera Bezerra de Morais.
Depoimentos de ex-funcionários da pasta indicam uma pressão exercida pela Casa Civil. A ex-chefe da assessoria parlamentar, Ana Lúcia de Noronha, disse que, no horário de almoço, Cícera trancava os documentos em sua sala para que ninguém os acessasse. Mesmo como responsável pelo acompanhamento das emendas do Congresso, Ana Lúcia somente podia vasculhar os documentos ao lado da chefe-de-gabinete.
Maria de Fátima, chefe do protocolo, narrou os pedidos de urgência de Cícera para os processos de Zeca Dirceu. Ela disse aos procuradores, que nos nove anos em que atuou na função (deixou o cargo em 2004), nunca havia presenciado alguém sem mandato, como Zeca, com tamanho poder sobre liberação de verbas. "Cheguei a pensar que se tratava do próprio ministro [José Dirceu]", disse, em depoimento. (EDUARDO SCOLESE e RUBENS VALENTE)

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