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NOVO GOVERNO
Economista Jacques Attali, conselheiro especial de Mitterrand, vê torcida pelo fracasso da América Latina
Temor a Lula passará, diz intelectual francês
GEORGIA NASCIMENTO
DA REPORTAGEM LOCAL
O economista francês Jacques
Attali, 59, diz que a economia do
Brasil está bem, e que, assim como a esquerda francesa foi temida
internacionalmente ao assumir o
poder, um eventual governo Lula
irá superar com êxito essa fase.
Para isso, Attali acha que o novo
governo deve manter a economia
aberta, implementar políticas de
redução da pobreza e, principalmente, convencer os empresários
brasileiros a investirem no Brasil:
"Se eles investirem, os estrangeiros também investirão", diz.
Attali também lamenta o que ele
chama de "coma" do Mercosul e
diz que, infelizmente, "há muitas
pessoas interessadas no fracasso
da América Latina".
Conselheiro especial do presidente François Mitterrand de 1981
a 1991, fundador e primeiro presidente do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento,
Attali é presidente de uma empresa de consultoria de investimentos baseada em Paris e da ONG
(organização não-governamental) PlaNet Finance, que atua com
a promoção do microcrédito na
Ásia e na África e acaba de inaugurar, em São Paulo, seu primeiro
escritório na América Latina.
O economista também é autor
de 23 livros, entre ensaios, romances e peças de teatro. A seguir, os
principais trechos da entrevista.
Folha - Alguns especialistas dizem que a eleição de Lula significa
uma ruptura com o Consenso de
Washington [receituário neoliberal que prega austeridade fiscal,
privatização e livre mercado], pela
escolha de um presidente que se
diz uma alternativa a esse modelo
de crescimento. Mas, durante a
campanha, Lula prometeu honrar
os compromissos internacionais
assumidos, manter o superávit fiscal e ao mesmo tempo aumentar o
gasto com programas sociais. O sr.
acha que isso será possível?
Jacques Attali - É muito possível,
porque o Brasil está em boa forma
economicamente. A balança de
pagamentos está melhorando, o
potencial de crescimento é bom e
há recursos para fazer algumas
coisas. O que é engraçado com o
Consenso de Washington é que é
um consenso de políticas que não
são seguidas pelos Estados Unidos. Porque eles têm um déficit
enorme e aconselham os outros a
fazerem coisas que eles não fazem. Não há razões para a América Latina ser a única parte do
mundo sem crescimento. A Índia
deve crescer 6% ao ano, a China,
8%, a África, 4% e a Europa, 2,2%.
A única maneira de o Brasil não
crescer é se as fronteiras forem fechadas e os empresários brasileiros tirarem o dinheiro do país.
Folha - Apesar de contar com um
índice de popularidade relativamente bom, a despeito das recentes crises financeiras sofridas pelo
país, o presidente Fernando Henrique Cardoso não conseguiu eleger
seu sucessor. Se o Brasil está em
boa forma, como o sr. explica esse
fenômeno?
Attali - As pessoas não votam
somente por causa de um programa, mas sim em uma personalidade. Nós vimos o mesmo na
França meses atrás. Elas sabem
que os programas mudam, que se
ajustam às circunstâncias, e elas
querem ter uma visão do futuro.
Folha - O que o sr. acha do ceticismo de alguns de que um governo
de esquerda pode ser bem-sucedido no Brasil?
Attali - Eu não vejo nenhuma razão para que o Lula e um governo
socialista democrático não tenha
sucesso. Nós temos na França há
muito tempo presidentes vindos
da esquerda e não assustamos o
mundo. Isso aconteceu somente
no começo. É exatamente o mesmo tipo de mudança que tivemos
na França 20 anos atrás e nós tivemos êxito.
Folha - E o que os investidores internacionais esperam do Brasil?
Attali - A pergunta da comunidade internacional será se o Lula
manterá a economia aberta. E a
resposta é sim. Em segundo, eles
irão querer saber o que fará a comunidade de empresários brasileiros. Não há como pedir que os
investidores estrangeiros invistam no país se os empresários
brasileiros não investirem. Se os
banqueiros e industriais brasileiros mantiverem a confiança no
Brasil, se eles continuarem investindo, os estrangeiros também investirão. Mas, se os brasileiros tirarem o dinheiro do país e pararem de investir, por que os europeus e americanos seriam mais
brasileiros que os próprios brasileiros?
Folha - E qual seria a solução para
a Argentina?
Attali - Eles devem reabrir a economia para trazer de volta o dinheiro argentino. É a única coisa a
se fazer. Tentar trazer o dinheiro
dos próprios argentinos de volta
ao país. É a mesma situação em
todos os lugares: não há como
atrair investimentos para um país
se os próprios cidadãos não investirem.
Folha - E há alguma outra saída
para a Argentina além de um novo
acordo com o FMI?
Attali - Não. Mas o FMI está começando a mudar seus critérios, a
ser um pouco mais socialmente
responsável, menos ortodoxo.
Mas deve haver essa mudança na
natureza do Consenso de Washington, deve ser um consenso
global, mais socialmente orientado. É o início da mudança.
Folha - E dentro desse contexto,
quais são as perspectivas para o
Mercosul?
Attali - O Mercosul parece que
está morto, ou quase, infelizmente. E é realmente uma pena. Tomara que seja possível que o Brasil e a Argentina voltem para a
mesa de negociação para mantê-lo vivo. Ele não está morto, está
em coma. Mas eu tenho medo que
seja difícil tirá-lo do coma. O problema da América Latina é que há
muitas pessoas no mundo interessadas no fracasso da América
Latina.
Folha - Que pessoas?
Attali - Os concorrentes. Eles
não querem ver a América Latina
ter sucesso. Eles estão em todo o
lugar. Eu acho que o Mercosul deve ser revisto, porque ele é absolutamente vital para a América Latina ter sucesso e a Europa está
pronta para ajudar. Senão, o futuro será uma extensão do Nafta para o Brasil. Esse será o próximo
passo. Cabe ao Brasil decidir.
Folha - Mas quem são esses concorrentes?
Attali - Eu não quero criar incidentes diplomáticos.
Folha - Mas o sr. acredita que o
Brasil está no caminho certo?
Attali - O Brasil está dando um
sinal ao mundo, elegendo Lula, de
que a pobreza é grande, e que o
seu combate deve ser a prioridade
dos governos do mundo. Mas não
se acaba com a pobreza em um
minuto. É uma longa luta. Não é
suficiente distribuir leite para
crianças para conceder a elas uma
vida decente. É uma questão de
criar instituições sociais para prover saúde, educação e recursos financeiros para que as pessoas
criem seus trabalhos. Se o Brasil
acha que isso pode ser feito em
um dia, isso vai falhar. Mas claramente o Brasil deu um sinal de
que a pobreza é o principal inimigo da humanidade.
Folha - E quais devem ser as primeiras medidas do novo presidente da República?
Attali - Eu acho que ele deve fazer um programa contra a fome,
explicando que ele não pode ser
realizado em um dia, colocando
as coisas em perspectiva e explicando que o problema é tão grande que demandará muito tempo.
Em segundo lugar, dizer que o
Brasil continuará sendo uma economia aberta, orientada ao mercado. Em terceiro, colocar profissionais para os cargos-chave.
Folha - O combate à violência foi
um tema muito debatido nessas
eleições. O sr. diz que a guerra contra a violência está progredindo
para a guerra contra a pobreza. O
sr. acha que o novo governo deveria voltar-se mais para programas
de redução da pobreza em vez de
políticas de repressão?
Attali - Deve-se fazer ambos. No
curto prazo deve-se cuidar da segurança e no longo prazo não há
solução sem a redução das desigualdades. O centro do problema
está no desemprego e na falta de
programas sociais.
É por isso que o microcrédito é
uma das partes centrais dos programas sociais contra a violência.
Não somente no Brasil, mas também em países muçulmanos, onde ele é parte da luta contra o terrorismo, por prover uma maneira
das pessoas desenvolverem oportunidades. Não é apenas caridade,
mas mostrar que elas são boas para alguma coisa e podem usar
suas potencialidades.
Folha - Recentemente, o BNDES
(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) disse
que gostaria de distribuir mais crédito aos pobres, mas que há poucas
instituições capazes de gerenciar
esses recursos nas comunidades
carentes. O sr. acha que essa situação é real e que políticas deveriam
ser adotadas?
Attali - É exatamente por isso
que estamos criando um escritório aqui no Brasil. O país tem uma
situação muito estranha. Cinquenta milhões de pessoas vivendo na linha da pobreza, ou abaixo
dela, e somente 150 mil pessoas
beneficiando-se do microcrédito.
Certamente poderíamos encontrar no Brasil dez milhões de microempresários, e, se tivéssemos
esse número, mais as suas famílias, teríamos 40 milhões de pessoas sendo beneficiadas e sairíamos da pobreza. O que o BNDES
está falando é verdade. Há realmente uma falta enorme de instituições de microfinanças no Brasil. Mas podemos dar condições
para que essas instituições cresçam e se tornem auto-sustentáveis, para que se consolidem e tenham condições de beneficiar milhões de pessoas. E essa é a nossa
escolha.
Folha - O sr. acredita que o microcrédito deve ser uma iniciativa exclusiva de ONGs em parceria com o
setor privado ou uma política implementada por instituições governamentais?
Attali - Tudo é possível. Mas o
governo ser dono das instituições
de microcrédito não funciona. É
melhor quando essas instituições
são independentes do governo,
porque senão há uma tendência
de conceder crédito segundo interesses, para amigos, em troca de
favores políticos. Mas o governo
tem um papel muito importante a
desempenhar, que é o de prover
recursos para as instituições em
termos de treinamento e capacitação, além de legislação e marketing. No México, por exemplo, há
uma grande campanha na televisão para divulgar que o microcrédito existe e que as pessoas podem encontrar recursos para a
execução de projetos.
Folha - E quais outras políticas o
sr. acha que o governo deveria adotar para a diminuição da disparidade de renda?
Attali - Há quatro elementos.
Um é assegurar a democracia, que
é um dos fatores-chave para o
combate da pobreza, porque ela
significa transparência, saber
quem é rico e por quê. O segundo
é a segurança, que significa lutar
contra crimes econômicos, drogas e elementos que distorcem as
estruturas econômicas. O terceiro
é educação. E o quarto é o microcrédito, para que as pessoas criem
seus próprios trabalhos. Eu não
acredito em caridade, em assistência a pessoas abaixo da linha
da pobreza somente por meio de
subsídios. O que acho sustentável
são investimentos sociais e também dar recursos para que elas tomem suas próprias iniciativas.
Folha - Uma das condições para o
desenvolvimento do Brasil é o aumento de suas exportações. Mas o
país tem enfrentado uma série de
dificuldades, principalmente devido às barreiras protecionistas impostas pelos países mais ricos. Qual
deve ser a posição do novo presidente em relação ao futuro das relações entre o Brasil e a Europa?
Attali - Isso será parte das discussões globais que o novo governo do Brasil deve ter com a União
Européia. Há motivos para o Brasil pedir mais generosidade aos
países europeus na abertura de
seus mercados, há justificativas
para o país explicar para a Europa
que nós não podemos pedir ao
Brasil para terem uma economia
aberta se não temos uma economia aberta na Europa. É claro que
o Brasil merece um acesso melhor
aos mercados abertos, para as indústrias e agricultura. Mas com a
expansão da União Européia,
com a inclusão dos países do leste,
isso também não será uma negociação fácil.
Folha - O sr., como um dos idealizadores da União Européia, ao ver a
atual unificação tem a sensação de
que ficou como imaginava?
Attali - Sim. Eu fui um dos primeiros a propor a extensão da
União Européia para o leste, e foi
por isso que eu criei o Banco Europeu em Londres. Eu acho que a
Rússia deve se tornar um membro da União Européia, no longo
prazo. Há dificuldades para organizar o governo europeu, um governo federal. Mas nós vamos fazê-lo e com sucesso. A União Européia não será o Mercosul.
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