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São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2003

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DE OLHOS ABERTOS

Escândalo com juízes renova debate sobre fiscalização do Poder

Na fila há 11 anos, reforma do Judiciário ganha fôlego

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A criação de um órgão destinado a fiscalizar as atividades do Poder Judiciário voltou à agenda política do país na esteira dos escândalos envolvendo juízes em São Paulo. Magistrados terão suas atividades controladas por um conselho, cujo formato e atribuições ainda são motivo de muitas divergências, a partir do momento em que for aprovada no Congresso a reforma do Judiciário.
A expectativa do senador José Jorge (PFL-PE), relator da emenda constitucional que altera a estrutura da Justiça brasileira e modifica atribuições, é que ela seja promulgada ainda no primeiro semestre de 2004.
Essa reforma arrasta-se no Congresso há 11 anos. A Operação Anaconda, que deixou sob suspeita a conduta de pelo menos três juízes federais em São Paulo -João Carlos da Rocha Mattos e os irmãos Ali e Casem Mazloum- deve apressá-la.
Até mesmo os próprios juízes consideram essencial a criação do Conselho Nacional de Justiça, porque entendem que, ao punir maus magistrados, ele evitará que se macule a imagem da Justiça.
Foram os próprios magistrados que barraram, por meio de forte lobby, a criação desse conselho na Constituinte, em 1987 e 1988, de acordo com o registro do ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil Flávio Dino. O fato está registrado em livro.
Ele também cita a experiência de quatro países que já têm um órgão central de fiscalização do Judiciário -Argentina, Itália, Espanha e Portugal.
"No Brasil, a reforma do Judiciário nunca foi prioridade política para os partidos e para o governo, e há muitas divergências internas na magistratura sobre diversos pontos, o que impediu até agora a sua aprovação", informa o ex-presidente da associação.

Controle externo
O consenso está limitado à criação do conselho. Há muita divergência entre o governo e o Judiciário sobre o controle externo, ou seja, a participação de pessoas "estranhas" à Justiça, como cidadãos indicados pelo Congresso. Outro ponto polêmico é o poder do conselho de punir maus juízes com a perda do cargo.
Em abril deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva provocou uma crise entre os Poderes quando criticou a existência de uma "caixa-preta" na Judiciário. Desde então, esse tema não saiu mais da agenda política.
O parecer da deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP), que foi aprovado pela Câmara e hoje está em tramitação no Senado, prevê um conselho composto por 15 membros: nove juízes, dois representantes da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), dois membros do Ministério Público e dois cidadãos, um indicado pela Câmara e outro, pelo Senado.
No Judiciário, as resistências ao controle externo estão presentes principalmente na sua cúpula.
O vice-presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), ministro Vantuil Abdala, afirmou recentemente, em entrevista à TV Justiça, que considera esse tipo de controle "extremamente perigoso" porque poderá interferir na atuação julgadora do juiz. A idéia é que, sujeito a eventuais pressões políticas, o magistrado deixaria de julgar com isenção.
É certo que o conselho não poderá fiscalizar decisões judiciais. Deverá controlar atividades administrativas e a execução de orçamentos para evitar a repetição de escândalos como o da construção do novo fórum do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, obra da qual teriam sido desviados mais de R$ 169 milhões.
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Maurício Corrêa, hoje é contrário ao controle externo, embora o tenha defendido como senador, durante o Congresso constituinte.
O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro Nilson Naves, opõe-se até mesmo à participação de advogados e procuradores. Para ele, o conselho deveria ter apenas sete juízes.
No governo federal, a pressão é no sentido inverso. "Entendemos que a participação da cidadania deve ser a mais ampla possível", afirma o secretário da reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Sérgio Renault.
Para ele, o conselho previsto na proposta que tramita no Congresso Nacional não é o ideal, mas é satisfatório e conveniente porque poderia entrar rapidamente em vigor. Como já foi apreciado na Câmara, para vigorar bastaria a sua aprovação no Senado, sem alteração nesse dispositivo.

Versão
A proposta da deputada Zulaiê Cobra chegou a receber outra versão, redigida pelo ex-senador Bernardo Cabral, mas ela saiu da pauta do plenário no final do ano passado, depois da eleição de Lula e após seus auxiliares terem anunciado que queriam reiniciar essa reforma da estaca zero.
A fiscalização hoje existente é dispersa e ineficaz. Quando um magistrado tem a sua conduta sob suspeita, são os próprios colegas que o julgam e decidem sobre o seu afastamento.
Neste ano, essa situação ocorreu em dois tribunais: o Superior Tribunal de Justiça, que afastou o ministro Vicente Leal, e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em relação ao desembargador federal Eustáquio da Silveira.
Os dois são acusados de atuar em esquema de venda de habeas corpus para traficantes de drogas. Tanto Leal quanto Silveira negam a acusação.



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