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Militar começa a ser julgado por tortura
Decisão inédita da Justiça de SP permite, apesar da Lei da Anistia, que Brilhante Ustra seja réu em processo movido por família
Maria Amélia de Almeida Teles diz ter sido torturada pessoalmente pelo coronel; sua irmã, seu marido e os dois filhos foram presos
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Depois de a Justiça decidir,
numa situação inédita, que a
Lei de Anistia (1979) não impede a abertura de processo contra militares acusados de tortura durante o regime militar
(1964-85), ocorreu ontem a primeira audiência que coloca o
coronel reformado do Exército
Carlos Alberto Brilhante Ustra
no banco dos réus.
Cinco pessoas de uma mesma família processam Ustra,
acusando-o de seqüestro e tortura em 1972 e 1973.
Ustra não compareceu ao tribunal e não ouviu os relatos das
cinco testemunhas da família,
que disseram terem sido torturadas sob o comando do coronel (leia texto nesta página).
Os advogados do militar já
informaram que irão recorrer
da decisão de primeira instância que permite a abertura de
processo contra os anistiados.
A novidade da decisão judicial é que, ao contrário de processos anteriores relativos à
tortura durante a ditadura militar, ela não visa o Estado, mas
um funcionário público.
O processo civil movido pela
família contra Ustra é declaratória. Pede o reconhecimento
(declaração) de que houve danos morais e à integridade física. Seu conteúdo é mais político e simbólico. Não requer indenização pecuniária nem implica pena de multa ou prisão.
Na Argentina, as "leis do perdão" foram revogadas, e os acusados por tortura na ditadura
militar do país (1976-83) são
submetidos a julgamento.
A decisão
Na decisão publicada em 27
de setembro, o juiz titular Gustavo Santini Teodoro, da 23ª
Vara Cível do Estado de São
Paulo, considerou que o processo pode ter como réu pessoa
física -Ustra-, e não necessariamente a União.
E que, mesmo três décadas
após os acontecimentos relatados pelos autores da ação e negados pelo militar, é possível
haver punição, porque estão
"em causa [...] direitos humanos". Para Santini, a ação é imprescritível.
O casal César Augusto Teles e
Maria Amélia de Almeida Teles
e três parentes afirmam que o
coronel reformado Ustra os
submeteu à tortura física e psicológica nas dependências do
DOI-Codi (Destacamento de
Operações de Informações
-Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo.
"Fui torturada pessoalmente
pelo coronel. Foi ele também
que determinou a invasão da
minha casa, a prisão da minha
irmã e de meus dois filhos, que
tinham quatro e cinco anos",
afirmou Maria Amélia, que ficou 11 meses presa. "Meus filhos ficaram pelo menos dez
dias na prisão."
O DOI-Codi era o principal
órgão de segurança empenhado no combate a opositores do
regime militar.
Na sua unidade paulista, ao
menos 40 militantes foram
mortos sob tortura de setembro de 1970 a janeiro de 74,
conforme levantamentos independentes. Nesse período, o comandante era Ustra.
Defesa
Um dos pilares da defesa de
Ustra no processo é a afirmação
de que os agentes de segurança
foram beneficiados pela anistia
de 1979 e que, por isso, não podem ser julgados.
Para o juiz da 23ª Vara Cível,
no entanto, "a Lei de Anistia refere-se apenas a crimes, não a
demandas de natureza civil"
-como a ação declaratória.
Ustra também alegou que a
ação deveria ter o Estado como
réu. Para o juiz, "não há no ordenamento jurídico norma que
impeça a vítima de atuação de
agente estatal de propor ação
contra este".
A Justiça ainda não se pronunciou sobre o mérito da
ação. Ustra sustenta que não
submeteu seus acusadores a
violência. Seus defensores afirmam nos autos: "Quanto às
descrições de tortura (...), o réu
[Ustra] jamais permitiria semelhante ato".
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