São Paulo, quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

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ELIO GASPARI

Cabral pode dedetizar o transporte do Rio

De transporte público, do Estácio à Barra, o carioca paga R$ 4,40. Se vivesse em Nova York, pagaria R$ 2,70

HÁ MUITO TEMPO não aparecia notícia tão boa: Sérgio Cabral Filho promete que até o fim do próximo ano concluirá os estudos para a implantação do bilhete único nos transportes públicos do Rio. Hoje um trabalhador que toma dois ônibus, ou baldeia-se para o metrô, paga entre R$ 4 e R$ 4,40 pelo percurso. O paulistano que se vale das tarifas integradas paga, no máximo, R$ 3,50.
O carioca que todos os dias toma o metrô no Estácio, salta em Copacabana e vai de ônibus ao Barra Shopping, gasta anualmente US$ 1.530 para ir e voltar. O nova-iorquino que compra um passe mensal paga US$ 912. Com a diferença (US$ 618), compra um pacote para uma semana em Paris (US$ 499) e ainda sobra algum dinheiro para o croissant.
No mundo das boas notícias, é possível que a concessionária do metrô da cidade crie no segundo semestre uma tarifagem inteligente. Ela permitirá descontos para os usuários habituais. (Em São Paulo, esse refresco foi confiscado.)
As tarifas de transportes públicos do Rio são caóticas. Não há integração efetiva entre as linhas de ônibus, muito menos entre a rede de rodas e a de trilhos. Sérgio Cabral já presidiu a Assembléia. Deve ter observado como são ladinos os deputados da bancada das empresas de ônibus.
O bilhete único é atacado sob o argumento de que reduz a arrecadação das empresas. Na verdade, ele reduz o peso que vai para as costas do usuário. Aos números: em Nova York, as tarifas cobrem 32% dos custos do sistema de transportes. Em Paris, 33%. Em Frankfurt, 45%. Em São Paulo, o passageiro do ônibus fica com 86% da conta.
O bilhete único no Rio poderá se tornar um modelo para outras grandes cidades. Uma pesquisa de 2004 mostrou que, em São Paulo, os principais beneficiários dessa iniciativa ganhavam menos de cinco salários mínimos (82%) e tinham entre 18 e 39 anos (65%). Cerca de um terço estavam desempregados ou faziam serviços eventuais. Pode-se estimar que metade da freguesia do bilhete único usa o vale-transporte. Portanto, o benefício é quase integralmente repassado ao empregador. Não é coisa decente subsidiar o transporte público para que os patrões fiquem com boa parte do dinheiro.
O engenheiro Sérgio Balloussier estima que 25% dos passageiros transportados no Rio sejam beneficiados por alguma forma de gratuidade, por idosos, deficientes ou estudantes. Também não é decente dar transporte grátis para todos os idosos e todos os estudantes das redes privada e pública. Que tal dar o benefício só a quem o solicita? Como dizia Gentil Cardoso: "Quem se desloca recebe, quem pede tem preferência". O que está em vigor é um sistema onde cada um pega sua lasca e quem acaba tomando na cabeça é o pobre que trabalha no mercado informal ou está sem serviço.
O emaranhado de gratuidades, vales e rebates protege uma espécie de paraíso dos transportecas. Cria um sistema que só funciona se não tiver uso pleno. Quando começou a discussão do bilhete único paulista, um burocrata enunciou uma maldição: se funcionar, é pior, pois congestionará a rede. O dr. previu que a iniciativa não duraria o mandato de dois prefeitos. Enganou-se. Por mais que o tucanato torça o nariz para a iniciativa inaugurada em gestão petista, o bilhete único vai se multiplicar.


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