São Paulo, quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

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JANIO DE FREITAS

O crime da discussão


A discussão sobre insegurança sempre acompanhou lado a lado a evolução e a ampliação da criminalidade


O S DOIS CRIMES com envolvimento de motoqueiros, quase simultâneos no Rio e em São Paulo, afinal puseram em discussão essa modalidade crescente da insegurança nas duas cidades. Com que finalidade? Prática, nenhuma. Porque assim é a conduta geral que tem assegurado o aumento e a disseminação da criminalidade urbana, já no limiar da impossibilidade definitiva de controle.
No início dos anos 80, os trombadinhas paulistanos e os pivetes cariocas levaram à discussão interminável sobre a influência, ou não, das concentrações de pobreza na indução às ações dos pequenos marginais; a conveniência de medidas para favorecer o seu "convívio familiar", a freqüência à escola, ou o recolhimento "socioeducacional", este com a construção das instalações quase inexistentes. Anos e anos de discussão reanimada a cada episódio mais agudo, por parte dos menores ou do oscilante interesse de jornais e TV.
A criminalidade adulta preferia, àquela altura, os assaltos a bancos. E tome de discussão, a culpa é da falta de policiamento, a culpa é dos bancos responsáveis pela segurança bancária, anos de discussão que chegaram, no máximo, a uns quantos equipamentos e vigilantes nas agências bancárias. Mas os menores não demoraram a progredir: perceberam o maior alcance e a melhor eficiência com o uso de revólveres. E os maiores, levados pelo mesmo impulso socioeconômico, introduziram os fuzis na ampliação de suas multiplicadas atividades. Mais anos de discussão, pesquisas estatísticas, o governo federal é que deixa entrar as armas, as polícias estão mais interessadas nos viciados que nos traficantes, só reformando a Constituição. De prático, sempre a mesma ação ocasional, a perplexidade, a troca de acusações. Ou seja, nada de novo.
Da parte dos governos e do Congresso, bem entendido. Porque à criminalidade não faltou evolução, jamais. As armas passaram a incluir metralhadoras, granadas, balas traçantes, bazuca; os rádios portáteis de intercomunicação e, depois, os celulares deram requintes às ações do gênero planejado: arrastões em prédios, seqüestros relâmpagos ou duradouros, roubos de carga, assaltos variados. Em organizações sofisticadas, com previdência mais garantida e farta que a oficial, não importando se o seu estado-maior estava solto ou distribuído por diferentes cadeias "de segurança máxima".
Tudo isso proporcionando a discussão de suas causas possíveis, mais pesquisas estatísticas, renovadas trocas de acusação, e só. Em um aspecto, é preciso ressalvar, a discussão se tem mostrado muito eficiente: sempre acompanhou lado a lado a evolução e a ampliação da criminalidade, faça-o representada por vítimas ou por testemunhas.
Os crimes com o uso de motocicleta são a técnica mais recente dos nossos dominadores. E aí está a discussão a acompanhá-la. O governador fluminense, Sérgio Cabral, diante do assalto que deixa paraplégico o jovem médico Lídio Toledo Filho, entrou em choque com o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) - este órgão regulador do recorde brasileiro em mortes no trânsito- e com a Ordem dos Advogados do Brasil. Cabral pensa na proibição de segundo passageiro em motos, no Rio "como foi feito na Colômbia", por ser o assaltante armado. As duas entidades declararam a medida inconstitucional. Regra de trânsito é só com o Denatran.
A proibição sugerida é boa para discussão. No recente caso paulistano, por exemplo, o assaltante reconhecido por três vítimas e morto pelo promotor Pedro Pereira assaltava sozinho em sua moto, e inúmeros o fazem. Sérgio Cabral tem razão, porém, ao lembrar o caráter federativo do Brasil, determinado pela Constituição. É absurda a centralização que retira aos Estados o direito de decidir sobre a estrutura policial que convém a cada um, ou as respectivas regras de trânsito apropriadas a cada um. Os princípios de âmbito nacional, estes sim, seriam comuns a todos. As contradições da federação centralizada não se limitam às polícias e ao trânsito. E todas são prejudiciais.
Então, vamos discutir.


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