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"Homem público é alvo burro', diz Gandra
da Sucursal de Brasília
Três anos depois de ter pedido
exoneração do cargo de ministro
da Aeronáutica por ter sido citado
em um grampo feito pela Polícia
Federal, o brigadeiro-do-ar Mauro
Gandra mantém a promessa de ficar longe de cargos públicos. Não
quer mais ser alvo de suspeita.
"(O homem público) é um alvo
burro porque o alvo inteligente
consegue se escamar do tiro", disse
ele em entrevista à Folha no cargo
de presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias.
Em novembro de 1995, Gandra
foi citado em uma conversa grampeada entre o embaixador Júlio
César Gomes dos Santos e o dono
da Líder Táxi Aéreo, José Affonso
Assumpção, na casa de quem havia se hospedado.
O Ministério Público Federal arquivou as suspeitascontra Gandra.
A seguir, principais trechos da entrevista.
(AG)
²
Folha - O sr. acha que foi incompreendido no caso do grampo?
Mauro Gandra - Claro. É um absurdo uma pessoa ser suspeita
porque dormiu na casa de outra.
Folha - Em um trecho do grampo,
o embaixador pergunta sobre o sr.,
e o empresário da Líder responde
que o sr. havia dormido dois dias
na casa dele em Belo Horizonte?
Gandra - E daí? E daí? O que tem
isso?
Folha - Isso despertou suspeitas
sobre tráfico de influência, exploração de prestígio.
Gandra - Como tráfico de influência se já havia a decisão sobre
a escolha da companhia (a norte-americana Raytheon) que iria implantar o Sivam? E isso ocorreu
quando eu ainda não era ministro.
Eu vi a decodificação do grampo.
O que eles falaram sobre mim foi o
seguinte: "E o ministro Gandra, o
que ele acha?", perguntou o embaixador. Ele (o dono da Líder) disse
assim: "Ele (Gandra) acha que ele
(o senador Gilberto Miranda) está
sentado em cima do projeto e acha
que o presidente (FHC) deve dar
uma prensa nele". Eu não usei essa
expressão. Disse a José Affonso
que o presidente deveria fazer
pressão no Senado.
Folha - O que sr. achou da justificativa apresentada pela Polícia Federal de investigar um suposto traficante "JC" para pedir à Justiça
autorização para fazer o grampo?
Gandra - Olha, eu nunca achei isso razoável. Acho muito difícil que
a PF não soubesse que o Júlio César
era um secretário especial do presidente. Mas isso é apenas um
"achismo". Não sou obrigado a
achar que houve marmelada. Ou
então houve negligência de quem,
ao fazer o grampo, não procurou
saber de quem se tratava. O grampo é uma coisa extremamente grave, mesmo sob ordem judicial.
Folha - Qual é sua análise sobre
as revelações do grampo?
Gandra - A Raytheon ganhou a
disputa para implantar o Sivam
porque tinha melhores preços e
principalmente financiamento. Isso já estava resolvido.
Então, não havia mais esse problema de tráfico de influência. Era
apenas uma conversa para saber
como estava evoluindo o projeto
no Senado. Isso deve acontecer em
Brasília pelo menos uma vez por
semana.
Agora há uma reforma tributária
(em tramitação). Alguém liga para
alguém e pergunta como vai a reforma tributária, como o senador
fulano está vendo isso.
Se você fizer um pano de fundo
de tráfico de influência, você compromete qualquer um que esteja
falando isso ao telefone. Acho que
eles eram amigos (o embaixador e
o dono da Líder).
Folha - O sr. aceitaria convite para viajar a passeio ao exterior em
um jato de um amigo, como fez o
embaixador Júlio César, que viajou
aos EUA em um avião da Líder?
Gandra - Eu não sei...São coisas
tão pequenas. Hoje em dia eu não
aceitaria andar nem no carro dele
(do dono da Líder).
Se bem que agora eu posso fazer
o que quiser. Posso até dormir,
morar na casa dele, porque ninguém tem nada a ver com isso. Por
essas e outras, eu não quero cargo
público.
Folha - Nunca mais?
Gandra - Meu grande erro foi excesso de confiança. Eu nunca poderia imaginar que, depois de 46
anos de atividade, iria virar suspeito. Fui chefe da comissão aeronáutica brasileira na Europa em 81 e
82. Em cada ano, eu movimentei
US$ 100 milhões. Era uma comissão de compra. Se eu tivesse de
roubar, eu tinha roubado lá.
Na minha cabeça, eu tinha uma
aura que me impermeabilizaria de
qualquer suspeita. Isso foi um erro
porque, na verdade, qualquer um
que esteja em cargo público é passível de ser vítima de uma suspeita.
Folha - Qual sua opinião sobre
cargos públicos?
Folha - O homem público é um
alvo móvel. O pior é que não é um
alvo inteligente. É um alvo burro
porque o alvo inteligente consegue
se escamar do tiro. Como ministro, eu fui vítima de uma bala perdida e acabei enxovalhado pela imprensa.
Folha - O sr. considera que as autoridades grampeadas no BNDES
também foram vítimas?
Gandra - É muito difícil julgar,
até porque sou suspeito para falar.
Eu acho que a grande indignidade
é o grampo, seja ele feito sob cobertura judicial ou de maneira criminosa. Infelizmente, a gente vê
três anos depois que o direito de
privacidade tão decantado na democracia ainda não está preservado neste país.
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