São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Homem público é alvo burro', diz Gandra

da Sucursal de Brasília

Três anos depois de ter pedido exoneração do cargo de ministro da Aeronáutica por ter sido citado em um grampo feito pela Polícia Federal, o brigadeiro-do-ar Mauro Gandra mantém a promessa de ficar longe de cargos públicos. Não quer mais ser alvo de suspeita.
"(O homem público) é um alvo burro porque o alvo inteligente consegue se escamar do tiro", disse ele em entrevista à Folha no cargo de presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias.
Em novembro de 1995, Gandra foi citado em uma conversa grampeada entre o embaixador Júlio César Gomes dos Santos e o dono da Líder Táxi Aéreo, José Affonso Assumpção, na casa de quem havia se hospedado.
O Ministério Público Federal arquivou as suspeitascontra Gandra. A seguir, principais trechos da entrevista. (AG) ²


Folha - O sr. acha que foi incompreendido no caso do grampo?
Mauro Gandra -
Claro. É um absurdo uma pessoa ser suspeita porque dormiu na casa de outra.
Folha - Em um trecho do grampo, o embaixador pergunta sobre o sr., e o empresário da Líder responde que o sr. havia dormido dois dias na casa dele em Belo Horizonte?
Gandra -
E daí? E daí? O que tem isso?
Folha - Isso despertou suspeitas sobre tráfico de influência, exploração de prestígio.
Gandra -
Como tráfico de influência se já havia a decisão sobre a escolha da companhia (a norte-americana Raytheon) que iria implantar o Sivam? E isso ocorreu quando eu ainda não era ministro.
Eu vi a decodificação do grampo. O que eles falaram sobre mim foi o seguinte: "E o ministro Gandra, o que ele acha?", perguntou o embaixador. Ele (o dono da Líder) disse assim: "Ele (Gandra) acha que ele (o senador Gilberto Miranda) está sentado em cima do projeto e acha que o presidente (FHC) deve dar uma prensa nele". Eu não usei essa expressão. Disse a José Affonso que o presidente deveria fazer pressão no Senado.
Folha - O que sr. achou da justificativa apresentada pela Polícia Federal de investigar um suposto traficante "JC" para pedir à Justiça autorização para fazer o grampo?
Gandra -
Olha, eu nunca achei isso razoável. Acho muito difícil que a PF não soubesse que o Júlio César era um secretário especial do presidente. Mas isso é apenas um "achismo". Não sou obrigado a achar que houve marmelada. Ou então houve negligência de quem, ao fazer o grampo, não procurou saber de quem se tratava. O grampo é uma coisa extremamente grave, mesmo sob ordem judicial.
Folha - Qual é sua análise sobre as revelações do grampo?
Gandra -
A Raytheon ganhou a disputa para implantar o Sivam porque tinha melhores preços e principalmente financiamento. Isso já estava resolvido.
Então, não havia mais esse problema de tráfico de influência. Era apenas uma conversa para saber como estava evoluindo o projeto no Senado. Isso deve acontecer em Brasília pelo menos uma vez por semana.
Agora há uma reforma tributária (em tramitação). Alguém liga para alguém e pergunta como vai a reforma tributária, como o senador fulano está vendo isso.
Se você fizer um pano de fundo de tráfico de influência, você compromete qualquer um que esteja falando isso ao telefone. Acho que eles eram amigos (o embaixador e o dono da Líder).
Folha - O sr. aceitaria convite para viajar a passeio ao exterior em um jato de um amigo, como fez o embaixador Júlio César, que viajou aos EUA em um avião da Líder?
Gandra -
Eu não sei...São coisas tão pequenas. Hoje em dia eu não aceitaria andar nem no carro dele (do dono da Líder).
Se bem que agora eu posso fazer o que quiser. Posso até dormir, morar na casa dele, porque ninguém tem nada a ver com isso. Por essas e outras, eu não quero cargo público.
Folha - Nunca mais?
Gandra -
Meu grande erro foi excesso de confiança. Eu nunca poderia imaginar que, depois de 46 anos de atividade, iria virar suspeito. Fui chefe da comissão aeronáutica brasileira na Europa em 81 e 82. Em cada ano, eu movimentei US$ 100 milhões. Era uma comissão de compra. Se eu tivesse de roubar, eu tinha roubado lá.
Na minha cabeça, eu tinha uma aura que me impermeabilizaria de qualquer suspeita. Isso foi um erro porque, na verdade, qualquer um que esteja em cargo público é passível de ser vítima de uma suspeita.
Folha - Qual sua opinião sobre cargos públicos?
Folha -
O homem público é um alvo móvel. O pior é que não é um alvo inteligente. É um alvo burro porque o alvo inteligente consegue se escamar do tiro. Como ministro, eu fui vítima de uma bala perdida e acabei enxovalhado pela imprensa.
Folha - O sr. considera que as autoridades grampeadas no BNDES também foram vítimas?
Gandra -
É muito difícil julgar, até porque sou suspeito para falar. Eu acho que a grande indignidade é o grampo, seja ele feito sob cobertura judicial ou de maneira criminosa. Infelizmente, a gente vê três anos depois que o direito de privacidade tão decantado na democracia ainda não está preservado neste país.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.