São Paulo, segunda-feira, 10 de abril de 2000


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DÍVIDAS
Governo paulista susta o pagamento de desapropriações de terras em áreas de preservação ambiental
SP vê fraude de R$ 2 bi em precatórios

THOMAS TRAUMANN
da Reportagem Local


O governo de São Paulo suspendeu o pagamento de desapropriações de terras em áreas de preservação ambiental afirmando ter achado fraudes que atingem R$ 2 bilhões nos processos judiciais.
Tenta assim reverter seguidas derrotas nos tribunais que o condenaram a pagar indenizações aos proprietários que tiveram suas áreas tomadas para a criação de parques estaduais. São os chamados precatórios ambientais.
Estudos feitos por técnicos da Secretaria do Meio Ambiente e procuradores do Estado acusam irregularidades graves em 13 precatórios. No total, o governo de São Paulo deve R$ 2,6 bilhões em 89 precatórios ambientais. Os procuradores acreditam que, com recursos e revisões, a dívida pode ser reduzida para R$ 900 milhões.
Os pareceres técnicos para verificar a possibilidade de fraude nos precatórios ambientais estão sendo realizados há quase três anos. No ano passado, os procuradores começaram a usar esses laudos para brecar o pagamento de algumas dívidas judiciais. Funcionou. Agora o governo vai usar a denúncia de fraude como manobra sistemática para não pagar as dívidas que considera suspeitas.
O governo paulista usa dois argumentos para tentar provar suas suspeitas de fraude. O primeiro é que, em algumas áreas, há dúvidas sobre a propriedade da terra desapropriada. A segunda denúncia é que, na média, a perícia judicial quadruplicou o valor da terra e a indenização da madeira que poderia ser tirada da floresta.
Na ação de desapropriação de uma área da Copebrás, a diferença entre a perícia judicial e a reavaliação do governo é de 116 vezes. Cada hectare do terreno desapropriado em 1985 para a criação do Parque da Serra do Mar foi avaliado em US$ 0,98. A perícia judicial usou como parâmetro o preço do hectare de chácaras de lazer na região metropolitana de São Paulo. Mas o terreno da Copebrás fica próximo da zona industrial de Cubatão, uma das regiões mais degradadas do país.
Em outubro de 1998, o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa à empresa. Ordenou que o Estado pagasse R$ 80 milhões pela desapropriação. Nas próximas semanas, a Procuradoria Geral do Estado entra com ação para rescindir todo o processo.
"Queremos rediscutir o que já foi discutido. Mesmo que a sentença já tenha passado por todos os trâmites judiciais, ela não pode ser veículo da imoralidade. Vamos fazer o que puder para não pagar estas fraudes", afirmou o subprocurador-geral do Estado, José Roberto de Moraes.
É uma posição polêmica. Advogados e um ministro do Supremo Tribunal Federal ouvidos pela Folha colocam em dúvida o sucesso desta estratégia. Argumentam que, se não comprovar que houve fraude, o governo paulista vai ser punido com multas e encargos. Há o risco, portanto, de a dívida aumentar. Para os proprietários das áreas desapropriadas, a postura do governo é um "engodo".

Autocrítica
Os recursos em massa em processos que já estão tramitados e julgados ou em fase de conclusão são, implicitamente, uma autocrítica na forma como o governo se defendeu nos casos. Um exemplo é a indenização de R$ 1,3 bilhão por terras que pertenciam à Companhia Comercial Dela, o maior processo ambiental do país.
No seu último recurso, o governo apresentou laudo apontado que há um sobreposição da propriedade da Dela com outra área já sido indenizada. Também disse que a escritura inicial da empresa aponta dimensões menores do que a área que foi desapropriada.
Se essas informações forem verdadeiras, é surpreendente que só tenham sido descobertas pelo governo 15 anos após o início do processo. "Não se pode falar em negligência, mas talvez tenham faltado informações técnicas", disse o secretário do Meio Ambiente, Ricardo Trípoli.
O caso da Dela também é exemplar sobre como a aplicação das correções e cobrança de juros multiplicam o montante da dívida. Em 1988, esse terreno de encosta e floresta entre a Serra do Mar e o Parque Nacional da Serra da Bocaina (federal) foi avaliado pela Justiça em R$ 290 milhões, em valores atualizados. A isso, foram multiplicados juros compensatórios de 12% desde 1977, juros moratórios de 6% ao ano desde 1991, custas processuais e honorários de advogados. Juntos, esses fatores deram mais de R$ 1 bilhão.
Se confirmado o precatório, cada hectare da área da Dela vai custar quase R$ 100 mil, o suficiente para comprar uma propriedade de 30 hectares em Ribeiro Preto, a região rural mais valorizada de São Paulo. Pelo laudo do governo, com os juros e correções, o hectare de mata da Dela deveria custar R$ 5.000. No final das contas, uma diferença de R$ 1,2 bilhão.


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