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ENERGIA POLÍTICA
Físico nuclear, secretário afirma que governo quer esconder tecnologia conhecida ao proteger Resende
"Segredo do urânio" é inútil, diz Goldemberg
FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL
A tecnologia que o governo brasileiro diz querer preservar ao impor obstáculos à inspeção internacional na fábrica de enriquecimento de urânio em Resende (RJ)
não é exclusiva nem mesmo sigilosa. Os princípios científicos utilizados são semelhantes aos empregados por países europeus e
até mesmo pelo Paquistão.
A afirmação é do físico nuclear
José Goldemberg, secretário de
Ciência e Tecnologia no governo
Collor e atual secretário do Meio
Ambiente do Estado de São Paulo. Especialista em energia nuclear, ele diz que o governo federal
está cometendo um erro estratégico ao dificultar as inspeções.
Folha - O governo brasileiro está
agindo corretamente ao restringir
as inspeções?
José Goldemberg - O governo está se afogando num copo d"água
ao argumentar que está protegendo segredos industriais em Resende. Esses tais segredos são difundidos em muitos países, hoje
em dia. A Orenco, um consórcio
de países europeus que enriquece
urânio há pelo menos 15 anos, usa
essa tecnologia. Até o Paquistão,
potência nuclear que vira e mexe
incomoda os interesses dos Estados Unidos, já tem centrífugas semelhantes às brasileiras.
Folha - Quando foi desenvolvida
a tecnologia usada em Resende?
Goldemberg - Há uns 30 anos.
Há várias tecnologias para enriquecer urânio. Essa, que a Marinha brasileira desenvolveu baseada em experiências dos países ricos, é uma das mais correntes hoje em dia. Mas não é porque desenvolvemos algo no passado que
hoje vamos revolucionar a tecnologia mundial. O Ministério da
Ciência e Tecnologia diz querer
proteger a tecnologia nacional.
Então, deveria impedir visitas às
fábricas do Antônio Ermírio de
Moraes, que também usam alta
tecnologia nacional. Por que os
outros iriam querer vir ao Brasil
roubar nossa tecnologia se eles já
as tem? O que, no fundo, é um capricho está criando um problema
internacional para o Brasil.
Folha - Qual é a motivação concreta da reclamação?
Goldemberg - As ultracentrífugas de enriquecimento de urânio
são protegidas por um painel. E o
método de inspeção que a agência
internacional emprega não foi
permitido pelos técnicos de Resende, ou talvez pelos burocratas
de Brasília. Os inspetores internacionais não puderam passar dos
painéis.
Folha - O Brasil representa um perigo nuclear?
Goldemberg - O governo brasileiro argumenta que desenvolve
energia nuclear para fins pacíficos. Usa o mesmo discurso do Irã
e da Coréia do Norte. Só que ninguém [da comunidade internacional] acredita nesses dois países. É um problema de credibilidade que hoje engloba também o
Brasil.
Folha - O urânio enriquecido em
Resende pode ser usado para armas nucleares?
Goldemberg - Do ponto de vista
científico, sim. Poderia ser enriquecido a ponto de ser usado em
armas nucleares. Daí a preocupação da agência. É uma decisão política do governo brasileiro de não
enriquecer num nível perigoso.
Mas os outros não acreditam. A
palavra do governo brasileiro vale
para consumo interno, mas não
para o externo.
Folha - Há alguma motivação política nos obstáculos impostos pelo
Brasil aos inspetores?
Goldemberg - O Itamaraty nunca foi muito favorável ao Tratado
de Não-Proliferação de Armas
Nucleares, que impede a fabricação de bombas atômicas nos países que ainda não as têm, enquanto mantém as já existentes nas
grandes potências. Reclama de
assimetria. E, sendo realista, há
mesmo uma assimetria, uma
questão geopolítica difícil de
equacionar. Mas isso não deveria
criar um novo contencioso internacional e jogar a credibilidade da
ciência brasileira na fogueira.
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