São Paulo, sábado, 10 de abril de 2004

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ENERGIA POLÍTICA

Físico nuclear, secretário afirma que governo quer esconder tecnologia conhecida ao proteger Resende

"Segredo do urânio" é inútil, diz Goldemberg

FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL

A tecnologia que o governo brasileiro diz querer preservar ao impor obstáculos à inspeção internacional na fábrica de enriquecimento de urânio em Resende (RJ) não é exclusiva nem mesmo sigilosa. Os princípios científicos utilizados são semelhantes aos empregados por países europeus e até mesmo pelo Paquistão.
A afirmação é do físico nuclear José Goldemberg, secretário de Ciência e Tecnologia no governo Collor e atual secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Especialista em energia nuclear, ele diz que o governo federal está cometendo um erro estratégico ao dificultar as inspeções.

Folha - O governo brasileiro está agindo corretamente ao restringir as inspeções?
José Goldemberg -
O governo está se afogando num copo d"água ao argumentar que está protegendo segredos industriais em Resende. Esses tais segredos são difundidos em muitos países, hoje em dia. A Orenco, um consórcio de países europeus que enriquece urânio há pelo menos 15 anos, usa essa tecnologia. Até o Paquistão, potência nuclear que vira e mexe incomoda os interesses dos Estados Unidos, já tem centrífugas semelhantes às brasileiras.

Folha - Quando foi desenvolvida a tecnologia usada em Resende?
Goldemberg -
Há uns 30 anos. Há várias tecnologias para enriquecer urânio. Essa, que a Marinha brasileira desenvolveu baseada em experiências dos países ricos, é uma das mais correntes hoje em dia. Mas não é porque desenvolvemos algo no passado que hoje vamos revolucionar a tecnologia mundial. O Ministério da Ciência e Tecnologia diz querer proteger a tecnologia nacional. Então, deveria impedir visitas às fábricas do Antônio Ermírio de Moraes, que também usam alta tecnologia nacional. Por que os outros iriam querer vir ao Brasil roubar nossa tecnologia se eles já as tem? O que, no fundo, é um capricho está criando um problema internacional para o Brasil.

Folha - Qual é a motivação concreta da reclamação?
Goldemberg -
As ultracentrífugas de enriquecimento de urânio são protegidas por um painel. E o método de inspeção que a agência internacional emprega não foi permitido pelos técnicos de Resende, ou talvez pelos burocratas de Brasília. Os inspetores internacionais não puderam passar dos painéis.

Folha - O Brasil representa um perigo nuclear?
Goldemberg -
O governo brasileiro argumenta que desenvolve energia nuclear para fins pacíficos. Usa o mesmo discurso do Irã e da Coréia do Norte. Só que ninguém [da comunidade internacional] acredita nesses dois países. É um problema de credibilidade que hoje engloba também o Brasil.

Folha - O urânio enriquecido em Resende pode ser usado para armas nucleares?
Goldemberg -
Do ponto de vista científico, sim. Poderia ser enriquecido a ponto de ser usado em armas nucleares. Daí a preocupação da agência. É uma decisão política do governo brasileiro de não enriquecer num nível perigoso. Mas os outros não acreditam. A palavra do governo brasileiro vale para consumo interno, mas não para o externo.

Folha - Há alguma motivação política nos obstáculos impostos pelo Brasil aos inspetores?
Goldemberg -
O Itamaraty nunca foi muito favorável ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, que impede a fabricação de bombas atômicas nos países que ainda não as têm, enquanto mantém as já existentes nas grandes potências. Reclama de assimetria. E, sendo realista, há mesmo uma assimetria, uma questão geopolítica difícil de equacionar. Mas isso não deveria criar um novo contencioso internacional e jogar a credibilidade da ciência brasileira na fogueira.


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