São Paulo, segunda-feira, 10 de abril de 2006

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ENTREVISTA DA 2ª/RICARDO PAES DE BARROS

Pesquisador do Ipea critica falta de integração entre programas do governo e defende esforço paralelo para criar oportunidades

Ação social não tira famílias da pobreza, diz economista

Alexandre Campbell - 3.abr.06/Folha Imagem
Pesquisador Ricardo Paes de Barros, para quem redução da desigualdade também é forma de reduzir pobreza, em seu escritório, no Rio


ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

O economista Ricardo Paes de Barros, 52, vem dedicando a maior parte de seu tempo como coordenador de avaliação de políticas públicas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), nos últimos anos, a pesquisar as causas da pobreza brasileira. Desde que o país criou uma rede de proteção social com os programas de transferência de renda, ele tenta descobrir, a cada nova pesquisa divulgada pelo IBGE, qual impacto desses programas entre os mais pobres.
Suas mais recentes tabulações mostram que esse impacto não é desprezível. Também indicam que os programas, especialmente o Bolsa Família, estão conseguindo chegar aos mais pobres. Falta agora, diz ele, pensar como garantir que essas famílias tenham prioridade em outras ações sociais do governo para que se se integrem ao mercado e não precisem mais desses programas.
Para o economista, o principal problema do Bolsa Família hoje não é de foco. Ele mostra tabulações da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), feitas em parceria com os pesquisadores do Ipea Mirela de Carvalho e Samuel Franco, que revelam que o Bolsa Família (incluindo o Auxílio-Gás, o Bolsa-Escola, a Bolsa-Alimentação e o Cartão-Alimentação) tem apenas 17% dos beneficiários fora dos 40% mais pobres do Brasil.
Isso não significa, porém, que o governo deve deixar de tentar melhorar a focalização, afirma. No caso do Benefício de Prestação Continuada (outro programa de transferência de renda do governo federal), por exemplo, quase um terço (31%) de seus beneficiados viviam em domicílios com renda per capita superior a meio salário mínimo.
No entanto, diz ele, mais importante agora é pensar numa estratégia que tire as famílias da situação de pobreza, em vez de apenas garantir a escola aos filhos desses pais. Até porque, do ponto de vista de acesso à escola, o programa parece também ser eficiente.
Entre os que recebem o Bolsa Família e têm renda familiar per capita menor que meio salário mínimo, 97% estão na escola (entre os que não recebem, são 94%). O percentual de falta à aula também não varia muito entre os grupos. Entre as famílias pobres beneficiadas, 56% das crianças não faltaram nos dois meses anteriores à pesquisa. Nas demais famílias pobres, o percentual é 52%.
Paes de Barros comentou esses e outros temas em entrevista à Folha em seu escritório, no Rio. Veja os principais trechos:

Folha - O IBGE mostrou que quase metade das famílias mais pobres não está sendo beneficiada pelos programas de transferência de renda. A focalização está sendo mal feita no Brasil?
Ricardo Paes de Barros -
Primeiro é preciso separar o que é erro de exclusão e o que é de focalização. Quando você analisa a proporção de famílias que deveriam ser beneficiadas e não são, estamos falando de um erro de exclusão. No caso da focalização, o que se busca é saber a proporção de indivíduos que estão sendo beneficiados, mas não deveriam. Os dados da Pnad mostram que há erros dos dois tipos.
No caso da focalização, qualquer erro é ruim e ainda temos muito trabalho pela frente para corrigi-los, mas, se compararmos o Bolsa Família com o programa mexicano [Oportunidades], que é superbem administrado, é provável que nossa focalização seja melhor do que a deles.
O erro mais grave que a gente poderia encontrar em termos de focalização seria perceber que o núcleo duro da pobreza está excluído dos programas. Isso não está acontecendo. O núcleo duro da pobreza -os negros, nordestinos, com baixa escolaridade e da área rural- tem um grau de cobertura no programa muito maior do que o grau de cobertura da população total. No caso dos que estão de fora, há duas maneiras de incluí-los. Ou focalizamos melhor para tirar o benefício de quem não deveria receber e dar a quem deveria ou ampliamos o programa, o que já aconteceu de 2004 para 2005 [os dados analisados da Pnad são de 2004].
No Bolsa Família, mesmo que tivéssemos uma focalização perfeita, o máximo que a gente conseguiria incluir, após retirar o benefício de quem não deveria receber, é algo em torno de 17% do total, mais menos 400 mil domicílios. Mas temos dois ou três milhões de domicílios de fora.

Folha - Há como expandir mais o programa?
Paes de Barros -
O limite é muito mais tecnológico do que orçamentário. No Brasil, esses programas consomem menos de 0,5% do PIB e têm um impacto significativo na redução da desigualdade. Mas estão chegando a um ponto de exaustão porque só o que você consegue é aliviar a pobreza dos pais e beneficiar os filhos ao exigir que freqüentem a escola. Mas dificilmente os programas ajudam a tirar a família da situação de pobreza. O Bolsa Família hoje deveria ser mais bem integrado a outros programas. Temos, somente em nível federal, uns 150 programas sociais. Por que não integrar melhor o Bolsa Família com o Brasil Alfabetizado, por exemplo? Por que quem está no programa não tem acesso prioritário ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) ou a um programa de capacitação profissional?
É o que faz o Chile com o programa Puentes, que cria pontes entre as famílias pobres e os programas sociais do governo. Se os brasileiros do Bolsa Família estivessem integrados a outros programas, a possibilidade de saírem da pobreza seria muito maior.

Folha - Mas, se o mercado não gera oportunidades, de que adianta capacitar essas famílias?
Paes de Barros -
O modelo para tirar uma família que vive em Florianópolis da pobreza deve ser diferente do modelo para ajudar uma do interior do Nordeste. No primeiro caso, o importante é saber por que aquela família não está se beneficiando do fato de estar numa comunidade rica. No segundo, de nada adianta capacitar um único produtor rural para produzir mel porque ninguém vai no município dele comprar. Mas, se houver ali outras 400 famílias produzindo mel, provavelmente irá um caminhão comprar para revender em outro mercado.
A principal função desses programas é ajudar as famílias a aproveitarem as oportunidades. Eles atacam um tipo de pobreza causado porque uns se aproveitarem das oportunidades e outros não. Mas, se não há oportunidade, de fato, não há como tirar as pessoas da pobreza. Se não existe hospital ou escola, ou se eles forem ruins, de que adianta garantir que a criança freqüente às aulas e que a mãe faça um pré-natal num posto de saúde? O sucesso do combate à pobreza depende da oferta. É preciso ter um esforço paralelo para garantir que essas pessoas tenham oportunidades.

Folha - O sr. afirma que os programas de transferência de renda foram importantes na redução da desigualdade. Mas ela caiu junto com a renda média da população. Por que comemorar redução da desigualdade se todos perderam?
Paes de Barros -
A renda média per capita familiar dos 50% mais pobres aumentou de 2001 para 2004. A redução da desigualdade também é um meio de reduzir pobreza, e o percentual de pobres e extremamente pobres no país caiu muito. Com exceção de 1986 [ano do Plano Cruzado], nunca houve um percentual de pobres mais baixo do que o de hoje.
É óbvio que reduzir desigualdade com todos perdendo é muito ruim. Foi o que aconteceu no governo [de Fernando] Collor. Mas não é o que está acontecendo. Comemoramos que, de 2001 para 2004, a renda dos mais pobres subiu muito. Sem dúvida, seria melhor que os ricos também tivessem ganhado, desde que menos que os mais pobres. Infelizmente, isso não aconteceu e a renda dos mais ricos caiu, puxando a renda média total para baixo. Mas o fato é que a pobreza diminuiu.

Folha - Um estudo do sr. mostra que os programas de transferência de renda foram responsáveis por um quarto da redução da desigualdade de 2001 a 2004. O melhor não seria que essa desigualdade tivesse caído por causa da inserção no mercado de trabalho?
Paes de Barros -
Estaria preocupado se a desigualdade tivesse caído 100% por causa do Bolsa Família. O fato de um quarto dessa queda ter sido causada pelo programa mostra que também há outros fatores mais ligados ao mercado ou a questões estruturais. Mas mostra também que o impacto do programa não é desprezível. O fato de ele ter contribuído três vezes mais do que o aumento do salário mínimo, por exemplo, indica que o caminho é mais nessa direção do que na direção de aumentar o mínimo.

Folha - O sr. tem dito também que a melhoria do acesso à educação tem efeito positivo nessa redução. Mas nosso ensino superior ainda é privilégio para poucos e há uma brutal diferença social no acesso à creche e pré-escola. Não continuamos produzindo desigualdade pela educação?
Paes de Barros -
A universidade ainda é um gargalo. A desigualdade no acesso à escola de 0 a 6 anos também tem que ser corrigida. Mas andamos relativamente rápido na educação. Deveríamos ir ainda mais rápido, mas todos os indicadores mostram que não há processo de desaceleração em curso. Isso fica mais perceptível quando comparamos gerações.
Quem nasceu em 1962 e 1963 tem a mais alta desigualdade. Depois, ela foi caindo de maneira fantástica. Os jovens hoje têm um nível de desigualdade entre eles muito menor do que a encontrada entre os que têm 40 anos de idade. Como aceleramos muito, vamos enfrentar um problema sério de ter um monte de gente com mestrado e doutorado sendo chefiado por pessoas com menos escolaridade.

Folha - Isso não é positivo?
Paes de Barros -
É um fenômeno típico de país que está decolando educacionalmente. O problema é saber como um chefe mais velho e com menos escolaridade vai gerenciar uma população mais bem preparada. Poderemos ter em certo momento um problema grave de empregabilidade na faixa etária de 50 a 60 anos.


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