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ENTREVISTA DA 2ª/RICARDO PAES DE BARROS
Pesquisador do Ipea critica falta de integração entre programas do governo e defende esforço paralelo para criar oportunidades
Ação social não tira famílias da pobreza, diz economista
Alexandre Campbell - 3.abr.06/Folha Imagem
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Pesquisador Ricardo Paes de Barros, para quem redução da desigualdade também é forma de reduzir pobreza, em seu escritório, no Rio |
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
O economista Ricardo Paes de
Barros, 52, vem dedicando a
maior parte de seu tempo como
coordenador de avaliação de políticas públicas do Ipea (Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada), nos últimos anos, a pesquisar
as causas da pobreza brasileira.
Desde que o país criou uma rede
de proteção social com os programas de transferência de renda, ele
tenta descobrir, a cada nova pesquisa divulgada pelo IBGE, qual
impacto desses programas entre
os mais pobres.
Suas mais recentes tabulações
mostram que esse impacto não é
desprezível. Também indicam
que os programas, especialmente
o Bolsa Família, estão conseguindo chegar aos mais pobres. Falta
agora, diz ele, pensar como garantir que essas famílias tenham
prioridade em outras ações sociais do governo para que se se integrem ao mercado e não precisem mais desses programas.
Para o economista, o principal
problema do Bolsa Família hoje
não é de foco. Ele mostra tabulações da Pnad (Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílio), feitas
em parceria com os pesquisadores do Ipea Mirela de Carvalho e
Samuel Franco, que revelam que
o Bolsa Família (incluindo o Auxílio-Gás, o Bolsa-Escola, a Bolsa-Alimentação e o Cartão-Alimentação) tem apenas 17% dos beneficiários fora dos 40% mais pobres
do Brasil.
Isso não significa, porém, que o
governo deve deixar de tentar melhorar a focalização, afirma. No
caso do Benefício de Prestação
Continuada (outro programa de
transferência de renda do governo federal), por exemplo, quase
um terço (31%) de seus beneficiados viviam em domicílios com
renda per capita superior a meio
salário mínimo.
No entanto, diz ele, mais importante agora é pensar numa estratégia que tire as famílias da situação de pobreza, em vez de apenas
garantir a escola aos filhos desses
pais. Até porque, do ponto de vista de acesso à escola, o programa
parece também ser eficiente.
Entre os que recebem o Bolsa
Família e têm renda familiar per
capita menor que meio salário
mínimo, 97% estão na escola (entre os que não recebem, são 94%).
O percentual de falta à aula também não varia muito entre os grupos. Entre as famílias pobres beneficiadas, 56% das crianças não
faltaram nos dois meses anteriores à pesquisa. Nas demais famílias pobres, o percentual é 52%.
Paes de Barros comentou esses
e outros temas em entrevista à Folha em seu escritório, no Rio. Veja
os principais trechos:
Folha - O IBGE mostrou que quase
metade das famílias mais pobres
não está sendo beneficiada pelos
programas de transferência de renda. A focalização está sendo mal
feita no Brasil?
Ricardo Paes de Barros - Primeiro é preciso separar o que é erro
de exclusão e o que é de focalização. Quando você analisa a proporção de famílias que deveriam
ser beneficiadas e não são, estamos falando de um erro de exclusão. No caso da focalização, o que
se busca é saber a proporção de
indivíduos que estão sendo beneficiados, mas não deveriam. Os
dados da Pnad mostram que há
erros dos dois tipos.
No caso da focalização, qualquer erro é ruim e ainda temos
muito trabalho pela frente para
corrigi-los, mas, se compararmos
o Bolsa Família com o programa
mexicano [Oportunidades], que é
superbem administrado, é provável que nossa focalização seja melhor do que a deles.
O erro mais grave que a gente
poderia encontrar em termos de
focalização seria perceber que o
núcleo duro da pobreza está excluído dos programas. Isso não
está acontecendo. O núcleo duro
da pobreza -os negros, nordestinos, com baixa escolaridade e da
área rural- tem um grau de cobertura no programa muito
maior do que o grau de cobertura
da população total. No caso dos
que estão de fora, há duas maneiras de incluí-los. Ou focalizamos
melhor para tirar o benefício de
quem não deveria receber e dar a
quem deveria ou ampliamos o
programa, o que já aconteceu de
2004 para 2005 [os dados analisados da Pnad são de 2004].
No Bolsa Família, mesmo que
tivéssemos uma focalização perfeita, o máximo que a gente conseguiria incluir, após retirar o benefício de quem não deveria receber, é algo em torno de 17% do total, mais menos 400 mil domicílios. Mas temos dois ou três milhões de domicílios de fora.
Folha - Há como expandir mais o
programa?
Paes de Barros - O limite é muito
mais tecnológico do que orçamentário. No Brasil, esses programas consomem menos de 0,5%
do PIB e têm um impacto significativo na redução da desigualdade. Mas estão chegando a um
ponto de exaustão porque só o
que você consegue é aliviar a pobreza dos pais e beneficiar os filhos ao exigir que freqüentem a
escola. Mas dificilmente os programas ajudam a tirar a família da
situação de pobreza. O Bolsa Família hoje deveria ser mais bem
integrado a outros programas.
Temos, somente em nível federal,
uns 150 programas sociais. Por
que não integrar melhor o Bolsa
Família com o Brasil Alfabetizado, por exemplo? Por que quem
está no programa não tem acesso
prioritário ao Pronaf (Programa
Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar) ou a um
programa de capacitação profissional?
É o que faz o Chile com o programa Puentes, que cria pontes
entre as famílias pobres e os programas sociais do governo. Se os
brasileiros do Bolsa Família estivessem integrados a outros programas, a possibilidade de saírem
da pobreza seria muito maior.
Folha - Mas, se o mercado não gera oportunidades, de que adianta
capacitar essas famílias?
Paes de Barros - O modelo para
tirar uma família que vive em Florianópolis da pobreza deve ser diferente do modelo para ajudar
uma do interior do Nordeste. No
primeiro caso, o importante é saber por que aquela família não está se beneficiando do fato de estar
numa comunidade rica. No segundo, de nada adianta capacitar
um único produtor rural para
produzir mel porque ninguém vai
no município dele comprar. Mas,
se houver ali outras 400 famílias
produzindo mel, provavelmente
irá um caminhão comprar para
revender em outro mercado.
A principal função desses programas é ajudar as famílias a
aproveitarem as oportunidades.
Eles atacam um tipo de pobreza
causado porque uns se aproveitarem das oportunidades e outros
não. Mas, se não há oportunidade, de fato, não há como tirar as
pessoas da pobreza. Se não existe
hospital ou escola, ou se eles forem ruins, de que adianta garantir
que a criança freqüente às aulas e
que a mãe faça um pré-natal num
posto de saúde? O sucesso do
combate à pobreza depende da
oferta. É preciso ter um esforço
paralelo para garantir que essas
pessoas tenham oportunidades.
Folha - O sr. afirma que os programas de transferência de renda foram importantes na redução da desigualdade. Mas ela caiu junto com
a renda média da população. Por
que comemorar redução da desigualdade se todos perderam?
Paes de Barros - A renda média
per capita familiar dos 50% mais
pobres aumentou de 2001 para
2004. A redução da desigualdade
também é um meio de reduzir pobreza, e o percentual de pobres e
extremamente pobres no país
caiu muito. Com exceção de 1986
[ano do Plano Cruzado], nunca
houve um percentual de pobres
mais baixo do que o de hoje.
É óbvio que reduzir desigualdade com todos perdendo é muito
ruim. Foi o que aconteceu no governo [de Fernando] Collor. Mas
não é o que está acontecendo. Comemoramos que, de 2001 para
2004, a renda dos mais pobres subiu muito. Sem dúvida, seria melhor que os ricos também tivessem ganhado, desde que menos
que os mais pobres. Infelizmente,
isso não aconteceu e a renda dos
mais ricos caiu, puxando a renda
média total para baixo. Mas o fato
é que a pobreza diminuiu.
Folha - Um estudo do sr. mostra
que os programas de transferência
de renda foram responsáveis por
um quarto da redução da desigualdade de 2001 a 2004. O melhor não
seria que essa desigualdade tivesse caído por causa da inserção no
mercado de trabalho?
Paes de Barros - Estaria preocupado se a desigualdade tivesse caído 100% por causa do Bolsa Família. O fato de um quarto dessa
queda ter sido causada pelo programa mostra que também há
outros fatores mais ligados ao
mercado ou a questões estruturais. Mas mostra também que o
impacto do programa não é desprezível. O fato de ele ter contribuído três vezes mais do que o aumento do salário mínimo, por
exemplo, indica que o caminho é
mais nessa direção do que na direção de aumentar o mínimo.
Folha - O sr. tem dito também que
a melhoria do acesso à educação
tem efeito positivo nessa redução.
Mas nosso ensino superior ainda é
privilégio para poucos e há uma
brutal diferença social no acesso à
creche e pré-escola. Não continuamos produzindo desigualdade pela
educação?
Paes de Barros - A universidade
ainda é um gargalo. A desigualdade no acesso à escola de 0 a 6 anos
também tem que ser corrigida.
Mas andamos relativamente rápido na educação. Deveríamos ir
ainda mais rápido, mas todos os
indicadores mostram que não há
processo de desaceleração em
curso. Isso fica mais perceptível
quando comparamos gerações.
Quem nasceu em 1962 e 1963
tem a mais alta desigualdade. Depois, ela foi caindo de maneira
fantástica. Os jovens hoje têm um
nível de desigualdade entre eles
muito menor do que a encontrada entre os que têm 40 anos de
idade. Como aceleramos muito,
vamos enfrentar um problema sério de ter um monte de gente com
mestrado e doutorado sendo chefiado por pessoas com menos escolaridade.
Folha - Isso não é positivo?
Paes de Barros - É um fenômeno
típico de país que está decolando
educacionalmente. O problema é
saber como um chefe mais velho e
com menos escolaridade vai gerenciar uma população mais bem
preparada. Poderemos ter em
certo momento um problema
grave de empregabilidade na faixa
etária de 50 a 60 anos.
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