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JANIO DE FREITAS
Excesso e omissão
>As atitudes do governo
no Pará já o situam como responsável por possível conseqüência em vidas que se anuncia no Estado
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ATITUDES opostas do governo, em relação a
problemas do mesmo
gênero e semelhantes na gravidade, já o situam, por antecipação, como responsável
pelas possíveis conseqüências em vidas que se anunciam nos dois casos -duas situações de conflito numeroso, propalada iminência e difícil controle depois de iniciados.
Na reserva indígena Raposa/Serra do Sol, uma cunha
no extremo norte que encaixa
solo brasileiro entre a Venezuela e a Guiana, os donos dos
vastos arrozais e outras fazendas, apoiados por grande
parte dos empregados (inclusive indígenas), já comprovam sua disposição de resistir
com armas à retirada da área
há muito ocupada ilegalmente. Na recente chegada da Polícia Federal para executar a
expulsão, explosivos e coquetéis molotov foram acrescentados aos atos de resistência
dos arrozeiros desde antes de
homologada a reserva, em
1965. A outra parte do confronto não é menos inquietante.
A chefia do grupo de policiais não economiza clareza
sobre sua determinação. Seus
prazos, para tudo, são sempre
curtos; as frases, de alcance
extenso. "Têm que sair de
qualquer maneira. A Polícia
Federal está preparada para a
guerra. Houve contatos para a
saída, mas se eles estão plantando a guerra, vamos entrar
na guerra, estamos preparados para a guerra". Nunca é
perdida uma oportunidade da
palavra guerra.
Mas por que essa determinação absurda do "de qualquer maneira", de "guerra",
de tamanha urgência, e tão
repentina, para um problema
que se desenvolve há tanto
tempo? O ministro da Justiça, em princípio a origem das
orientações maiores à Polícia
Federal e à Força Nacional de
Segurança, por certo sabe de
outros meios de coerção para
induzir a retirada dos não-indígenas. Com tanto a dizer e
desdizer sobre o dossiê planaltino, Tarso Genro não
mostrou nem a menor preocupação com os graves prenúncios e anúncios em Raposa/Serra do Sol. Passou assim
o jamegão de sua responsabilidade pelo risco desatinado e,
se houver, pelas conseqüências desnecessárias.
Os indígenas que integram
a defesa dos patrões-fazendeiros não têm sequer a compreensão de que a retirada
dos ocupantes ilegais lhes será favorável. Pensam, e dizem, no salário desgraçado
que não mais receberão. Não
lhes ocorre que poderão fazer
para si, em suas terras, com
ganho seu, o cultivo rentável
que fazem para os fazendeiros nas imensas áreas desmatadas e, tudo indica, irrecuperáveis para a floresta. Esses
índios fazem o maior número
das pessoas sob risco na
"guerra" prometida em Raposa/Serra do Sol, o seu chão legítimo e afinal legitimado.
Ainda na Amazônia, o que
se sabe da situação na paraense Parauapebas é o agravamento de algumas constantes
dos últimos anos, lá elevadas
à ameaça de efeitos incontroláveis. Até ontem, constava
estar a cidade envolvida por
mais de mil integrantes do
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e, por isso, em
estado de grande temor, até
com saída de refugiados. Nada do MST contra a cidade.
Mas seu propósito de mais
uma invasão de dependências
da Vale, com outra interrupção da estrada de ferro de Carajás, torna previsível um
quadro de violências entre o
MST e a bem conhecida Polícia Militar do Pará. Engrossada, aliás, por "contingente especial de reforço" mandado a
Parauapebas.
Lula mantém uma política
particular do seu governo em
relação ao MST. Mas a particularidade precisa de limites,
inclusive convenientes ao
MST. Deixar que se desenvolva uma situação de conflito
em que o MST só pode ser o
mais vitimado, é passividade
perversa com os sem-terra.
Da mesma maneira, se o MST
questiona desapropriações e
desocupações que atribui à
Vale, é injustificável que o governo não acione os seus recursos de mediação e, se for
mesmo o caso, de solução,
evitando situações críticas.
Entre elas, o desrespeito a decisões judiciais, que nas invasões agrárias o MST sempre
procurou evitar.
As sucessivas ações contra a
Vale são explicadas pelo MST
como parte, também, da luta
pela reestatização da empresa. Se acredita, de fato, na possibilidade de ver anulada a
privatização, interromper
ferrovias e ocupar dependências não são, por certo, métodos lúcidos e eficazes para o
seu objetivo.
O excesso de determinação
em Raposa/Serra do Sol e a
omissão deliberada em Parauapebas são um jogo com
vidas e mortes, de responsabilidades bem definidas.
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