São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 2008

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JANIO DE FREITAS

Excesso e omissão


>As atitudes do governo no Pará já o situam como responsável por possível conseqüência em vidas que se anuncia no Estado

ATITUDES opostas do governo, em relação a problemas do mesmo gênero e semelhantes na gravidade, já o situam, por antecipação, como responsável pelas possíveis conseqüências em vidas que se anunciam nos dois casos -duas situações de conflito numeroso, propalada iminência e difícil controle depois de iniciados.
Na reserva indígena Raposa/Serra do Sol, uma cunha no extremo norte que encaixa solo brasileiro entre a Venezuela e a Guiana, os donos dos vastos arrozais e outras fazendas, apoiados por grande parte dos empregados (inclusive indígenas), já comprovam sua disposição de resistir com armas à retirada da área há muito ocupada ilegalmente. Na recente chegada da Polícia Federal para executar a expulsão, explosivos e coquetéis molotov foram acrescentados aos atos de resistência dos arrozeiros desde antes de homologada a reserva, em 1965. A outra parte do confronto não é menos inquietante.
A chefia do grupo de policiais não economiza clareza sobre sua determinação. Seus prazos, para tudo, são sempre curtos; as frases, de alcance extenso. "Têm que sair de qualquer maneira. A Polícia Federal está preparada para a guerra. Houve contatos para a saída, mas se eles estão plantando a guerra, vamos entrar na guerra, estamos preparados para a guerra". Nunca é perdida uma oportunidade da palavra guerra.
Mas por que essa determinação absurda do "de qualquer maneira", de "guerra", de tamanha urgência, e tão repentina, para um problema que se desenvolve há tanto tempo? O ministro da Justiça, em princípio a origem das orientações maiores à Polícia Federal e à Força Nacional de Segurança, por certo sabe de outros meios de coerção para induzir a retirada dos não-indígenas. Com tanto a dizer e desdizer sobre o dossiê planaltino, Tarso Genro não mostrou nem a menor preocupação com os graves prenúncios e anúncios em Raposa/Serra do Sol. Passou assim o jamegão de sua responsabilidade pelo risco desatinado e, se houver, pelas conseqüências desnecessárias.
Os indígenas que integram a defesa dos patrões-fazendeiros não têm sequer a compreensão de que a retirada dos ocupantes ilegais lhes será favorável. Pensam, e dizem, no salário desgraçado que não mais receberão. Não lhes ocorre que poderão fazer para si, em suas terras, com ganho seu, o cultivo rentável que fazem para os fazendeiros nas imensas áreas desmatadas e, tudo indica, irrecuperáveis para a floresta. Esses índios fazem o maior número das pessoas sob risco na "guerra" prometida em Raposa/Serra do Sol, o seu chão legítimo e afinal legitimado.
Ainda na Amazônia, o que se sabe da situação na paraense Parauapebas é o agravamento de algumas constantes dos últimos anos, lá elevadas à ameaça de efeitos incontroláveis. Até ontem, constava estar a cidade envolvida por mais de mil integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e, por isso, em estado de grande temor, até com saída de refugiados. Nada do MST contra a cidade. Mas seu propósito de mais uma invasão de dependências da Vale, com outra interrupção da estrada de ferro de Carajás, torna previsível um quadro de violências entre o MST e a bem conhecida Polícia Militar do Pará. Engrossada, aliás, por "contingente especial de reforço" mandado a Parauapebas.
Lula mantém uma política particular do seu governo em relação ao MST. Mas a particularidade precisa de limites, inclusive convenientes ao MST. Deixar que se desenvolva uma situação de conflito em que o MST só pode ser o mais vitimado, é passividade perversa com os sem-terra. Da mesma maneira, se o MST questiona desapropriações e desocupações que atribui à Vale, é injustificável que o governo não acione os seus recursos de mediação e, se for mesmo o caso, de solução, evitando situações críticas. Entre elas, o desrespeito a decisões judiciais, que nas invasões agrárias o MST sempre procurou evitar.
As sucessivas ações contra a Vale são explicadas pelo MST como parte, também, da luta pela reestatização da empresa. Se acredita, de fato, na possibilidade de ver anulada a privatização, interromper ferrovias e ocupar dependências não são, por certo, métodos lúcidos e eficazes para o seu objetivo.
O excesso de determinação em Raposa/Serra do Sol e a omissão deliberada em Parauapebas são um jogo com vidas e mortes, de responsabilidades bem definidas.


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